30 de jul. de 2021

Arcangelo Ianelli ( 18.07.1922 São Paulo - 26.05.2009 São Paulo)










 

Ausência :: Lope de Vega

Abater-se, atrever-se, estar furioso,

áspero, brando, liberal, esquivo,

animado, exaurido, morto, vivo,

leal, traidor, covarde, corajoso,


não ver, fora do bem, centro e repouso,

mostrar-se alegre, triste, humilde, altivo,

desgostoso, valente, fugitivo,

satisfeito, ofendido, temeroso;


furtar o rosto ao claro desengano,

beber veneno por licor suave,

esquecer o proveito, amar o dano;


acreditar que o céu no inferno cabe,

ceder a vida e a alma a um desengano;

isto é amor, quem o provou bem sabe.


****

Ir y quedarse, y con quedar partirse,

partir sin alma, y ir con alma ajena,

oír la dulce voz de una sirena

y no poder del árbol desasirse;


arder como la vela y consumirse

haciendo torres sobre tierna arena;

caer de un cielo, y ser demonio en pena,

y de serlo jamás arrepentirse;


hablar entre las mudas soledades,

pedir prestada, sobre fe, paciencia,

y lo que es temporal llamar eterno;


creer sospechas y negar verdades,

es lo que llaman en el mundo ausencia,

fuego en el alma y en la vida infierno. 


Lope de Vega

(1562-1635)


Fonte: 

https://diplomatique.org.br/a-lira-multipla-de-lope-de-vega/

26 de jul. de 2021

Hiroki Takeda: ilustração

 



























In utilizar :: FLANZER, Sandra Niskier

Giorgio Morandi

Gastar, gastar, usar a vida

Deixar que escorra, provar da bica

Gastar, roer, raspar do fundo

Fincar as unhas no umbigo do mundo.

Cravar as mãos, roçar, pegar,

Ir ao encontro de, ralar, ralar

Usar agora, desgastar, se engastar

No tempo breve que passa justo.

Perder, perder, ceder ao outro

O resto pífio desse plano torto

De achar que vivo é o que se encaixa

Quando é a morte que se guarda em caixa.

Porvir, puir, e por ir, desperdiçar

Do impossível, cruzar a faixa

Fuçar o real que no acaso sobrar

E torná-lo inútil a ponto de gostar.

 In:_____. Do quarto. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2017

20 de jul. de 2021

Por que : Tarso de Melo (Santo André, 1976)

por que


retrair-se à agenda alheia — desistir


dos cinco sentidos — por que o relógio,


as distâncias que cria, o mover-se


a sua sombra — por que as chaves


giradas, o diário trancar-se com a família


— por que a gravata, esperar o fim do dia,


dos dias — por que o espelho, o asseio,


a rotina dos sapatos — por que as senhas,


os códigos, os telefones de emergência,


endereços — por que os passos, os prazos


exíguos, as datas consumidas


como aspirinas


 


[de Carbono, 2002]

19 de jul. de 2021

Eugénio de Andrade ::Arte dos versos

Camille Pissarro

Toda a ciência está aqui,

na maneira como esta mulher

dos arredores de Cantão,

ou dos campos de Alpedrinha,

rega quatro ou cinco leiras

de couves: mão certeira

com a água,

intimidade com a terra,

empenho do coração.

Assim se faz o poema.


ANDRADE, Eugénio de. Rente ao dizer. Fundação Eugénio de Andrade, 1992.

12 de jul. de 2021

Primeiro amor :: Adília Lopes

                                                                               Salvador Dali 


      Primeiro

      amor

      e não pedi

      oiro


       Depois pedi oiro e não pedi

      amor


      Depois

      só pedi

      pão


      depois

      perdi-me.