10 de mar. de 2025

os menores carregam o mundo :: Mar Becker

em todas as espécies, os menores suportam-no

com seus braços poucos

e seus humilhados ombros 


como algumas flores breves

como as que não duram mais que um dia

e nesse tempo urgentemente sonham 


assim os menores sonham no mundo, e

avançam com um lírio amarelo perfurando-lhes

o pensamento

e se erguem contra a noite longa

dentro de sua vida que é um sopro


quando por cinco vezes a terra cedeu a

pesadelos de fogo e de água

(naquela que tem sido a história das grandes extinções)

foram os frágeis que se alastraram tão quietos ─

e porque não tinham nome nem rosto

esconderam-se sem que os percebessem


foram para o escuro fundo, em

mares inconsoláveis

foram por entre cidades de ossos, para fazer morada nas

carcaças dos que não suportaram

foram morar na última fenda

do último tronco ─

como se tudo insistisse num último coração ─

dentro da sequoia


são os vencidos que têm arrastado o mundo

são lobas que há dias emagrecem, regurgitando suavemente

em bocas de ninhadas cegas

são pássaros de asa quebrada, que

estremecem nas mãos

são algum pulso

e alguma lua

são homens e mulheres sem lugar, recurvados sobre

si como pendendo

a uma pergunta sem pronúncia


os pequenos é que rompem ao meio 

o medo

e suspendem a vida num claríssimo fio de seda em que

a morte não toca


---


mar becker 

em: notas do caderno de caminho (em trabalho, devo mexer neste material), 2024 .

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