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30 de nov. de 2015

Prendedores :: Ana Estaregui


já escrevi sobre prendedores
de roupa
sobre a dor deles, função primeira
desmembrei suas patas
arranquei o coraçãozinho
de metal gelado
olhei atentamente
vi um buraco absurdo
um tiro bem no meio
vi planalto, depressão
topografia enrustida
mas hoje
hoje eu só quero
estirar umas calcinhas
ao vento.

2 de ago. de 2013

Dai-nos, meu Deus um pequeno absurdo quotidiano que seja de Alexandre O'Neill

Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja,
que o absurdo, mesmo em curtas doses,
defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!
Se é verdade o aforismo faca afia faca
(não sabemos falar senão figuradamente
sinal de que somos pouco capazes de abstracção).
Se faca afia faca,
então que a faca do absurdo
venha afiar a faca da nossa embotada vontade,
venha instalar-se sobre a lâmina do inesperado
e o dia a dia será nosso e diferente.
Aflições? Teremos muitas não haja dúvida.
Mas tudo será melhor que este dia a dia.
Os povos felizes não têm história, diz outro aforismo.
Mas nós não queremos ser um povo feliz.
Para isso bastam os suiços, os suecos, que sei eu?
Bom proveito lhes faça!
Nós queremos a maleita do suíno,
a noiva que vê fugir o noivo,
a mulher que vê fugir o marido,
o órfão que é entregue à caridade pública,
o doente de hospital ainda mais miserável que o hospital
onde está a tremer, a um canto, e ainda ninguém lhe ligou nenhuma.
Nós queremos ser o aleijado nas ruas,
a pedir esmola, a esbardalhar-se frente aos nossos olhos.
Queremos ser o pai desempregado que não sabe que Natal há-de dar aos seus.
Garanti-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cada dia,
um pequeno absurdo às vezes chega para salvar.

Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill (n. em Lisboa a 19 de Dez de 1924; m. em 21 de Agosto de 1986).