"Rosinha Desossée, me tire desse quarto de hotel e de todas as coisas que entram pela janela; me leve para longe das palmeiras, mais longe e perto das coisas mais macias; me faça esquecer (depressa) os homens ruins — isto é: os que gostam de cebola crua; me ensine, Rosinha Desossée, tudo o que eu não aprendi: a cortar com a mão direita, a usar anel, a tocar piano, a desenhar uma árvore e valsar; e me lembre do que eu esqueci — raiz quadrada, (as mais ordinárias), frações, latim, geofísica e "Navio Negreiro", de Castro Alves; depois, me dê, pelo bem dos seus filhinhos, aquilo que eu não tenho há quase um ano, carinho — de um jeito que eu não sei dizer como é, mas que há, por aí ou, pelo menos, já houve; destelhe a casa, deixe a noite entrar e, juntos, vamos nos resfriar; espirre de lá, que eu espirro de cá... agora, cada um com a sua bombinha, inalação, inalação; lado a lado, sentemos, os dois de perfil para o ventilador; minhas mãos e as suas não são de ninguém, entendido?; se interesse por mim e pergunte o que eu sei, que eu quero exclamar, no mais puro francês: "oh!"..."comment allez vous"? (...) de um jeito ou de outro, me tire daqui, pra Pérsia, Sibéria, pro Clube da Chave, pra Marte, Inglaterra, sem couvert, sem couvert; está vendo o retrato dos meus 20 anos? de lá para cá, cansaço, pé chato, gordura, calvície fizeram de mim essa coisa ansiosa, insegura e com sono, que pede a você, no auge do manso: você, Desossée, não saia esta noite e fique, ao meu lado, esperando que o sono me tome e me mate, me salve e me leve, por amor ao teu andar, assim seja..."
Antonio Maria , 30-03-1954
Rosinha Desossée, uma prostituta,
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
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8 de abr. de 2012
11 de dez. de 2011
Amanhecer em Copacabana de Antônio Maria
Amanhece, em Copacabana, e estamos todos cansados. Todos, no mesmo banco de praia. Todos , que somos eu, meus olhos, meus braços e minhas pernas, meu pensamento e minha vontade. O coração, se não está vazio, sobra lugar que não acaba mais. Ah, que coisa insuportável, a lucidez das pessoas fatigadas! Mil vezes a obscuridade dos que amam, dos que cegam de ciúmes, dos que sentem falta e saudade. Nós somos um imenso vácuo, que o pensamento ocupa friamente. E, isso, no amanhecer de Copacabana.
As pessoas e as coisas começaram a movimentar-se. A moça feia, com o seu caniche de olhos ternos. O homem de roupão, que desce à praia e faz ginástica sueca. O bêbado, que vem caminhando com um esparadrapo na boca e a lapela suja de sangue. Automóveis, com oficiais do Exército Nacional, a caminho da batalha. Ônibus colegiais e, lá dentro, os nossos filhos, com cara de sono. O banhista gordo, de pernas brancas, vai ao mar cedinho, porque as pessoas da manhã são poucas e enfrentam, sem receios, o seu aspecto. Um automóvel deixou uma mulher à porta do prédio de apartamentos — pelo estado em que se encontra a maquillage, andou fazendo o que não devia. Os ruídos crescem e se misturam. Bondes, lotações, lambretas e, do mar, que se vinha escutando algum rumor, não se tem o que ouvir.
Enerva-me o tom de ironia que não consigo evitar nestas anotações. Em vezes outras, quando aqui estive, no lugar destas censuras, achei sempre que tudo estava lindo e não descobri os receios do homem gordo, que vem à praia de manhã cedinho. E Copacabana é a mesma. Nós é que estamos burríssimos aqui, neste banco de praia. Nós é que estamos velhíssimos, à beira-mar. Nós é que estamos sem ressonância para a beleza e perdemos o poder de descobrir o lado interessante de cada banalidade. Um homem assim não tem direito ao amanhecer de sua cidade. Deve levantar-se do banco de praia e ir-se embora, para não entediar os outros, com a descabida má-vontade dos seus ares.
Rio de Janeiro 12/09/59
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