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31 de dez. de 2012

Sete ondas de ANDRÉ LAURENTINO


A primeira decisão séria do Ano Novo é o que querer antes das sete ondinhas. Sete pulos e um desejo. Qual? Para as mulheres, inventaram desejos íntimos e secretos, codificados na cor da calcinha: amarela, dinheiro; vermelha, amor; branca, paz; etc. Será que as meninas podem vestir uma calcinha e desejar outra? Valerá como dois desejos, ou valerá por um terceiro, insinuado sinuosamente pelo mistério das contradições femininas?

Um bom desejo: entender as mulheres. Um desejo melhor ainda: morrer tentando.

Dos meus desejos desvairados, queria ser uma árvore, desde que fosse mangueira. Gorda, opulenta, olorosa, magnânima e magistral. Generosa, ampla. Tropical. Mangueira doce, exagerada, sensual. Mangueira mãe. Matriarcal. Ou então queria ser outra árvore, mais equilibrada: um coqueiro. Nada tem de elegante (alto demais, magro demais, com um penacho na cabeça) mas é pura elegância. Surpresa de coqueiro. Alegre durante o dia, solene durante a noite -- quando se enegrece mais do que o céu, e impõe sua negritude sobre o preto e enfrenta as tempestades. Um coqueiro jamais perde a compostura.

Ser também feliz, é claro. Mas de que modo? Não a felicidade dos que vencem, porque nunca vencem. Não quero espalhafate, nem dizer aos outros, nem fazer do meu pirão um caviar. Quero sim é comer pirão. Quero comer caviar.

Ter saúde. E se for para ficar enfermo, que seja uma gripe sem coriza, apenas a dorzinha por dentro dos ossos, dois dias de folga, uma boa febre debaixo do cobertor e alguém para trazer água de coco e perguntar se estou melhorzinho.

Queria ter algum vício que não me mate. Atividade física que não seja item de formulário. Defeito que me faça charmoso. A teimosia dos gênios. A impaciência dos gênios (o diabo é que conheço vários idiotas teimosos e impacientes). Que eu não seja idiota, meu Deus. Queria ler mais. Amar mais. Dormir mais. E cada vez que eu diga as mesmas coisas, que soe como a primeira.

Quero ver você no ano que vem. E no outro. Que possamos estar a sós, sem coisa melhor para fazer. Façamo-la.

Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Feliz 2012.
fonte: Publicado no guia Divirta-se em O Estado de S. Paulo em dezembro de 2011

27 de out. de 2012

A vida dos sentimentos é extremamente burguesa de Clarice Lispector

'Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Quando o amor é grande demais torna-se inútil: já não é mais aplicável, e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber tanto. Fico perplexa como uma criança ao notar que mesmo no amor tem-se que ter bom senso e senso de medida. Ah, a vida dos sentimentos é extremamente burguesa.'

1 de out. de 2012

Recato de Clarice Lispector


Desabrocho em coragem, embora na vida diária continue tímida. Aliás sou tímida em determinados momentos, pois fora destes tenho apenas o recato que também faz parte de mim. Sou uma ousada-encabulada: depois da grande ousadia é que me encabulo.
- Você conhece os seus maiores defeitos?
Os maiores não conto porque eu mesma me ofendo. Mas posso falar naqueles que mais prejudicam a minha vida. Por exemplo, a grande fome de tudo, de onde decorre uma impaciência insuportável que também me prejudica.
In: A descoberta do mundo. Nova Fronteira, 1984.  p. 480.