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1 de out. de 2017

ESTRANGEIRO ::JULIA DE SOUZA

Frank Hallam Day

jurou conhecer

cada lugar de

cada página da

national geographic

nem é tão frio no polo sul

no meu tempo se podia

viver acho que vim

de navio trinta dias ou

mais até o porto de

santos preciso parar e

lembrar tudo o que fiz.

por fim apontou o mar

e disse no meu tempo

tudo isso aí

era mato.

10 de set. de 2015

TRADUZIR-SE :: Ferreira Gullar (pseudônimo de José Ribamar Ferreira) (São Luís, 10 de setembro de 1930)

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

18 de jun. de 2015

O QUE APRENDI NAS GUERRAS :: Yehuda Amichai

O que eu aprendi nas guerras
A marchar no ritmo de braços e pernas
Como bombas bombeando um poço vazio.

A marchar numa fila e sozinho no meio,
A enterrar em travesseiros,
Colchões de penas,
O corpo de uma mulher amada.
E a gritar "mamãe"
Quando ela não pode ouvir,
E a gritar por "deus"
Quando eu não creio nele,
E mesmo que acreditasse nele,
Eu não lhe falaria sobre a guerra,
Como a uma criança não se fala
Dos horrores adultos.

Que mais eu aprendi.
Aprendi
A reservar um caminho para a retirada.
Em terras estrangeiras,
Alugar um quarto em hotel
Perto do aeroporto ou da estação de trem.
E mesmo em cerimônias nupciais
Ficar sempre de olho na pequena porta
Com o sinal "exit" em letras vermelhas.

Uma batalha começa
Como tambores rítmicos para dança e termina
Com uma "retirada ao amanhecer".
Amor proibido
Algumas vezes também começa e acaba assim.

Mas acima de tudo,
Aprendi a sabedoria da camuflagem,
Não ficar visível , não ser reconhecido,
Não me distinguir daquilo que me cerca,
Nem mesmo de quem amo.
Que pensem que sou uma moita
Ou um carneiro,
Uma árvore, a sombra de uma árvore,
Uma cerca viva, uma pedra morta,
Uma casa, o canto de uma casa.

Se eu fosse um profeta
Teria diminuído o brilho da visão
Escurecido minha fé com papel negro

E quando chegar meu tempo,
Endossarei a camuflagem de gala do meu fim:
Com branco de nuvens, bastante azul de céu
E estrelas infinitas.

 tradução: Millôr Fernandes


16 de mai. de 2015

O Regresso :: Manuel António Pina (1943-2012)

Paul Cezanne

Como quem, vindo de países distantes fora de
si, chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o passado no passado, o presente no presente,
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho.

Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama.
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades, estações do ano.
E como agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.

9 de jan. de 2015

Lembranças :: Manuel António Pina


1. Deveria lembrar-me de lembranças minhas, mas lembro-me de lembranças alheias (lembranças de pessoas que nunca conheci nem nunca me conheceram).

2. Um dia, há muitos anos, cruzei-me na rua comigo numa cidade estrangeira. Recordo agora, do lado de fora, esse instante.

in Todas as palavras - poesia reunida

19 de dez. de 2012

Pão é amor entre estranhos de Clarice Lispector




Era reunião de colheita, e fez-se trégua. Comíamos. Como uma horda de seres vivos, cobríamos gradualmente a terra. Ocupados como quem lavra a existência, e planta, e colhe, e mata, e vive, e morre, e come. Comi com a honestidade de quem não engana o que come: comi aquela comida e não o seu nome. Nunca Deus foi tão tomado pelo que Ele é. A comida dizia rude, feliz, austera: come, come e reparte. Aquilo tudo me pertencia, aquela era a mesa de meu pai. Comi sem ternura, comi sem a paixão da piedade. E sem me oferecer à esperança. Comi sem saudade nenhuma. E eu bem valia aquela comida. Porque nem sempre posso ser a guarda de meu irmão, e não posso mais ser a minha guarda, ah não me quero mais. E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos. Pão é amor entre estranhos.

in: “Felicidade Clandestina”. Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998

29 de out. de 2012

Canção do estrangeiro de Edmond Jabès


William Kay Blacklock
Estou à procura
de um homem que não conheço,
que nunca foi tão eu mesmo
quanto desde que comecei a procurá-lo.
Teria ele meus olhos, minhas mãos
e todos esses pensamentos semelhantes
aos destroços deste tempo?
Estação de mil naufrágios,
o mar deixa de ser mar,
para tornar água gelada dos túmulos.
Mas, mais longe, quem sabe mais longe?
Uma menina canta a contragosto,
enquanto a noite reina sobre as árvores,
pastora em meio a seus carneiros. 
Venham arrebatar do grão de sal a sede
que nenhuma bebida poderá mitigar.
Com as pedras, um mundo se devora 
para ser, como eu, de parte alguma. 

(tradução: Caio Meira)