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7 de dez. de 2020

Nonada de Guimarães Rosa

Via Lactea
"... E eu sou nada, não sou nada, não sou nada... 
Não sou mesmo nada, nadinha de nada, de nada... 
Sou uma coisinha... nenhuma, o senhor sabe? 
Sou nada coisinha mesma nenhuma de nada, o menorzinho de todos. 
O senhor sabe? 
De nada. De nada...De nada...” 

Rosa, João Guimarães: Grande Sertão: Veredas. 19ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 366

25 de ago. de 2016

Pensamento


Tem horas em que, de repente, o mundo vira pequenino, mas noutro, 
de repente ele já torna a ser demais de grande, outra vez. 
A gente deve de esperar o terceiro pensamento.
Guimarães Rosa 

7 de jan. de 2015

8 de ago. de 2014

De amor mesmo amor::Grande Sertão: veredas - Guimarães Rosa

Margarida Aguadé

Aquele lugar, o ar. Primeiro, fiquei sabendo que gostava de Diadorim – de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade. Me a mim, foi de repente, que aquilo se esclareceu: falei comigo.
Não tive assombro, não achei ruim, não me reprovei – na hora. Melhor alembro. Eu estava sozinho, num repartimento dum rancho, rancho velho de tropeiro, eu estava deitado numa esteira de taquara. Ao perto de mim, minhas armas. Com aquelas, reluzentes nos canos, de cuidadas tão bem, eu mandava a morte em outros, com a distância de tantas braças. Como é que, dum mesmo jeito, se podia mandar o amor? O rancho era na bordada-mata. De tarde, como estava sendo, esfriava um pouco, por pejo de vento – o que vem da Serra do Espinhaço – um vento com todas almas. Arrepio que fuxicava as folhagens ali, e ia, lá adiante longe, na baixada do rio, balançar esfiapado o pendão branco das canabravas. Por lá, nas beiras, cantava era o joão-pobre, pardo, banhador. Me deu saudade de algum buritizal, na ida duma vereda em capim tem-te que verde, termo da chapada.
Saudades, dessas que respondem ao vento; saudade dos Gerais. O senhor vê: o remôo do vento nas palmas dos buritis todos, quando é ameaço de tempestade. Alguém esquece isso? O vento é verde. Aí, no intervalo, o senhor pega o silêncio põe no colo. Eu sou donde eu nasci. Sou de outros lugares. Mas, lá na Guararavacã, eu estava bem. O gado ainda pastava, meu vizinho, cheiro de boi sempre alegria faz. Os quem-quem, aos casais, corriam, catavam, permeio às reses, no liso do campo claro. Mas, nas árvores, pica-pau bate e grita. E escutei o barulho, vindo do dentro do mato, de um macuco – sempre solerte. Era mês de macuco ainda passear solitário – macho e fémea desemparelhados, cada um por si. E o macuco vinha andando, sarandando, macucando: aquilo ele ciscava no chão, feito galinha de casa. Eu ri – “Vigia este, Diadorim!” – eu disse; pensei que Diadorim estivesse em voz de alcance. Ele não estava. O macuco me olhou, de cabecinha alta. Ele tinha vindo quase endireito em mim, por pouco entrou no rancho. Me olhou, rolou os olhos.
Aquele pássaro procurava o quê? Vinha me pôr quebrantos. Eu podia dar nele um tiro certeiro. Mas retardei. Não dei. Peguei só num pé de espora, joguei no lado donde ele. Ele deu um susto,
trazendo as asas para diante, feito quisesse esconder a cabeça, cambalhota fosse virar. Daí, caminhou primeiro até de costas, fugiu-se, entrou outra vez no mato, vero, foi caçar poleiro para o bom adormecer.
O nome de Diadorim, que eu tinha falado, permaneceu em mim. Me abracei com ele. Mel se sente é todo lambente – “Diadorim, meu amor...” Como era que eu podia dizer aquilo?

In: Grande Sertão: Veredas. Editora Nova Aguilar, 1994. p. 408

11 de mai. de 2014

Toda mãe vive de boa :: João Guimarães Rosa

Dorothea Lange

Toda mãe vive de boa, mas cada uma cumpre sua paga prenda singular, que é a dela e dela, diversa bondade. E eu nunca tinha pensado nessa ordem. Para mim, minha mãe era a minha mãe, essas coisas. Agora, eu achava. A bondade especial de minha mãe tinha sido a de amor constando com a justiça, que eu menino precisava. E a de, mesmo no punir meus demaseios, querer-bem às minhas alegrias. A lembrança dela me fantasiou, fraseou – só face dum momento – feito grandeza cantável, feito entre madrugar e manhecer.
Grande Sertão: Veredas. Editora Nova Aguilar, 1994. p. 51

30 de jan. de 2014

Diadorim - Guimarães Rosa


''Mas Diadorim, conforme diante de mim estava parado, reluzia no rosto, com uma beleza ainda maior, fora de todo comum. Os olhos-vislumbre meu – que cresciam sem beira, dum verde dos outros verdes, como o de nenhum pasto. E tudo meio se sombreava, mas só de boa doçura. Sobre o que juro ao senhor: Diadorim, nas asas do instante, na pessoa dele vi foi a imagem tão formosa da minha Nossa Senhora da Abadia! A santa... Reforço o dizer: que era belezas e amor, com inteiro respeito, e mais o realce de alguma coisa que o entender da gente por si não alcança''
Grande Sertão: Veredas. 

2 de jan. de 2014

Carece de aprender de Guimarães Rosa

“Tem uma verdade que se carece de aprender, do encoberto, e que ninguém não ensina: o bêco para a liberdade se fazer. Sou um homem ignorante. Mas, me diga o senhor: a vida não é cousa terrível? Lengalenga. Fomos, fomos. (…) O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” 
In: Grande Sertão: Veredas, páginas 280 e 290)

23 de dez. de 2013

Caminho de Guimarães Rosa

Anna Silivonchik

Fiz o caminho. Sem tomar direção, sem saber do caminho. 
Pé por pé, pé por si. Deixei que o caminho me escolha. 
Na travessia, só silêncio. O nenhuns-nada. 
O alegre, mesmo, era a gente viver devagarinho, miudinho, 
não se importando demais com coisa nenhuma. 
Nessa estrada, salvou-me a palavra. 


4 de nov. de 2013

O amor e seu milhão de significados de Guimarães Rosa



“Só o amor em linhas gerais infunde simpatia e sentido à história, sobre cujo fim vogam inexatidões, convindo se componham; o amor e seu milhão de significados. [...] Ele queria conversar com uma mulher [...] queria entender o avesso do passado entre ambos, estudadamente, metia-se nessa música, imagem rendada; o que a música diz é a impossibilidade de haver mundo, coisas. ― Inútil… a lucidez ― está-se sempre no caso da tartaruga e Aquiles. [...] Estava sem óculos; não refabulava. Era o homem ― o ser ridente e ridículo ― sendo o absurdo o espelho em que a imagem da gente se destrói. [...] De dia, de fato, tiveram de romper a porta, havido alvoroço. Na cama jazendo imorais os corpos, os dois, à luz fechada naquele quarto. A morte é uma louca? ― ou o fim de uma fórmula. Mas todos morrem audazmente ― e é então que começa a não-história.”
ROSA, João Guimarães. Palhaço da boca verde. In: Tutaméia: terceiras estórias. 8. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.169-173.

12 de jul. de 2013

"Buriti", "miriti", "muriti", "muritim" e "muruti" provêm do tupi mburi'ti "Carandá"





Sua beleza montava, magnificava. Marcava obstáculo: um tinha que parar ali, momentos que fosse, por império. E seguir um instante seu duro movimento coagulado, de que parecia pronta uma ameaça ou uma música. Diziam: o  Buriti-Grande. Ele existia. 
ROSA, J. G. Noites do sertão. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976. p. 136

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O termo buriti é a designação comum das plantas dos gêneros Mauritia, Mauritiella, Trithrinax e Astrocaryum, da família das arecáceas (antigas palmáceas). Mais especificamente, o termo costuma se referir à Mauritia flexuosa, uma palmeira muito alta, nativa de Trinidad e Tobago e das Regiões Central e Norte da América do Sul, especialmente de Venezuela e Brasil. Predomina nos estados de Roraima, Rondônia, Pará, Maranhão e Piauí, mas também encontra-se nos estados do Ceará, Bahia, Goiás, Amazonas, Tocantins, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre, Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal. É também conhecida como coqueiro-buriti, buritizeiro, miriti, muriti, muritim, muruti, palmeira-dos-brejos, carandá-guaçu e carandaí-guaçu.
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Liliopsida
Ordem: Arecales
Família: Arecaceae
Género: Mauritia
Espécie: M. flexuosa
Nome binomial
Mauritia flexuosa

Seu fruto, além de rico em vitamina A, B e C, ainda fornece cálcio, ferro e proteínas. Consumido tradicionalmente ao natural, o fruto do buriti também pode ser transformado em doces, sucos, picolé, licor, vinho, sobremesas de paladar peculiar e ração de animais. Fornece palmito saboroso, fécula, seiva e madeira. O óleo extraído da fruta é rico em caroteno e tem valor medicinal para os povos tradicionais do Cerrado que o utilizam como vermífugo, cicatrizante e energético natural. Também é utilizado para amaciar e envernizar couro, dar cor, aroma e qualidade a diversos produtos de beleza, como cremes, xampus, filtro solar e sabonetes.
As folhas jovens produzem uma fibra muito fina, a "seda" do buriti, usada pelos artesãos na fabricação de peças de capim-dourado. Sua fibra é transformada no artesanato em bolsas, tapetes, toalhas de mesa, brinquedos, bijuterias, redes, cobertura de teto,cordas e etc. O talo das folhas se presta ainda à fabricação de móveis, que se destacam pela leveza e durabilidade. O buriti é de grande importância na manutenção de olhos d'água naturais, chegando até a conservar locais alagadiços, de água pura e permanente.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

8 de jul. de 2013

Encanto - Guimarães Rosa

bordado: Marie-Thérèse Pfyffer

Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto." Guimarães Rosa in Grande Sertão: veredas. p. 69

18 de out. de 2012

Questão de prefixo de Guimarães Rosa

"Infelicidade é questão de prefixo. Manejava a tristeza animal, provisória e perturbável. Viver é um rasgar-se e remendar-se".

ROSA, João Guimarães. João Porém, o criador de perus. In:. Tutaméia; terceiras estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967

6 de jun. de 2012

O estranho de Guimarães Rosa

Zenos Frudakis


Não devia de estar relembrando isto [a paixão por Diadorim], contando assim o sombrio das coisas. Lenga-lenga! Não devia de. O senhor é de fora, meu amigo mas meu estranho. Mas talvez por isto mesmo. Falar com o estranho assim, que bem ouve e logo longe se vai embora, é um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais mesmo comigo. Mire veja: o que é ruim, dentro da gente, a gente perverte sempre por arredar mais de si. Para isto é que o muito se fala?
in: ROSA, G. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 14ª ed., 1980

4 de jun. de 2012

Horas antigas de Guimarães Rosa




imagem: Rui Chaves 
A lembrança da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. [... ] O senhor é bondoso de me ouvir. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe. [...] O que muito lhe agradeço é a sua fineza de atenção.

ROSA, G. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 14ª ed., 1980

12 de abr. de 2012

Saudade de Guimarães Rosa



A saudade é o braço-e-a mão do coração, e que, certas horas, 
quer segurar demais em alguma pessoa ou coisa.

João Guimarães Rosa in Ave, Palavra

18 de mar. de 2012

Em rede de algodão rendada de Guimarães Rosa



Até que, um dia, eu estava repousando, no claro estar, em rede de algodão rendada. Alegria me espertou, um pressentimento. Quando eu olhei, vinha vindo uma moça. Otacília. Meu coração rebateu, estava dizendo que o velho era sempre novo. Afirmo ao senhor, minha Otacília ainda se orçava mais linda, me saudou com o salvável carinho, adianto de amor.
João Guimarães Rosa in: Grande Sertão: Veredas