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14 de jun. de 2014

Catar feijão :: João Cabral de Mello Neto

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e o oco; palha e eco.

2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.

10 de jun. de 2014

Questão de Pontuação :: João Cabral de Mello Neto


Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);

viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):

o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.

3 de dez. de 2012

João Cabral de Mello Neto


Magritte


Quadro nenhum está acabado

disse certo pintor; 

se pode sem fim continuá-lo 

primeiro, ao além de outro quadro 

que, feito a partir de tal forma, 

tem na tela, oculta, uma porta 

que dá para um corredor 

que leva a outra e a muito outras.