Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
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16 de dez. de 2014
O poeta visto por mim :: Dylan Thomas
Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.
Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.
(tradução: Ivan Junqueira)
25 de out. de 2014
Foi assim :: Constança Lucas
Foi assim que te disse adeus
nem sabias
numa tarde depois, numa tela
soube que teria de me despedir
não para sempre, apenas uma parte de mim
onde os amigos se sentem
mesmo a magoar dizem
não consegues
parte de ti ficou na primeira camada
as tintas que vieram cobriram-te
as horas não são as mesmas
Queria despedir-me sem mágoa
sem esta tristeza arrepiante
insistente em dar-se aos outros
antes em nada querer
hoje o cansaço está grande
tenho que te dizer tanta coisa
tenho que te dizer das cores
tenho que te dizer dos corpos
tenho que te dizer adeus
Voltarei a falar contigo
os dois seremos outros
e sim as horas serão mais parecidas
um outro abraço
de mundos em construção
deixados os receios nos bolsos
em continentes abraçados
tenho que te dizer as palavras
tenho que te dizer os novos caminhos
tenho que te dizer até já
12 de jun. de 2014
O mais singular livro dos livros :: J. W. Goethe (1749-1832)
Edward Burne-Jones
O mais singular livro dos livros
É o Livro do Amor;
Li-o com toda a atenção:
Poucas folhas de alegrias,
De dores cadernos inteiros;
Apartamento faz uma secção,
Reencontro! um breve capítulo,
Fragmentário. Volumes de mágoas
Alongados de comentários,
Infinitos, sem medida.
Ó Nisami ! – mas no fim
Achaste o justo caminho;
O insolúvel, quem o resolve?
Os amantes que tornam a encontrar-se.
De Divan Ocidental-Oriental
7 de nov. de 2013
A CASA ARRENDADA de JOAQUIM PESSOA
Põe
rendas na casa
da
casa de renda
com
ternuras de asa,
perfumes
de lenda.
Põe
lendas antigas
em
jarras modernas.
Sua
boca abriga
palavras
eternas.
Põe
fios de lume
de
leve no peito.
Lençóis
de ciúme
aquecem-lhe
o leito.
Esquecem-lhe
os medos
mas
lembram-lhe as mágoas.
Medeiam
segredos
em
serenas águas.
Quando
o pensamento
lhe
abre as janelas
as
éguas do vento
entram-lhe
por elas,
por
alas de rosas
de
rendas cuidadas
como
mariposas
azuis,
delicadas.
Delícias,
delírios
de
linho, esvoaçam.
São
lentos martírios
que
as mãos entrelaçam.
Se
o dia é um lago,
um
mês ou um ano,
por
dentro é afago,
por
fora é engano.
E
fiam sentadas
filhas
de princesa,
bordam
almofadas,
toalhas
de mesa.
À
noite no leito
tem
corpo de abraços
e
a rosa do peito
desfaz-se
em pedaços.
Mas
nada lhe importa
e,
com mãos de Fada,
põe
trancas na porta
da
casa arrendada.
1 de set. de 2012
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. Fernando Pessoa
John William Waterhouse- Penelope e os pretendentes (1912)
Que há-de alguém confessar que valha ou que sirva? O que nos sucedeu, ou sucedeu a toda a gente ou só a nós; num caso não é novidade, e no outro não é de compreender. Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida. Minha tia velha fazia paciências durante o infinito do serão. Estas confissões de sentir são paciências minhas. Não as interpreto, como quem usasse cartas para saber o destino. Não as ausculto, porque nas paciências as cartas não têm propriamente valia. Desenrolo-me como uma meada multicolor, ou faço comigo figuras de cordel, como as que se tecem nas mãos espetadas e se passam de umas crianças para as outras. Cuido só de que o polegar não falhe o laço que lhe compete. Depois viro a mão e a imagem fica diferente. E recomeço.
Viver é fazer meia com uma intenção dos outros. Mas, ao fazê-la, o pensamento é livre, e todos os príncipes encantados podem passear nos seus parques entre mergulho e mergulho da agulha de marfim com bico reverso. Croché das coisas... Intervalo... Nada...
De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo... Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter... Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a um filho vivo... Sim, croché...
fonte: http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=5348
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