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21 de set. de 2020

De amar mucho tienes a palabra de Dulce María Loynaz

Salvador Dali

De amar mucho tienes 
a palabra que persuade, 
la mirada que vence 
y que turba...

De amar mucho dejas amor
en torno tuyo, el que pasa 
cerca y se huele el perfume
en el pecho, viene a creer
que tiene la rosa dentro...


fonte: Poemas sin nombre. Letras Cubanas, 1993.

http://www.radio.uol.com.br/#/letras-e-musicas/omara-portuondo-e-maria-bethania/poema-lxiv--palabras--palavras/2349610

22 de jun. de 2020

Somente para seus olhos de Andrea Dutra


Antonio Canova, Cupid and Psyche (detalhe), 1786-93 

eu guardo o nosso segredo como se guarda, escondida no fundo da gaveta, uma jóia dentro de uma caixa forrada de veludo, enrolada no lenço de seda. ou como se perde, entre as folhas de um livro, uma folha seca que a gente pegou no chão daquele dia especial de outono. um dia a gente abre o livro e dá de cara com a cena. guardo os instantâneos da nossa vida na retina, milhares de quadros por segundo. não tiramos nenhuma foto juntos, mesmo qdo o sol listrava de cor de rosa o céu azul do arpoador. não postamos nossos pés sujos de areia no instragram. a gente anda na rua sem dar as mãos, mas trocamos olhares. não vamos publicar nenhuma das nossas felicidades, não vamos postar nada. não temos amigos em comum, não moramos na mesma cidade. nós moramos na nuvem. agora, falamos menos. nos olhamos mais. sorrimos, e ficamos calados, lado a lado. a paz reina. qdo nos vemos vem lua vai sol vem noite vai dia. somos completamente.

6 de jul. de 2015

Retrovisor :: João Anzanello Carrascoza


John Brack

Na verdade, esse menino que narra [Aos 7 e aos 40] é um menino velho. É o homem que retorna e está se remeninando pelo seu olhar no tempo. E o personagem mais velho, que é esse cara que está aos quarenta, não é ele que narra. Apesar das situações que vive, ele é um menino que não tem domínio sobre sua vida, que está diante de um mundo que o leva para lá e para cá, que não tem ainda o domínio de suas rédeas e que não terá. É um homem com a insegurança, as dúvidas, a fragilidade e a vulnerabilidade de um menino. A gente acabou ficando com uma capa que tem tudo a ver: um automóvel, que [representa] olhar para trás para ir para frente. Às vezes é preciso olhar para trás, entender a nossa história para dar um passo adiante. E é o que a gente faz num automóvel, num retrovisor. Você precisa dele para olhar lá atrás, ver se não passou dos lugares, ou o que passou, olhar um pouquinho de novo e ver quão bonito era — mas você está indo para frente. Seu olhar, a maior parte do tempo, é para o que está vindo, para o teu presente, para o domínio da tua direção. E isso é um ir e vir do adulto e da criança. No fim, o tempo todo a gente é aquele que não cresceu e aquele crescido que ainda lembra o tempo de crescer.fonte: http://rascunho.gazetadopovo.com.br/joao-anzanello-carrascoza/

19 de fev. de 2015

Não é ainda a pele, apenas :: Maria do Rosário Pedreira nasceu (Lisboa, 1959)

Berthe Morisot

Não é ainda a pele, apenas
um rumor de lã nas camisolas, um recado
a lembrar tardes no feno, linho lavado, o sol
mordendo um rio pela manhã ―
assim a distância entre a minha mão e o pessegueiro.

Na estrada
as flores demoram-se até às laranjas,
mas o aroma do pomar faz sede e os olhos cegam
na promessa de gomos novos e doces, os mais doces. Talvez
por isso se continue a viagem sem olhar para trás.

11 de fev. de 2015

Short trip :: Alice Ruiz


minha cidade
cai pela janela
como um cisco

meu olho
caleidoscópio
é o coração que acolhe
fragmento por fragmento
até que toda cidade
e sua história
caiba dentro

nessa rua, por exemplo,
já passei há muito tempo
mas não tinha esse olhar
indo embora

para o futuro,
a memória desse momento
que passou agora
será a lembrança de outro
e ainda outro mais antigo

caio como um cisco
na cidade
somos, as duas,
uma rápida paisagem.
De passagem.



1 de jan. de 2015

Tenho: Livia Garcia Roza

Fernand  Khnopff

Tenho no olhar um outro dia.
                                         

26 de dez. de 2014

O Sul :: Jorge Luis Borges


De um dos teus pátios ter olhado
as antigas estrelas,
e do banco da sombra ter olhado
essas luzes dispersas
que a minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
na secreta cisterna,
o cheiro do jasmim, da madressilva,
o silêncio do pássaro a dormir,
o arco do saguão, a umidade
- essas coisas talvez sejam o poema.

:::::::::::::::::::

EL SUR
Desde uno de tus patios haber mirado

las antiguas estrellas,
desde el banco de
la sombra haber mirado
esas luces dispersas
que mi ignorancia no ha aprendido a nombrar
ni a ordenar en contelaciones,
haber sentido el circulo del agua
en el secreto aljibe,
el olor del jazmin y la madreselva,
el silencio del pájaro dormido,
el arco del zanguán, la hemedad
–esas cosas, acaso, son el poema.

de la edición 1969 de Fervor de Buenos Aires

15 de dez. de 2014

Soneto do amigo de Vinicius de Moraes



Enfim, depois de tanto erro passado 
Tantas retaliações, tanto perigo 
Eis que ressurge noutro o velho amigo 
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado 
Com olhos que contêm o olhar antigo 
Sempre comigo um pouco atribulado 
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano 
Sabendo se mover e comover 
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

24 de out. de 2014

Até Pensei :: Chico Buarque

Tattoomaus78

Junto à minha rua havia um bosque 
Que um muro alto proibia 
Lá todo balão caia, toda maçã nascia 
E o dono do bosque nem via 
Do lado de lá tanta aventura 
E eu a espreitar na noite escura 
A dedilhar essa modinha 
A felicidade morava tão vizinha 
Que, de tolo, até pensei que fosse minha 
Junto a mim morava a minha amada 
Com olhos claros como o dia 
Lá o meu olhar vivia 
De sonho e fantasia 
E a dona dos olhos nem via 
Do lado de lá tanta ventura 
E eu a esperar pela ternura 
Que a enganar nunca me vinha 
Eu andava pobre, tão pobre de carinho 
Que, de tolo, até pensei que fosses minha 
Toda a dor da vida me ensinou essa modinha 

10 de set. de 2014

INVERNO :: Antonio Cicero.

 Franz Marc, 1912
No dia em que fui mais feliz
eu vi um avião
se espelhar no seu olhar até sumir

de lá pra cá não sei
caminho ao longo do canal
faço longas cartas pra ninguém
e o inverno no Leblon é quase glacial.

Há algo que jamais se esclareceu:
onde foi exatamente que larguei
naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?

Lá mesmo esqueci
que o destino
sempre me quis só
no deserto sem saudades, sem remorsos, só
sem amarras, barco embriagado ao mar

Não sei o que em mim
só quer me lembrar
que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar.

16 de ago. de 2014

O Pavão :: Rubem Braga


Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.

Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.

Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.










24 de jul. de 2014

Espírito de colecionador :: Adélia Prado


John William Waterhouse

Sofro por causa do meu espírito de colecionador-arqueólogo.
Quero pôr o bonito numa caixa com chave
para abrir de vez em quando e olhar."
Adélia Prado

3 de abr. de 2014

Caminhante de Antonio Machado



Caminante, son tus huellas

el camino, y nada más;

caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.

Al andar se hace camino,

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar.

Caminante, no hay camino,

sino estelas en la mar.

.......................

Caminhante, são teus rastos

o caminho, e nada mais;

caminhante, não há caminho,

faz-se caminho ao andar.

Ao andar faz-se o caminho,

e ao olhar-se para trás

vê-se a senda que jamais

se há-de voltar a pisar.

Caminhante, não há caminho,

somente sulcos no mar.

19 de out. de 2013

Valsinha de Chico Buarque e Vinicius de Moraes (Vinícius de Moraes, nascido Marcus Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 — Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980)


Equestrienne - Chagall

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar

E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz

6 de out. de 2013

Um ponto de vista de Bernardo Carvalho

magritte
"Nunca vi ninguém tão só. (...) Numa das vezes em que me falou das suas viagens pelo mundo, perguntei aonde queria chegar e ele me disse que estava em busca de um ponto de vista. Eu lhe perguntei: "Para olhar o quê?". Ele respondeu: "Um ponto de vista em que eu já não esteja no campo de visão". Eu poderia ter dito a ele, mas não tive coragem, que não precisava procurar, que se fosse por isso não precisava ter ido tão longe. Porque ele nunca estaria no seu próprio campo de visão, desde que evite os espelhos. Às vezes me dava a impressão de que, a despeito de ter visto muitas coisas, não via o óbvio, e por isso acreditava que os outros não o vissem, que pudessem se esconder. O que eu vi, nunca falei. Fiquei à sua espera".

in: Nove noites. Companhia das Letras, 2006. p. 100

5 de ago. de 2013

Garras dos sentidos de Agustina Bessa Luís


Não quero cantar amores,
Amores são passos perdidos.
São frios raios solares,
Verdes garras dos sentidos.


São cavalos corredores
Com asas de ferro e chumbo,
Caídos nas águas fundas.
Não quero cantar amores.


Paraísos proibidos,
Contentamentos injustos,
Feliz adversidade,
Amores são passos perdidos.



São demência dos olhares,
Alegre festa de pranto,
São furor obediente,
São frios raios solares.


Da má sorte defendidos
Os homens de bom juízo
Têm nas mãos prodigiosas
Verdes garras dos sentidos.



Não quero cantar amores
Nem falar dos seus motivos.



Agustina de Bessa Luís (n. em Vila Meã, Amarante em 1922)

9 de jul. de 2013

Mudo de beleza de Eduardo Galeano



Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!.

In: O livro dos abraços, L&PM

27 de jun. de 2013

Narciso de Manuel António Pina


John William Waterhouse.

Quando me dizes "Vem", já eu parti

e já estou tão próximo de ti

que sou eu quem me chama e quem te chama

e é o meu amor que em ti me ama.

Se me olhas sou eu que me contemplo

longamente através do teu olhar

e moro em ti e sou eu o lugar

e demoro-me em ti e sou o tempo.

Eu sou talvez aquilo que me falta

(a alma se sou corpo, o corpo se sou alma)

em ti, e afogo-me na tua vida

como na minha imagem desmedida:

Sol, Lua, água, ouro,

horizontalidade, concordância,

indiferente ordem da infância,

união conjugal, morte, repouso.