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13 de jul. de 2020

Al-Mu'tamid, "Só eu sei ..."




Só eu sei quanto me dói a separação!
Na minha nostalgia fico desterrado
À míngua de encontrar consolação.
À pena no papel escrever não é dado
Sem que a lágrima trace, caindo teimosa,
Linhas de amor na página da face.
Se o meu grande orgulho não obstasse
Iria ver-te à noite: orvalho apaixonado
De visita às pétalas da rosa.

Al-Mutamid Alã-l-lãh ibn 'Abbãd Abu-l-Qasin Muhammad nasceu em Beja (Portugal) em 1040 e morreu em Agmat (Marrocos) em  1095.
Tradução de Adalberto Alves, do livro "O meu coração é árabe".

9 de nov. de 2014

SEM SABER :: Ana Blandiana

Raphael Kirchner, 1903

Evidentemente não sou
como esses fiandeiros de palavras
que fazem as roupas e as corridas de agulha,
as glórias, os orgulhos,
apesar de me mover no meio deles
e eles me olharem as palavras como se fossem malhas
– “Que bem posta que vais!”, dizem-me,
– “Que bem que te fica o poema!”
sem saber
que os poemas não são o meu vestido,
mas o esqueleto
extraído com dor
e posto por cima da carne como uma carapaça,
tal como as tartarugas,
que assim sobrevivem
séculos
longos e infelizes.




3 de set. de 2013

Se alguém :: Fernando Pessoa

Max Ernst

Se alguém bater um dia à tua porta,
Dizendo que é um emissário meu,
Não acredites, nem que seja eu;
Que o meu vaidoso orgulho não comporta
Bater sequer à porta irreal do céu.

Mas se, naturalmente, e sem ouvir
Alguém bater, fores a porta abrir
E encontrares alguém como que à espera
De ousar bater, medita um pouco. Esse era
Meu emissário e eu e o que comporta
O meu orgulho do que desespera.
Abre a quem não bater à tua porta!

Fernando Pessoa - 5/9/1934