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11 de jan. de 2020

Paz de Agustina Bessa-Luís

Oscar Niemeyer
A paz não tem figura nem desejo absoluto; 
viver em paz não é viver; 
(...) a paz é um absurdo, 
como a realidade concreta é um absurdo 
que é preciso recriar para 
que se torne afecto do homem, 
obra sua. 

Agustina Bessa-Luís


31 de dez. de 2017

Paz :: Noemi Jaffe

Konstantinos Parthenis
quem visa aos fins e usa o meio como instrumento para chegar a eles esquece os sentidos do meio, que são inúmeros, processuais e mutantes. quem visa aos fins pode dizer que quer a paz, mas não pode e nem sabe querê-la, porque os fins não comportam a paz. porque o fim só tem um lado e para se chegar à paz é preciso ter muitos. a paz fica só no meio e não no fim.

24 de set. de 2015

Valsinha :: Vinicius de Moraes - Chico Buarque


Um dia ele chegou tão diferente 
Do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente 
Do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto 
Era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, 
Pra seu grande espanto convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como 
há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça
E começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz

17 de ago. de 2015

Qual Paz? :: Mia Couto

William H. Johnson, 1941

- Seja que dia for, é bom voltar. Voltar, agora que temos paz...
Sem desviar os olhos da peneira, Hanifa Assulua reclamou, em surdina. Eu falava da Paz? Qual Paz?
- Talvez para eles, os homens - disse. - Porque nós, mulheres, todas as manhãs continuamos a despertar para uma antiga e infindável guerra.”

In:  A Confissão da Leoa

5 de jun. de 2015

Contranarciso :: Paulo Leminski

Enrico Miguel Thomas
Em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós.




12 de abr. de 2015

Plantar um bosque :: Lya Luft

(...) O Bosque existe: é um dos meus lugares mágicos, onde minha imaginação anda de mãos dadas com a realidade. Ainda somos poucos moradores nesse condomínio na serra, mas algumas casas novas vão aparecendo entre as árvores. A nossa, a menor de todas, foi feita como a gente queria: telhado pontudo, portas e venezianas no que chamo de azul-grego. varandona, lareira e aconchego, grandes vidraças trazendo o bosque para dentro dos quartos.
      Eu a batizei de Casa da Bruxa Boa, e mandei botar isso numa placa ao lado do acesso para o carro. E, cada vez que seus telhados e suas venezianas azuis aparecem na curva da ruazinha quando chegamos, ainda me espanta que seja nossa. Nela acontecem coisas especiais.
Como quando meu marido resolveu tocar um Mozart alto e bom som no meio de uma manhã de domingo. Nem tucanos nem bugios, nem uma raposinha, nossos eventuais companheiros. Éramos as árvores e nós: troncos subindo com dificuldade como velhinhas encurvadas ou amantes sensuais. Comentei que certamente era a primeira vez que aquela mata tão antiga escutava música. Meu marido concordou balançando a cabeça. Nem lhe ocorreu dizer que árvores não escutam. Pois quem me diz que árvores, sendo vivas, não sentem nada, nem ouvem, nem enxergam — ainda que do jeito delas, que não entendemos ainda?
      Quem me diz que, compadecidas com estes atrapalhados humanos, não nos concedem de propósito essa renovadora paz que recuperamos depois do grande cansaço de quem chega da cidade arrastando deveres, compromissos, fracassos e desilusões? Quem me garante que entre os troncos não se escondem seres de fábula, que nos espiam de noite quando tudo parece dormir, mas aqui e ali alguma coisa se move, rápida? Algo vivo se esgueira, corre com pezinhos como de minúsculos esquilos no telhado — mas não são esquilos, e macacos não andam por aí de noite. Pois eu, em tantas noites quietas, escuto neste mato, neste telhado e neste jardim muitas insólitas coisas: mesmo sem nome nem rosto, elas são reais. Batem asas! sussurram, dão risadinhas divertindo-se com minha incapacidade de enxergar melhor o que não cabe em explicações.
      Essas franjas do perceptível permitem que a gente cumpra o cotidiano de trabalhos e correrias, amores a cuidar, contas a pagar, o dinheiro escasso, a burocracia implacável e kafkiana, o carro que precisa ir para a oficina e a eterna lista do supermercado ao lado do computador tudo isso e muito mais, mas sem perder a graça.  E, quando a perdemos — ou ela nos escapa —, a lembrança daqueles tons de verde, um colorido fugaz na sombra entre as raízes, os pássaros estranhos que vêm comer frutinhas, tudo isso a traz de volta. Como as vozes das crianças nos balanços quando nos visitam, seu olhar sonado quando descem a escada ainda em suas roupas de dormir, e vem para o nosso colo. Toda a graça, a delicadeza, o consolo e o assombro deste mundo tantas vezes frio e cruel retornam, e nos fazem companhia por mais cansado, aborrecido ou desanimado que a gente esteja – porque às vezes a gente também fica assim.
      E, quando resolvi transcrever nesta coluna parte do meu texto sobre o Bosque, pensei que cada um de nós pudesse curtir essa experiência, na paisagem da janela, ainda que uma frestinha de verde entre edifícios; numa caminhada pela praça ou parque; numa viagem de ônibus; ou, melhor ainda, inventar o seu. Plantar um bosque na alma, e curtir a sombra, o vento, a chuva, as crianças, o sossego. Não precisam ser reais. Eu até acho que a realidade não existe: existe o que nós criamos, sentimos, vemos ou simplesmente imaginamos. E é isso que torna a vida suportável. Ou especial.
Fonte: Revista Veja, 27 de abril de 2011

29 de mar. de 2015

BILHETE :: Mario Quintana

Marc Chagall

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda... 


19 de nov. de 2014

Miguel Torga: Viagem



Winslow Homer
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,

O que importa é partir, não é chegar.

28 de out. de 2014

Contranarciso :: Paulo Leminski


em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós

16 de set. de 2014

A ÁRVORE QUE NINGUÉM VISITA :: CHARLES SIMIC (Belgrado, 1938)

 Jean Metzinger, 1906

Então eu fui. Uma tarde subi
Aquela colina íngreme e rochosa,
Parando para descansar e admirar uma flor silvestre
E a vista do lago
No vale lá em baixo.

Teria gostado de uma cabra por companhia.
Uma preta e branca, com um sino
Para ir à frente, pastar um pouco e romper
O silêncio quando este retoma sua ascensão
Até onde uma árvore escura e silenciosa está

Esperando todos estes anos que alguém
Se sente à sua sombra, em calma consigo mesmo.
Até o vento está sempre a inventar
Joguinhos para as suas folhas brincarem,
Sem pressa agora de perturbar a paz.



21 de jun. de 2014

As coisas :: Arnaldo Antunes


As coisas têm peso,
massa,
volume,
tamanho,
tempo,
forma,
cor,
posição,
textura,
duração,
densidade,
cheiro,
valor,
consistência,
profundidade,
contorno,
temperatura,
função,
aprência,
preço,
destino,
idade,
sentido.
As coisas não têm paz.

30 de mai. de 2014

Dueto de Chico Buarque



Consta nos astros, nos signos, nos búzios

Eu li num anúncio, eu vi no espelho, tá lá no evangelho, garantem os orixás

Serás o meu amor, serás a minha paz

Consta nos autos, nas bulas, nos dogmas
Eu fiz uma tese, eu li num tratado, está computado nos dados oficiais
Serás o meu amor, serás a minha paz
Mas se a ciência provar o contrário, e se o calendário nos contrariar
Mas se o destino insistir em nos separar
Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas
Os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos
Profetas, sinopses, espelhos, conselhos
Se dane o evangelho e todos os orixás
Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz
Consta na pauta, no Karma, na carne, passou na novela
Está no seguro, pixaram no muro, mandei fazer um cartaz
Serás o meu amor, serás a minha paz
Consta nos mapas, nos lábios, nos lápis
Consta nos Ovnis, no Pravda, na Vodca

20 de fev. de 2014

SAUDADE :: Livia Garcia Roza


Na minha casa vive escondida uma saudade. 
Às vezes ela aparece, suspira, 
e retorna ao seu lugar de paz.

19 de out. de 2013

Valsinha de Chico Buarque e Vinicius de Moraes (Vinícius de Moraes, nascido Marcus Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 — Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980)


Equestrienne - Chagall

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar

E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz

16 de out. de 2013

Flor e cronópio de Julio Cortázar


Um cronópio encontra uma flor solitária no meio dos campos. Primeiro pensa em arrancá-la, mas percebe que é uma crueldade inútil, e se coloca de joelhos junto dela e brinca alegremente com a flor, isto é: acaricia-lhe as pétalas, sopra para que ela dance, zumbe feio uma abelha, cheira seu perfume, e deita finalmente debaixo da flor envolvido em uma enorme paz.
A flor pensa: "É como uma flor."

Do livro: Histórias de cronópios e de famas. Editora Civilização Brasileira, 10ª edição, 2007.

2 de set. de 2013

Allegro de Tomas Tranströmer


http://independent.academia.edu/LucianoDutra/Papers/1934414/Tomas_Transtromer_Samlade_dikter_-_amostra_de_traducao_do_

5 de set. de 2012

Dança Dos Meninos Composição: Marco Antônio Guimarães, Milton Nascimento


Aleijadinho


Olha bem para mim
Dentro de meu sentimento e tudo de mim
Seja meu lar, uma canção, um carinho
Uma frase de paz
Te acorda é a dança o momento
A roda que vai embalando o amor
Canta um refrão, mostra um sorriso
Canta um refrão, mostra que quer viver
E posso lembrar 
A primeira noite que te vi entoar
Uma emoção
Tanto calor em seu rosto
Como em toda visão
É o mundo, é a senha
Pra que eu te sentisse ali
Força de um leão
Venha de lá anjo suave
Sem esperar grita que quer viver 

26 de ago. de 2012

Cabelos de rubi de Ângela Carolina Cysneiros.

Jane Collins
(...) Todos co­meçaram a cantar , a dançar e a bater palmas que não faziam barulho, e ela soube que há muito tempo atrás, quando os animais falavam, as galinhas tinham den­tes, as estrelas viviam sobre as águas e as nuvens eram bordadas e usadas como almofadas, uma antiga fada feiticeira havia dito que, uma dia, viria do céu uma menina de cabelos da cor do rubi que iria espalhar o Amor entre os habitantes daquele reino e de todos os reinos ‘conhecidos e não conhecidos, que iriam se unir como irmãos e o mundo amanheceria em paz e muito iluminado.
fonte: Cabelos de rubi de Ângela Carolina Cysneiros. 
http://www.traco-freudiano.org/blog/?p=680

5 de mai. de 2012

O momento mais feliz da minha vida de Orhan Pamuk

Frank Dicksee -  Romeu e Julieta

‎"Era o momento mais feliz da minha vida, mas eu não sabia. Se soubesse, se tivesse dado o devido valor a essa dádiva, tudo teria acontecido de outra maneira? Sim, se eu tivesse reconhecido aquele momento de felicidade perfeita, teria agarrado com força e nunca deixaria que me escapasse. Levou alguns segundos, talvez, para aquele estado luminoso tomar conta de mim, mergulhando-me na paz mais profunda, mas ele me pareceu ter durado horas, até mesmo anos. " 
Orhan Pamuk, O Museu da Inocência. Companhia das Letras, 2011. p. 15