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1 de jun. de 2020

A palavra seda de João Cabral de Melo Neto




A atmosfera que te envolve
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.
E como as coisas, palavras
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.
É certo que tua pessoa
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.
E é certo que a superfície
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,
nada tem da superfície 
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.
Mas em ti, em algum ponto,
talvez fora de ti mesma, 
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas,
há algo de muscular,
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,
de animal, de animalmente,
de cru, de cruel, de crueza, que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.

João Cabral de Melo Neto In: Quaderna, 1956-1959

29 de nov. de 2017

O Relógio :: João Cabral de Melo Neto

Ao redor da vida do homem 
há certas caixas de vidro, 
dentro das quais, como em jaula, 
se ouve palpitar um bicho. 

Se são jaulas não é certo; 
mais perto estão das gaiolas 
ao menos, pelo tamanho 
e quadradiço de forma. 

Uma vezes, tais gaiolas 
vão penduradas nos muros; 
outras vezes, mais privadas, 
vão num bolso, num dos pulsos. 

Mas onde esteja: a gaiola 
será de pássaro ou pássara: 
é alada a palpitação, 
a saltação que ela guarda; 

e de pássaro cantor, 
não pássaro de plumagem: 
pois delas se emite um canto 
de uma tal continuidade 

que continua cantando 
se deixa de ouvi-lo a gente: 
como a gente às vezes canta 
para sentir-se existente.

16 de jun. de 2016

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos de Mario Quintana



Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim... 
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo, 
porém não sei que luz as iluminaria 
que terias de fechar teus olhos para as ouvir... 
Sim! Uma luz que viria de dentro delas, 
como essa que acende inesperadas cores 
nas lanternas chinesas de papel! 
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas 
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te 
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento 
da Poesia... 
como uma pobre lanterna que incendiou!

7 de ago. de 2015

Sobre a pintura de um ramo florido "Primavera Precoce", de Wang Primavera Precoce :: Su Dong Po

Zhao Chang

Quem disse que a pintura deve parecer-se com a realidade?
Quem o disse vê com olhos de não entendimento
Quem disse que o poema deve ter um tema?
Quem o disse perde a poesia do poema
Pintura e poesia têm o mesmo fim:
Frescura límpida, arte para além da arte
Os pardais de Bain Lun piam no papel
As flores de Zhao Chang palpitam
Porém o que são ao lado destes rolos
Pensamentos-linhas, manchas-espíritos?
Quem teria pensado que um pontinho vermelho
Provocaria o desabrochar da primavera?

18 de fev. de 2015

Não Mais :: Czeslaw Milosz (1911-2004)

Katsushika Hokusai
Preciso contar um dia como mudei
Minha opinião sobre a poesia e por que
Me considero hoje um dos muitos
Mercadores e artesãos do Império do Japão
Compondo versos sobre a floração da cerejeira,
Sobre crisântemos e a lua cheia.

Se eu pudesse descrever as cortesãs
De Veneza, como incitam com uma vareta o  pavão no pátio
E desfolhar do tecido sedoso, da cinta nacarina
Os seios pesados, a marca
Avermelhada no ventre onde o vestido se abotoa,
Ao menos assim como as viu o dono das galeotas
Arribadas àquela manhã carregando ouro;
E se ao mesmo tempo pudesse encerrar seus pobres ossos
No cemitério, onde o mar oleoso lambe o portão,
Em palavras mais duráveis que o derradeiro pente
Que entre carcomas sob a lápide, só, espera pela luz
Não duvidaria. Da resistência da matéria
O que se retém? Nada, quando muito o belo.
Então devem nos bastar as flores da cerejeira
E os crisântemos e a lua cheia.

                         Montgeron, 1957





14 de fev. de 2015

Não tenho bens de acontecimentos :: Manoel de Barros


Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo).
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.

Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010, p. 263.

29 de dez. de 2014

Mônica Figueiredo :: bordados e versos
























Me chamo Mônica Beatriz Pereira da Silva Figueiredo. Mônica Figueiredo é o que pegou. Não sei se muita gente conhece este Beatriz aí, que aliás, eu adoro. Chico Buarque e Edu Lobo tem uma das canções mais lindas do mundo chamada “Beatriz” que eu acho que é para mim. Já fiz muitos bordados com seus versos (e não tenho nenhum deles comigo, acabei de me dar conta disto!)  “Diz se é perigoso a gente ser feliz” ou “Para sempre é sempre por um triz”. Tudo rima com Beatriz e com a minha vida.
http://ateliemonicafigueiredo.com.br/pages/os-bordados-sou-eu