Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
19 de nov. de 2011
Fascínio pela vida urbana
Fan Ho é fotógrafo e cineasta, nasceu em Xangai em 1937 e imigrou com a família para Hong Kong. Começou a fotografar ainda muito jovem, com uma câmera Rolleiflex. Em grande parte autodidata, tem fotografias históricas que exibem seu fascínio pela vida urbana, suas fotos são excelentes exemplos de composição minimalista e de domínio de luz e sombra. http://en.wikipedia.org
18 de nov. de 2011
O Amador de Camões
Transforma-se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar; não tenho, logo, mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada. Se nela está minh’alma transformada, que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, pois consigo tal alma está liada. Mas esta linda e pura semidéia, que, como um acidente em seu sujeito, assi co a alma minha se conforma, está no pensamento como idéia: e o vivo e puro amor de que sou feito, como a matéria simples busca a forma.
Camões
A mais bonita de Chico Buarque (1989)
(...)
Bonita
Pra que os olhos do meu bem
Não olhem mais ninguém
Quando eu me revelar
Da forma mais bonita
Pra saber como levar todos
Os desejos que ele tem
Ao me ver passar
Bonita
Hoje eu arrasei
Na casa de espelhos
Espalho os meus rostos
E finjo que finjo que finjo
Que não sei
17 de nov. de 2011
Balada das meninas de bicicleta de Vinícius de Moraes
Bicicletai, meninada
Aos ventos do Arpoador
Solta a flâmula agitada
Das cabeleiras em flor
Uma correndo à gandaia
Outra com jeito de séria
Mostrando as pernas sem saia
Feitas da mesma matéria.
Permanecei! vós que sois
O que o mundo não tem mais
Juventude de maiôs
Sobre máquinas da paz
16 de nov. de 2011
El espejo no miente
El espejo no miente –continúa–; ahí uno va viendo las nuevas arrugas, las bolsas de los ojos... y sin embargo, a veces, a pesar de los años que se tengan, el espíritu de un cuento o de un poema puede seguir siendo joven. Un poema que tiene alegría, que tiene una cosa vital, lo rejuvenece a uno. Lo mismo sucede muchas veces al escribir una historia de amor, aunque sea inventada: uno vuelve a sentir otra vez una cantidad de sentimientos que creía olvidados.
Mario Benedetti
Mario Benedetti
15 de nov. de 2011
No mistério do Sem-Fim
Imagem : Durer
No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro:
no canteiro, uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de uma borboleta.
Cecília Meireles
14 de nov. de 2011
Montevideo
...Cuando la poesía abre sus puertasuna verdad gratuita y novedosarenueva nuestro manso alrededorcuando la poesía abre sus puertastodo cambia y cambiamos con el cambiotodos traemos desde nuestra infanciauno o dos versos que son como un lemay los guardamos en nuestra memoriacomo una reserva que nos hace bien...
Mario Benedetti (1920-2009)
13 de nov. de 2011
12 de nov. de 2011
O Meio de Luiz Tatit
Assim era no princípio
Metáfora pura
Suspensa no ar
Assim era no princípio
Só bocas abertas
Inda balbuciantes
Querendo cantar
Por isso que sempre no início
A gente não sabe como começar
Começa porque sem começo
Sem esse pedaço não dá pra avançar
Mas fica aquele sentimento
Voltando no tempo faria outro som
Porque depois de um certo ponto
Tirando o começo até que foi bom
Por isso é melhor ter paciência
Pois todo começo começa e vai embora
O problema é saber se já foi
Ou se ainda é começo
Porque tem começo que às vezes demora
Que passa um bom tempo
Inda está no começo
Que passa mais tempo
Inda não está na hora
Tem gente que nunca sai do começo
Mas tem esperança de sair agora
Se todo começo é assim
O melhor começo é o seu fim
Um dia ainda há de chegar
Em que todos irão conquistar
Um meio pra não começar
Agora depois do começo
Já estou me sentindo
Bem mais à vontade
Talvez já esteja no meio
Ou começo do meio
Porque bem no meio
Seria a metade
É bom demais estar no meio
O meio é seguro pra gente cantar
Primeiro, acaba o bloqueio
E até o que era feio começa a soar
Depois todo aquele receio
Partindo do meio, podia evitar
Até para as crianças nascerem
Nascendo no meio, não iam chorar
Diria, sem muito rodeio
No princípio era o meio
E o meio era bom
Depois é que veio o verbo
Um pouco mais lerdo
Que tornou tudo bem mais difícil
Criou o real, criou o fictício
Criou o natural, criou o artifício
Criou o final, criou o início
O início que agora deu nisso
Mas tudo tomou seu lugar
Depois do começo passar
E cada qual com seu canto
Por certo ainda vai encontrar
Um meio para nos alegrar
11 de nov. de 2011
O velho de Chico Buarque
O velho sem conselhos
De joelhos
De partida
Carrega com certeza
Todo o peso
Da sua vida
Então eu lhe pergunto pelo amor
A vida iteira, diz que se guardou
Do carnaval, da brincadeira
Que ele não brincou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
Só a caminhada
Longa, pra nenhum lugar
O velho de partida
Deixa a vida
Sem saudades
Sem dívida, sem saldo
Sem rival
Ou amizade
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me diz que sempre se escondeu
Não se comprometeu
Nem nunca se entregou
E diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
E eu vejo a triste estrada
Onde um dia eu vou parar
O velho vai-se agora
Vai-se embora
Sem bagagem
Não sabe pra que veio
Foi passeio
Foi passagem
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me é franco
Mostra um verso manco
De um caderno em branco
Que já fechou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Não
Foi tudo escrito em vão
E eu lhe peço perdão
Mas não vou lastimar
10 de nov. de 2011
Oásis na cidade de Nina Horta
Vocês sentem uma saudade de uma coisa que nunca viram nem tiveram quando enxergam atrás de um portão pequeno e velho uma daquelas casinhas térreas que têm um terraço pequeno na frente, em arco, e a pintura é toda cheia de altos e baixos, como se o pincel fosse puxado para cima a cada pincelada?
São uns oásis que sobram nas cidades, alguma briga por posse, e geralmente não mora ninguém lá, ou só um velho que toma um pouco de conta da coisa que já não tem mais jeito. Na frente, uma bananeira com um cacho ainda bem verde de bananas ou uma goiabeira magra, mas com florzinhas anunciando a fruta.
Você vai andando pelo corredor ao lado até chegar ao fundo, bem em frente do canteiro enlouquecido de remédios. Boldo, alecrim, hortelã. As flores cresceram bonitas, subiram em trepadeiras pelas árvores e as rosas e rosinhas misturam-se com flores de cores nada na moda, coisas de jardim abandonado.
Mas há o poema das galinhas. As galinhas foram feitas para romancear qualquer lugar, dar aquela marca de casa, de gente, de segurança, de esperança. Há a beleza de uma ave andando à sua volta, crista de um vermelho transparente carregando aquele milagre todo do ovo. Por isso, Clarice tornou-se a rainha do Facebook, todo mundo adora uma pessoa que fala de galinhas como se fossem amigas, que entendem a vida das mulheres apesar de não se manifestarem a respeito.
Muita palma de santa Rita, algum dia deve ter estado na moda, retas, duras, enfeitando vasos art déco em salas escuras com cortinas fechadas e cadeiras de espaldar.
Mas, ainda há couves. Couves altas, que vão subindo em busca do sol, nem sei se couve busca sol, mas são duras e crocantes, só arrancar as folhas e colocar numa vasilha com água esperando a hora de serem cortadas bem finas.
No meio do caos tem uma pimenteira, tão cheia de jeito e dengo que deve ser nova, as pimentinhas pequenas e vermelhas, lampejo de saia rodada, de saia de baiana sapeca. Sem esquecer o guaco cheiroso.
Pesquisando com cuidado era capaz de achar mais alguma coisa. Mas só aquilo me serve para imaginar a mulher que um dia viveu ali, feliz, com o marido e os filhos, as vizinhas, a sacola grande de lona que levava para a venda e assinava na caderneta. Chegando em casa tinha um radinho desafinado com um capítulo da novela da Sarita Campos e já começava a cortar a couve na cadeira de balanço. Arroz sobrava sempre do almoço, ia fazer uma sopa de feijão com pão torrado por cima. Depois, uns ovos mexidos de leve, envolvendo a couve e umas fatias quase transparentes de linguiça. O pão bem quente e estalando.
De sobremesa poderiam chupar laranjas doces, do seu Manuel, que plantava de tudo no terreno da frente e vendia para a vizinhança. Um mistério aquele homem sempre sujo de terra, sem família, sem história. Colhia boas alfaces e tinha um caquizeiro chocolate que era o céu.
Olhou pela janela e vinha chegando o filho menor, de calças curtas, o cabelo espetado, as meias três quartos caindo sobre o sapato. Ah, menino, pensou, amanhã vou fazer um empadão de galinha para encher essas canelas finas.
Folha de São Paulo de 10 de novembro de 2011
Quanto maior for a sua própria beleza.
Talvez o meu destino seja eternamente ser guarda-livros, e a poesia ou a literatura uma borboleta que, pousando-me na cabeça, me torne tanto mais ridículo quanto maior for a sua própria beleza.
Fernando Pessoa in Livro do desassossego
O vídeo da vovó Magnólia de Jairo Marques
Minha mulher, que lá em casa é minha deusa, compartilhou com os amigos de uma dessas redes que pescam gente, as tais redes sociais, um vídeo que mostrava sua avó, uma típica mineira de palavras curtinhas e de sorriso "facim, facim", contando histórias de vaidades, de saudades, de futebol e de família.
Embora eu não tenha conhecido dona Magnólia, a avó em questão, adorei e me emocionei ao ver aquela senhora sentada em um sofá bem confortável dando uma "entrevista" informal a uma das filhas para ser apreciada a qualquer tempo, inclusive na posteridade, por toda a parentada.
Vó Magnólia usava um roupão cor-de-rosa -quase na mesma tonalidade da flor homônima de seu registro-, óculos grandes e redondos, mas que já pouco serviam, e cabelos irretocáveis, tingidos de castanho. Articulava as ideias com a memória meio barro meio tijolo devido à fúria do Alzheimer, mas nada que comprometesse o conteúdo geral.
Mesmo que por estes dias as câmeras de filmar estejam sempre ao alcance das mãos -há até caneta, botão e broches que gravam tudo em Brasília-, são pouquíssimas as vezes em que os velhos viram "atores" para contar sobre as coisas do mundo, seja de seus mundos, seja de suas coisas.
É bem diferente dos bebês, dos bichinhos e dos engraçados. Esses estão gravados e espalhados por todos os lados, ainda mais no tal universo digital. Não faltam "facebooqueiros" que os postam rotineiramente na internet fazendo fofices, dando cambalhotas desajeitadas, correndo atrás do próprio rabo, tendo atitudes de adultos ou soltando falas anedóticas.
Vovós Magnólias, não as vi muitas. E digo isso para não comprometer a sagacidade de minha memória escrevendo que ela foi a única. Ser velho não tem graça? Ser velho não é bonito? Ser velho não tem alegria? Ser velho não dá o que falar?
Defendo que a mira das lentes seja mais voltada àqueles que a gente ama, àqueles de quem o tempo já não conta a favor, àqueles que justificam de maneira completa a palavra saudade. Mesmo que, rotineiramente, eles digam que "detestam essas coisas modernas", insista, grave escondidinho, brinque de fazer novela, de imitar o Jô Soares entrevistando.
Imagine tirar das gavetas tecnológicas essas lembranças sempre que o coração tiver vontade, que a alma gritar por um banho de recordação. Que delícia seria morrer de rir relembrando o jeito como o vozinho penteava o que chamava de cabelo para, depois, esconder tudo na boina xadrez.
E o que dizer da cena da mãe nervosa balangando as pernas e reclamando do caçula ingrato que não liga há dois dias? Não gravei nem gravaram minha avó na máquina de costura fazendo bainha ou no fogão frigindo seus famosos bolinhos de polvilho. Seria delicioso poder revê-la de formas simples assim, escutar sua voz e encantar-me, mais uma vez, com seus causos já quase esquecidos.
Embora eu não tenha conhecido dona Magnólia, a avó em questão, adorei e me emocionei ao ver aquela senhora sentada em um sofá bem confortável dando uma "entrevista" informal a uma das filhas para ser apreciada a qualquer tempo, inclusive na posteridade, por toda a parentada.
Vó Magnólia usava um roupão cor-de-rosa -quase na mesma tonalidade da flor homônima de seu registro-, óculos grandes e redondos, mas que já pouco serviam, e cabelos irretocáveis, tingidos de castanho. Articulava as ideias com a memória meio barro meio tijolo devido à fúria do Alzheimer, mas nada que comprometesse o conteúdo geral.
Mesmo que por estes dias as câmeras de filmar estejam sempre ao alcance das mãos -há até caneta, botão e broches que gravam tudo em Brasília-, são pouquíssimas as vezes em que os velhos viram "atores" para contar sobre as coisas do mundo, seja de seus mundos, seja de suas coisas.
É bem diferente dos bebês, dos bichinhos e dos engraçados. Esses estão gravados e espalhados por todos os lados, ainda mais no tal universo digital. Não faltam "facebooqueiros" que os postam rotineiramente na internet fazendo fofices, dando cambalhotas desajeitadas, correndo atrás do próprio rabo, tendo atitudes de adultos ou soltando falas anedóticas.
Vovós Magnólias, não as vi muitas. E digo isso para não comprometer a sagacidade de minha memória escrevendo que ela foi a única. Ser velho não tem graça? Ser velho não é bonito? Ser velho não tem alegria? Ser velho não dá o que falar?
Defendo que a mira das lentes seja mais voltada àqueles que a gente ama, àqueles de quem o tempo já não conta a favor, àqueles que justificam de maneira completa a palavra saudade. Mesmo que, rotineiramente, eles digam que "detestam essas coisas modernas", insista, grave escondidinho, brinque de fazer novela, de imitar o Jô Soares entrevistando.
Imagine tirar das gavetas tecnológicas essas lembranças sempre que o coração tiver vontade, que a alma gritar por um banho de recordação. Que delícia seria morrer de rir relembrando o jeito como o vozinho penteava o que chamava de cabelo para, depois, esconder tudo na boina xadrez.
E o que dizer da cena da mãe nervosa balangando as pernas e reclamando do caçula ingrato que não liga há dois dias? Não gravei nem gravaram minha avó na máquina de costura fazendo bainha ou no fogão frigindo seus famosos bolinhos de polvilho. Seria delicioso poder revê-la de formas simples assim, escutar sua voz e encantar-me, mais uma vez, com seus causos já quase esquecidos.
9 de nov. de 2011
Saber de si
Henri Rousseau - La Bohémienne endormie
A noite chegou bruscamente. Meu coração bateu alheio. Sem saber de si.
Livia Garcia Roza
Guardo junto
"Escolho, desdobro, renovo, substituo e traduzo: guardo junto com as minhas coisas e digo que é meu."
Olívia Niemeyer
Olívia Niemeyer nasceu no Rio de Janeiro e atualmente mora em Campinas. Mestra e doutora em linguística aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), recebeu orientação de Nair Kremer, Vera Ferro e Carlos Fajardo nas artes visuais. Participa de salões desde 1997. Seu trabalho artístico privilegia formas interrompidas e fragmentadas, focos de dispersão e multiplicidade.
Olívia Niemeyer nasceu no Rio de Janeiro e atualmente mora em Campinas. Mestra e doutora em linguística aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), recebeu orientação de Nair Kremer, Vera Ferro e Carlos Fajardo nas artes visuais. Participa de salões desde 1997. Seu trabalho artístico privilegia formas interrompidas e fragmentadas, focos de dispersão e multiplicidade.
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