11 de set. de 2012

Mira Schendel ou Myrrha Dagmar Dub (Zurique, 7 de junho de 1919 — São Paulo, 24 de julho de 1988)

“A natureza deu ao artista a capacidade de exprimir seus impulsos mais secretos, desconhecidos até por ele próprio, por meio do trabalho que cria; e estas obras impressionam enormemente outras pessoas estranhas ao artista e que desconhecem, elas também, a origem da emoção que sentem”. 
Freud, S. (1910). "Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância".  Rio de Janeiro: Imago. 1974.








Belo, belo de Manuel Bandeira


Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.

Não quero combater,
Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

10 de set. de 2012

Pequena folha de Pablo Neruda



Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

9 de set. de 2012

Arthur Bispo do Rosário (1911 - 1989)







O passado de Arthur Bispo do Rosário é praticamente desconhecido. Sabe-se apenas que era negro, marinheiro, pugilista, lavador de ônibus e guarda-costas. Nas vésperas do Natal de 1938 é internado no Hospital Nacional dos Alienados, na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, após um delírio místico. Com diagnóstico de paranóico-esquizofrênico, é transferido no ano seguinte para a Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá. Entre muitas permanências e saídas, vive mais de 40 anos na instituição, onde executa a maior parte de sua obra.
Os trabalhos de Bispo diversificam-se entre justaposições de objetos e bordados. Nos primeiros, utiliza geralmente utensílios do cotidiano da Colônia, como canecas de alumínio, botões, colheres, madeira de caixas de fruta, garrafas de plástico, calçados; e materiais comprados por ele ou pessoas amigas. Para os bordados usa os tecidos disponíveis, como lençóis ou roupas, e consegue os fios desfiando o uniforme azul de interno. Prepara, com seus trabalhos, uma espécie de inventário do mundo para o dia do Juízo Final. Nesse dia se apresentaria a Deus, com um manto especial, como representante dos homens e das coisas existentes. O manto bordado traz o nome das pessoas conhecidas, para não se esquecer de interceder junto a Deus por elas. Bispo faz também estandartes, fardões, faixas de miss, fichários, entre outros, nos quais borda desenhos, nomes de pessoas e lugares, frases com respeito a notícias de jornal ou episódios bíblicos, reunindo-os em uma espécie de cartografia. A criação das peças, para ele, é uma tarefa imposta por vozes que dizia ouvir.
No início da década de 1980, com as questões levantadas pela arte contemporânea com a antipsiquiatria e as novas teorias sobre a loucura, os trabalhos de Bispo começam a ser valorizados e integrados ao circuito de arte. Em 1980, uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, sobre a situação da Colônia Juliano Moreira, mostra suas obras, agrupadas no quartinho em que vive. No mesmo ano, o psicanalista e fotógrafo Hugo Denizart (1946)realiza o filme O Prisioneiro da Passagem - Arthur Bispo do Rosário. Com a divulgação, veio o reconhecimento artístico das obras, que contribui para sua participação, em 1982, na mostra À Margem da Vida, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ, com trabalhos de presidiários, menores infratores, idosos e internos da Colônia. Posteriormente é realizada sua primeira exposição individual, também no MAM/RJ. O crítico de arte Frederico Morais escreve sobre seu trabalho, ligando-o à arte de vanguarda, à arte pop, ao novo realismo e especialmente à obra de Marcel Duchamp (1887 - 1968).

Em 1995, com uma vasta seleção de peças, Bispo representa o Brasil na Bienal de Veneza e obtém reconhecimento internacional. Sua obra torna-se uma das referências para as gerações de artistas brasileiros dos anos


1980 e 1990.

Eu gosto de delicadeza. Seja nos gestos, nas palavras, nas ações, no jeito de olhar, no dia-a-dia e até no que não é dito com palavras, mas fica no ar.










8 de set. de 2012

Uma música diferente para um viajante de Chico Buarque



Eu precisava de um tempo para me inteirar dos assuntos, e já na primeira noite no Rio saíra à escuta de conversas de rua sem entender do que tratavam, me detendo afinal numa casa de sucos cheia de gente jovem. Ali, por uns segundos tive a sensação de haver desembarcado em país de língua desconhecida, o que para mim era sempre uma sensação boa, era como se a vida fosse partir do zero. Logo reconheci as palavras brasileiras, mas ainda assim era quase um idioma novo que eu ouvia, não por uma ou outra gíria mais recente, corruptelas, confusões gramaticais. O que me prendia a atenção era mesmo uma nova sonoridade, havia um metabolismo na língua falada que talvez somente ouvidos desacostumados percebessem. Como uma música diferente para um viajante, depois de uma prolongada ausência, ao subitamente abrir a porta de um quarto pudesse surpreender. E dentro da loja de sucos eu fazia a mais extensa das minhas viagens, pois havia anos e anos de distância entre a minha língua, como a recordava, e aquela que agora ouvia, entre aflito e embevecido.
Fonte:  Budapeste, 2003

7 de set. de 2012

Esta que vê, severina de João Cabral de Melo Neto

—— Severino, retirante, 
deixe agora que lhe diga: 
eu não sei bem a resposta 
da pergunta que fazia, 
se não vale mais saltar 
fora da ponte e da vida 
nem conheço essa resposta, 
se quer mesmo que lhe diga 
é difícil defender, 
só com palavras, a vida, 
ainda mais quando ela é 
esta que vê, severina 
mas se responder não pude 
à pergunta que fazia, 
ela, a vida, a respondeu 
com sua presença viva. 

E não há melhor resposta 
que o espetáculo da vida: 
vê-la desfiar seu fio, 
que também se chama vida, 
ver a fábrica que ela mesma, 
teimosamente, se fabrica, 
vê-la brotar como há pouco 
em nova vida explodida 
mesmo quando é assim pequena 
a explosão, como a ocorrida 
como a de há pouco, franzina 
mesmo quando é a explosão 
de uma vida severina.
in: Morte e vida severina 




Verde e Amarelo




6 de set. de 2012

Paratodos de Chico Buarque


O meu pai era paulista

Meu avô, pernambucano

O meu bisavô, mineiro

Meu tataravô, baiano

Meu maestro soberano

Foi Antonio Brasileiro

Foi Antonio Brasileiro

Quem soprou esta toada

Que cobri de redondilhas

Pra seguir minha jornada

E com a vista enevoada

Ver o inferno e maravilhas

Nessas tortuosas trilhas

A viola me redime

Creia, ilustre cavalheiro

Contra fel, moléstia, crime

Use Dorival Caymmi

Vá de Jackson do Pandeiro

Vi cidades, vi dinheiro

Bandoleiros, vi hospícios

Moças feito passarinho

Avoando de edifícios

Fume Ari, cheire Vinícius

Beba Nelson Cavaquinho

Para um coração mesquinho

Contra a solidão agreste

Luiz Gonzaga é tiro certo

Pixinguinha é inconteste

Tome Noel, Cartola, Orestes

Caetano e João Gilberto

Viva Erasmo, Ben, Roberto

Gil e Hermeto, palmas para

Todos os instrumentistas

Salve Edu, Bituca, Nara

Gal, Bethania, Rita, Clara

Evoé, jovens à vista

O meu pai era paulista

Meu avô, pernambucano

O meu bisavô, mineiro

Meu tataravô, baiano

Vou na estrada há muitos anos

Sou um artista brasileiro


Trevo, azedinha
















Perguntas e respostas para um caderno escolar

- Qual a coisa mais antiga do mundo?
- Poderia dizer que é Deus que sempre existiu.
- Qual é a coisa mais bela?
- O instante de inspiração.
- E Deus quando criou o Universo não o fez no momento de Sua maior inspiração?
- O Universo sempre existiu. O cosmos é Deus.
- Qual das coisas é maior?
- O amor, que é o mundo dos mistérios.
- Das coisas qual é a mais constante?
- O medo. Que pena que não possa responder: é a esperança.
- Qual o melhor dos sentimentos?
- O de amar e ao mesmo tempo ser amada, o que parece apenas um lugar-comum mas é uma de minhas verdades.
- Qual é o sentimento mais rápido?
- O sentimento mais rápido, que chega a ser apenas um fulgor, é o instante em que um homem e uma mulher sentem um no outro a promessa de um grande amor.
- Qual é a mais forte das coisas?
- O instinto de ser.
- O que é mais fácil de se fazer?
- Existir, depois que passa o medo.
- Qual a coisa mais difícil de realizar?
- A própria relativa felicidade que vem do conhecimento de si mesmo.


 In: A descoberta do mundo, 1984.  p. 478-9

5 de set. de 2012

Dança Dos Meninos Composição: Marco Antônio Guimarães, Milton Nascimento


Aleijadinho


Olha bem para mim
Dentro de meu sentimento e tudo de mim
Seja meu lar, uma canção, um carinho
Uma frase de paz
Te acorda é a dança o momento
A roda que vai embalando o amor
Canta um refrão, mostra um sorriso
Canta um refrão, mostra que quer viver
E posso lembrar 
A primeira noite que te vi entoar
Uma emoção
Tanto calor em seu rosto
Como em toda visão
É o mundo, é a senha
Pra que eu te sentisse ali
Força de um leão
Venha de lá anjo suave
Sem esperar grita que quer viver 

Jequitiba-rosa, Jequitibá-de-agulheiro, jequitibá-branco, jequitibá-cedro, jequitibá-grande, jequitibá-vermelho, congolo-de-porco, estopa, pau-carga, pau-caixão, sapucaia-de-apito.








Classe: Magnoliopsida, Ordem: Ericales, Família: Lecythidaceae, Género: Cariniana, Espécie: C. legalis, Sinónimos: Cariniana brasiliensis Casar., Couratari legalis Mart. 1837
O jequitibá-rosa (Cariniana legalis (Mart.) Kuntze), árvore emergente brasileira da família Lecythidaceae, é a árvore-símbolo dos estados de São Paulo e do Espírito Santo. 
É considerada a maior árvore nativa do Brasil, porque pode atingir até 50 metros de altura e um tronco com diâmetro de até sete metros. Suas folhas membranáceas medem até 4 x 7 cm. As flores, pequenas, que surgem de dezembro a fevereiro, são de cor creme. O fruto é um pixídio lenhoso, cuja abertura espontânea, em agosto-setembro, libera as pequenas sementes de dispersão eólia. Um quilograma contém cerca de 22 mil sementes, que germinam em ambiente semi-sombreado, emergindo o broto entre 12 e 20 dias.
No Espírito Santo tem data comemorativa, o dia 21 de setembro (Lei 6.146, ES, de 08-02-2000). O Projeto Jequitibá-Rosa, da Associação Ecológica Força Verde, esteve à procura da maior árvore dessa espécie no Espírito Santo. Acabou encontrando um jequitibá-rosa gigantesco, em Alto Bérgamo, município de João Neiva. Medições comparativas indicam claramente que esta é a maior árvore da Mata Atlântica brasileira, medindo 11,85 metros de circunferência.
Existe alguma confusão a respeito do nome vulgar dessa espécie, que, dependendo da região do Brasil, pode referir-se a qualquer uma das espécies de jequitibás.
É a espécie tipo do gênero Cariniana, descrita como Cariniana brasiliensis por Casaretto, em 1842, no Rio de Janeiro. No entanto, foi descrita pela primeira vez por von Martius em 1837 como Couratari legalis. A revisão de gêneros botânicos feita por Kuntze em 1898 a renomeou como Cariniana legalis.
Originalmente encontrada no centro e sudeste do país (estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul), e também em Alagoas, Bahia, Paraíba e Pernambuco, na Mata Atlântica, tanto na pluvial quanto na latifoliada semidecidual, sempre em solos férteis. Talvez ocorra também na Colômbia e na Venezuela.
O maior e mais antigo espécime vivo do jequitibá-rosa se encontra no Parque Estadual do Vassununga, em Santa Rita do Passa Quatro, SP, e possui aproximadamente 3.032 anos de idade, estando entre os seres mais antigos do planeta, e a mais velha árvore do Brasil . Sua altura é 40 m e seu diâmetro 3 m. O Parque Estadual de Vassununga preserva grande número de jequitibás. Outro espécime importante fica no Parque Estadual dos Três Picos, RJ, e tem cerca de 1.000 anos.
Semidecídua, heliófita, aparece em dispersão irregular e descontínua: por exemplo, no Parque Estadual Vassununga aparece na forma de um grupo. Ocupa o estrato superior da floresta primária densa, na qual é maior sua ocorrência. No Parque Florestal do Rio Doce, em Minas Gerais, há exemplares tão grandes quanto ao de Santa Rita de Passa Quatro. A ameaça à espécie, que cresce em terras férteis, vem da expansão agrícola e urbana
Suas sementes são muito apreciadas por macacos. É planta medicinal, sua casca é usada em extrato fluido.A madeira, leve, é usada na construção civil apenas em obras internas, e na fabricação de móveis, pois é pouco resistente ao ataque de xilófagos.
Ornamental e de porte monumental, pode ser usada no paisagismo de parques, praças e áreas rurais. Tolera a luz, por isso pode ser usada na revegetação de áreas desmatadas. O que tem sido feito para preservá-los.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.  


4 de set. de 2012

Todo o Sentimento de Chico Buarque


Louis LeBrocquy


Preciso não dormir
Até se consumar

O tempo da gente.

Preciso conduzir

Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.


Pretendo descobrir

No último momento

Um tempo que refaz o que desfez,

Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.


Prometo te querer

Até o amor cair

Doente, doente...

Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.


Depois de te perder,

Te encontro, com certeza,

Talvez num tempo da delicadeza,

Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

3 de set. de 2012

As viagens são os viajantes de Fernando Pessoa


Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.
Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.
“Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará até ao fim do mundo.” Mas o fim do mundo, desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o princípio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens têm paisagem. Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como às outras. Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e gênero das minhas sensações?
A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.

in: O Livro do Desassossego

2 de set. de 2012

Teu sorriso - Pablo Neruda


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
............................................................


Póngame con el pan, si se quiere,
me deja sin aliento, pero no
le quita su risa.

No quita la rosa,
la lanza que arrancar,
el agua que de repente
estalla en alegría,
la repentina ola
plata nacer en ti.

Mi lucha es dura y el retorno
con los ojos cansados
a veces vemos
que la tierra no cambia,
pero cuando tu risa entra
sube al cielo buscándome
y se abre para mí todas las
las puertas de la vida.

Mi amor, en los momentos
más oscuro suelto
tu risa y de repente
ves que mi sangre mancha
las piedras de la calle,
reír, porque reír
será para mis manos
como una espada fresca.

Por el mar en otoño,
tu risa debe aumentar
su cascada de espuma,
y la primavera, el amor,
Quiero tu risa como
la flor que se esperaba,
la flor azul, la rosa
de mi país por el eco.

Ríete de la noche
el día, la luna,
Ríete de las calles
pasteles en la isla,
se ríen de esta gruesa
chico que te ama,
pero cuando abro
los ojos y cerca de ellos,
cuando mis pasos van,
cuando mis pasos regreso,
me niegan el pan, el aire,
la luz, la primavera,
pero nunca tu risa,
porque después mueren.


O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

1 de set. de 2012

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. Fernando Pessoa

    
John William Waterhouse- Penelope e os pretendentes    (1912)

Invejo-o — mas não sei se invejo — aqueles de quem se pode escrever uma biografia, ou que podem escrever a própria. Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer. 
      Que há-de alguém confessar que valha ou que sirva? O que nos sucedeu, ou sucedeu a toda a gente ou só a nós; num caso não é novidade, e no outro não é de compreender. Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida. Minha tia velha fazia paciências durante o infinito do serão. Estas confissões de sentir são paciências minhas. Não as interpreto, como quem usasse cartas para saber o destino. Não as ausculto, porque nas paciências as cartas não têm propriamente valia. Desenrolo-me como uma meada multicolor, ou faço comigo figuras de cordel, como as que se tecem nas mãos espetadas e se passam de umas crianças para as outras. Cuido só de que o polegar não falhe o laço que lhe compete. Depois viro a mão e a imagem fica diferente. E recomeço. 
      Viver é fazer meia com uma intenção dos outros. Mas, ao fazê-la, o pensamento é livre, e todos os príncipes encantados podem passear nos seus parques entre mergulho e mergulho da agulha de marfim com bico reverso. Croché das coisas... Intervalo... Nada... 
      De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo... Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter... Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a um filho vivo... Sim, croché...

fonte: http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=5348

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...