20 de dez. de 2012

A vida oblíqua é muito íntima de Clarice Lispector

Édouard Manet
A vida oblíqua é muito íntima. Não digo mais sobre essa intimidade para não ferir o pensar-sentir com palavras secas. Para deixar esse oblíquo na sua independência desenvolta. E conheço também um modo de vida que é suave orgulho, graça de movimentos, frustração leve e contínua, de uma habilidade de esquivança que vem de longo caminho antigo. Como sinal de revolta apenas uma ironia sem peso e excêntrica. Tem um lado da vida que é como no inverno tomar café em um terraço dentro da friagem e aconchegada na lã.Conheço um modo de vida que é sombra leve desfraldada ao vento e balançando leve no chão: vida que é sombra flutuante, levitação e sonhos no dia aberto: vivo a riqueza da terra.
Sim. A vida é muito oriental. Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida. É como saber arrumar flores em um jarro: uma sabedoria quase inútil. Essa liberdade fugitiva da vida não deve ser jamais esquecida: deve estar presente como um eflúvio.
In: Água viva. Nova Fronteira, 1980. p. 70.

Beija-flor por Michaela Sagatova









19 de dez. de 2012

Azul


Pão é amor entre estranhos de Clarice Lispector




Era reunião de colheita, e fez-se trégua. Comíamos. Como uma horda de seres vivos, cobríamos gradualmente a terra. Ocupados como quem lavra a existência, e planta, e colhe, e mata, e vive, e morre, e come. Comi com a honestidade de quem não engana o que come: comi aquela comida e não o seu nome. Nunca Deus foi tão tomado pelo que Ele é. A comida dizia rude, feliz, austera: come, come e reparte. Aquilo tudo me pertencia, aquela era a mesa de meu pai. Comi sem ternura, comi sem a paixão da piedade. E sem me oferecer à esperança. Comi sem saudade nenhuma. E eu bem valia aquela comida. Porque nem sempre posso ser a guarda de meu irmão, e não posso mais ser a minha guarda, ah não me quero mais. E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos. Pão é amor entre estranhos.

in: “Felicidade Clandestina”. Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998

18 de dez. de 2012

Lembranças legítimas de Maria Rita Kehl



As experiências perdidas constituem uma rede de lembranças legítimas. Pode até ser que o vivido mesmo, pão pão, queijo queijo, ocupe uma parte bem reduzida de nossas memórias. Penso que existe um acervo de saudades lotado de imagens do que se viveu só através de relatos alheios, da literatura e da imaginação. É possível ter saudades, por exemplo, da infância da sua avó, se ela te contou episódios com graça, imaginação e alguma nostalgia. Algumas cenas contadas por ela passam a te pertencer também. 
As saudades do que eu queria ter feito e não fiz se constróem de trás prá frente. É depois, só depois, que você se dá conta de que prestou atenção ao que acontecia à sua direita e não percebeu algo muito mais interessante que se passava à esquerda. Ou vice-versa. Claro, existem também as escolhas. Nesse caso penso que se eu quisesse mesmo, mesmo, fazer x em vez de y, teria feito. Essa coleção de vacilos escreve uma história. No horizonte virtual das possibilidades que foram deixadas prá traz deve haver um duplo meu, vivendo a vida que foi dos outros. 


17 de dez. de 2012

Marianne North, naturalista (Hastings, 1830 - Gloucestershire, 1890)












































Marianne North nasceu em Hastings e era a filha mais velha de Janet e Frederick North. Estudou técnicas vocais com Charlotte Helen Sainton-Dolby, mas suas habilidades não eram adequadas e ela desistiu, se dedicando então à pintura. Após a morte de sua mãe, em 1855, viajava com seu pai, que era então membro do parlamento de Hastings, e com sua morte em 1869, Marianne decidiu prosseguir a sua ambição inicial de pintar a flora de países distantes.
Começou suas viagens em 1871-1872, indo primeiro ao Canadá, Estados Unidos e Jamaica. Residiu durante um ano no Brasil, onde realizava seu trabalho em uma cabana no interior de uma floresta. Em 1875, depois de alguns meses em Tenerife, ela começou uma viagem ao redor do mundo, e por dois anos pintou a flora da Califórnia, Japão, Bornéu, Java e Ceilão. Passou o ano de 1878 na Índia.
Em seu retorno à Grã-Bretanha, exibiu uma série de desenhos em Londres e ofereceu a coleção ao Royal Botanic Gardens em Kew e também recursos para construir uma galeria para abrigá-los. A oferta foi aceita e a construção dos novos edifícios projetados por James Fergusson foram iniciados naquele ano.[1]
Por sugestão de Charles Darwin, Marianne rumou para a Oceania em 1880, e por um ano retratou imagens na Austrália e na Nova Zelândia. Suas pinturas de Banksia attenuata, B. grandis e B. robur foram prontamente consideradas.Sua galeria em Kew foi inaugurada em 1882. Em 1883, depois de uma visita à África do Sul, uma sala adicional foi aberta na galeria. Em 1884-1885 trabalhou em Seychelles e no Chile. Morreu em Gloucestershire em 30 de agosto de 1890.
fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Marianne_North

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...