15 de jan. de 2013

Orquídea Sandália de Venus", "Sapatinho", Pafiopédilo




















Não: não digas nada! de Fernando Pessos

Não: não digas nada! 
Supor o que dirá 
A tua boca velada 
É ouvi-lo já 

É ouvi-lo melhor 
Do que o dirias. 
O que és não vem à flor 
Das frases e dos dias. 

És melhor do que tu. 
Não digas nada: sê! 
Graça do corpo nu 
Que invisível se vê. 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

14 de jan. de 2013

Sonho de Adélia Prado


Eu tive um sonho esta noite que não quero esquecer,
por isso o escrevo tal qual se deu:
era que me arrumava pra uma festa onde eu ia falar.
O meu cabelo limpo refletia vermelhos,
o meu vestido era num tom de azul, cheio de panos, lindo,
o meu corpo era jovem, as minhas pernas gostavam
do contato da seda. Falava-se, ria-se, preparava-se.
Todo movimento era de espera e aguardos, sendo
que depois de vestida, vesti por cima um casaco
e colhi do próprio sonho, pois de parte alguma
eu a vira brotar, uma sempre viva amarela,
que me encantou por seu miolo azul, um azul
de céu limpo sem as reverberações, de um azul
sem o "z", que o "z" nesta palavra tisna.
Não digo azul, digo bleu, a ideia exata
de sua maciez. Pus a flor no casaco
que só para isto existiu, assim como o sonho inteiro.
Eu sonhei uma cor.
Agora, sei.

13 de jan. de 2013

Neves Torres, pintor naif











Neves Torres - 1932, Conselheiro Pena – MG
Viveu a sua infância em pequenas cidades do interior de Minas: Conselheiro Pena, Mantena, morando também na zona rural.
Em 1949, mudou-se para Mutum – MG. Trabalhou como mecânico, motorista, tratorista até comprar um pequeno sítio. Nesse sítio como lavrador, plantava café e cultura de subsistência. Lembranças dessa fase da sua vida, estão hoje retratadas em sua obra.
Em 1963 ficou viúvo e deixou o sítio, voltando a morar com os filhos em Mutum, onde voltou a trabalhar como tratorista.
Trabalhou vários anos em fazendas da região até decidir mudar para Vitória- ES. Morando em Vitória, trabalhou com serralheria por um período e depois, voltou ao ofício de tratorista. Nessa profissão, ficou até se aposentar.
Depois de se aposentar, procurou uma atividade nova para se distrair. Num grupo de amigos, algumas pessoas faziam pintura em tecido. Resolveu experimentar e pintou alguns panos de prato.
Um dia comentou com seu filho que tinha vontade de pintar tela. Seu filho se propôs a ensiná-lo, e depois de pintar dois quadros com seu filho, começou a pintar sozinho, em 2007. E desde o início mostrou uma maneira muito pessoal de pintar.
Em 2008, enviou seus trabalhos para a Bienal Naif de Piracicaba e na sua primeira participação foi um dos artistas selecionados, tendo seu trabalho no catálogo da Bienal.
Dois anos mais tarde, 2010, participou novamente da Bienal Naif e desta vez recebeu o prêmio de aquisição.

12 de jan. de 2013

Dormindo sempre juntos de Fabricio Carpinejar


Quando sua companhia se levanta, rola para cheirar o travesseiro dela?

Você é apaixonado por dividir, desculpe informar. É constrangedor confessar a dependência, mas não resta alternativa. Nunca será mais sozinho. É uma simbiose amorosa por dentro das lembranças, dos hábitos, que surge no modo de repartir uma tangerina e pôr açúcar no café. Uma necessidade de primeiro servir para depois saciar as próprias ansiedades.

Entregou os pontos ao abandonar seu horário para dormir. Renunciou ao livre-arbítrio no momento de atender ao chamado sedutor de sua esposa.

– É tarde, te espero?

Aquela desistência foi fatal. Pode ter classificado o gesto como uma exceção, só que gostou de verdade, gostou imensamente de adormecer com sua mulher. Ambos apagando o abajur em igual instante, depois de ler, de rir, de brincar. Sincronizaram o relógio dos batimentos cardíacos e nunca houve mais atraso de beijo.

Amor eterno é quando um não consegue mais dormir sem o outro. Simples assim. Deseja descansar, e convoca sua mulher na sala.

– Vem, tá na hora!

E ela, que estava envolvida com um filme ou um programa de tevê, nem reclama, nem diz mais um minutinho, ajeita os ombros no cobertor do seu abraço e segue junto.

Lado a lado no espelho do banheiro, escovam os dentes, ajeitam o rosto, colocam roupas folgadas. Reina uma sincronia dos movimentos, uma disciplina na admiração. Alguns até confundem com tédio, porém é intimidade: não precisar falar para se entender. Se silêncio com ódio é submissão, silêncio com ternura é concordância.

Escoteiros do casamento, entram no mar branco dos lençóis cada um do seu lado: ela pela margem esquerda, ele pela margem direita. E centram os corpos para fazer conchinhas encostando as cabeças. Um casal apaixonado ocupa menos do que uma cama de solteiro: terminam agarrados, sobrepostos.

Você se dá conta de que não deita mais sozinho há décadas. É uma compulsão olfativa. Está no escritório trabalhando de madrugada, e ela abre a porta para convidá-lo:

– Vem, tá na hora!

E não estranha a ordem, obedece, sequer medita sobre o motivo da adesão. Vai, sem preguiça alguma, sem aviso de bocejo, ainda que não esteja com vontade, ainda que tenha uma porção de tarefas e problemas a resolver. Larga as urgências pela metade e se prontifica a acompanhá-la.

Casal quando se ama dorme na mesma hora. E não suportará morrer longe. O sonho é também morrer na mesma hora. Com as respirações próximas.

11 de jan. de 2013

Tempo de Livia Garcia Roza

Gary Bunt 
O tempo é o meu passar.

Mel Kadel




































Todavía de Mario Benedetti


Não o creio ainda

Estás chegando a meu lado

E a noite é um punhado

De estrelas e de alegria


Sinto o gosto escuto e vejo

Teu rosto teu passo longo

Tuas mãos e todavia

Ainda não o creio


Teu regresso tem tanto

Que ver contigo e comigo

Que por cabala o digo

E pelas dúvidas o canto


Ninguém nunca te substitui

E as coisas mais triviais

Se voltam fundamentais

Por que estás chegando a casa


Todavia ainda

Duvido desta boa sorte

Porque o céu de ter-te

Me parece fantasia


Porém vindes e é seguro

E vindes com teu olhar

E por isso tua chegada

Faz mágico o futuro


E embora não sempre tenha entendido

Minhas culpas e meus fracassos

Em compensação sei que em teus braços

O mundo tem sentido


E se beijo a ousadia

E o mistério de teus lábios

Não haverá dúvidas nem ressaibos

Te quererei mais

Ainda.


(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)

...............................
No lo creo todavía

estás llegando a mi lado

y la noche es un puñado

de estrellas y de alegría 


palpo gusto escucho y veo

tu rostro tu paso largo

tus manos y sin embargo

todavía no lo creo 


tu regreso tiene tanto

que ver contigo y conmigo

que por cábala lo digo

y por las dudas lo canto 


nadie nunca te reemplaza

y las cosas más triviales

se vuelven fundamentales

porque estás llegando a casa 


sin embargo todavía

dudo de esta buena suerte

porque el cielo de tenerte

me parece fantasía 


pero venís y es seguro

y venís con tu mirada

y por eso tu llegada

hace mágico el futuro 


y aunque no siempre he entendido

mis culpas y mis fracasos

en cambio sé que en tus brazos

el mundo tiene sentido 


y si beso la osadía

y el misterio de tus labios

no habrá dudas ni resabios

te querré más

todavía. 







Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...