12 de jun. de 2013

Sete anos de pastor de Luís Vaz de Camões


Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel serrana bela,
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que a ela só por prêmio pretendia.

Os dias na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la:
Porém o pai usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Assim lhe era negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começou a servir outros sete anos,
Dizendo: Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida.

11 de jun. de 2013

A LUA FOI AO CINEMA de Paulo Leminski (1944-1989)


                                                                                                                  Winslow Homer 
A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava para ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!


9 de jun. de 2013

Julia Margaret Cameron (1815-1879) - Fotografia











As rosas de Sophia de Mello Breyner Andresen



Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.

in Dia do Mar, 1947


Sabe, se quer que lhe diga, do que eu me lembro bem, e para mim o que é importante, é os sítios onde escrevi, as situações em que escrevi. Há um poema que diz: «Quando à noite desfolho e trinco as rosas». Isto é absolutamente verdade: eu ia para o jardim da minha avó colher rosas, a minha avó já tinha morrido e era um jardim semi-abandonado, colhia camélias no Inverno e rosas na Primavera. Trazia imensas rosas para casa, havia sempre uma grande jarra cheia delas em frente da janela, no meu quarto. E depois eu desfolhava e comia as rosas, mastigava-as... No fundo era a tentativa de captar qualquer coisa a que só posso chamar a alegria do universo, qualquer coisa que florescesas na Primavera. Trazia imensas rosas para casa, havia sempre uma grande jarra cheia delas em frente da janela, no meu quarto. E depois eu desfolhava e comia as rosas, mastigava-as... No fundo era a tentativa de captar qualquer coisa a que só posso chamar a alegria do universo, qualquer coisa que floresce.

8 de jun. de 2013

Secreta Mirada de Lya Luft


 O amor nos tira o sono, nos tira do sério, tira o tapete debaixo dos nossos pés, faz com que nos defrontemos com medos e fraquezas aparentemente superados, mas também com insuspeitada audácia e generosidade. E como habitualmente tem um fim - que é dor - complica a vida. Por outro lado, é um maravilhoso ladrão da nossa arrogância. Quem nos quiser amar agora terá de vir com calma, terá de vir com jeito. Somos um território mais difícil de invadir, porque levantamos muros, inseguros de nossas forças disfarçamos a fragilidade com altas torres e ares imponentes. A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranqüilidade, querer com mais doçura. Às vezes é preciso recolher-se.

fonte: Lya Luft. Secreta Mirada. Record, 2005.

7 de jun. de 2013

Recordação de Antonio Prata

"Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado", ele disse, me olhando pelo retrovisor. Fiquei sem reação: tinha pegado o táxi na Nove de Julho, o trânsito estava ruim, levamos meia hora para percorrer a Faria Lima e chegar à rua dos Pinheiros, tudo no mais asséptico silêncio, aí, então, ele me encara pelo espelhinho e, como se fosse a continuação de uma longa conversa, solta essa: "Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado".
Meu espanto, contudo, não durou muito, pois ele logo emendou: "Nunca vou esquecer: 1º de junho de 1988. A gente se conheceu num barzinho, lá em Santos, e dali pra frente nunca ficou um dia sem se falar! Até que cinco anos atrás... Fazer o que, né? Se Deus quis assim...".
Houve um breve silêncio, enquanto ultrapassávamos um caminhão de lixo e consegui encaixar um "Sinto muito". "Obrigado. No começo foi complicado, agora tô me acostumando. Mas sabe que que é mais difícil? Não ter foto dela." "Cê não tem nenhuma?" "Não, tenho foto, sim, eu até fiz um álbum, mas não tem foto dela fazendo as coisas dela, entendeu? Que nem: tem ela no casamento da nossa mais velha, toda arrumada. Mas ela não era daquele jeito, com penteado, com vestido. Sabe o jeito que eu mais lembro dela? De avental. Só que toda vez que tinha almoço lá em casa, festa e alguém aparecia com uma câmera na cozinha, ela tirava correndo o avental, ia arrumar o cabelo, até ficar de um jeito que não era ela. Tenho pensado muito nisso aí, das fotos, falo com os passageiros e tal e descobri que é assim, é do ser humano, mesmo. A pessoa, olha só, a pessoa trabalha todo dia numa firma, vamos dizer, todo dia ela vai lá e nunca tira uma foto da portaria, do bebedor, do banheiro, desses lugares que ela fica o tempo inteiro. Aí, num fim de semana ela vai pra uma praia qualquer, leva a câmera, o celular e tchuf, tchuf, tchuf. Não faz sentido, pra que que a pessoa quer gravar as coisas que não são da vida dela e as coisas que são, não? Tá acompanhando? Não tenho uma foto da minha esposa no sofá, assistindo novela, mas tem uma dela no jet ski do meu cunhado, lá na Guarapiranga. Entro aqui na Joaquim?" "Isso."
"Ano passado me deu uma agonia, uma saudade, peguei o álbum, só tinha aqueles retratos de casório, de viagem, do jet ski, sabe o que eu fiz? Fui pra Santos. Sei lá, quis voltar naquele bar." "E aí?!" "Aí que o bar tinha fechado em 94, mas o proprietário, um senhor de idade, ainda morava no imóvel. Eu expliquei a minha história, ele falou: Entra'. Foi lá num armário, trouxe uma caixa de sapatos e disse: É tudo foto do bar, pode escolher uma, leva de recordação'."
Paramos num farol. Ele tirou a carteira do bolso, pegou a foto e me deu: umas 50 pessoas pelas mesas, mais umas tantas no balcão. "Olha a data aí no cantinho, embaixo." "1º de junho de 1988?" "Pois é. Quando eu peguei essa foto e vi a data, nem acreditei, corri o olho pelas mesas, vendo se achava nós aí no meio, mas não. Todo dia eu olho essa foto e fico danado, pensando: será que a gente ainda vai chegar ou será que a gente já foi embora? Vou morrer com essa dúvida. De qualquer forma, taí o testemunho: foi nesse lugar, nesse dia, tá fazendo 25 anos, hoje. Ali do lado da banca, tá bom pra você?"

Ignorâncias de Manoel de Barros

                                                                                           karen fields

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.


6 de jun. de 2013

Vaidade de Florbela Espanca

imagem: Florbela Espanca

Sonho que sou a Poetisa eleita, 
Aquela que diz tudo e tudo sabe, 
Que tem a inspiração pura e perfeita, 
Que reúne num verso a imensidade! 
Sonho que um verso meu tem claridade 
Para encher o mundo! E que deleita 
Mesmo aqueles que morrem de saudade! 
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! 
Sonho que sou Alguém cá neste mundo... 
Aquela de saber vasto e profundo, 
Aos pés de quem a Terra anda curvada! 
E quando mais no céu eu vou sonhando, 
E quando mais no alto ando voando, 
Acordo do meu sonho... E não sou nada!...

5 de jun. de 2013

Marinheiro de Vicente Huidobro (1893-1948)

Chagall
Aquele pássaro que voa pela primeira vez
afasta-se do ninho olhando para trás
Com o dedo nos lábios
vos chamei
Inventei jogos de água
no cimo das árvores
Fiz de ti a mais bela das mulheres
tão bela que te avermelhavas na tarde
A lua afasta-se de nós
e lança uma coroa sobre o pólo
Fiz correr rios
que nunca haviam existido
Com um grito ergui uma montanha
e em torno dançamos uma nova dança
Cortei todas as rosas
das nuvens do Leste
E ensinei a cantar um pássaro de neve
Marchemos sobre os meses desatados
Sou o velho marinheiro
que cose os horizontes cortados.


4 de jun. de 2013

Filosofia - Pablo Neruda

Vermeer- O astronomo (1668) 

Fica provada a certeza
da árvore verde na primavera
e do córtex terrestre
- alimentam-nos os planetas
apesar das erupções
e o mar nos oferece peixes
apesar de seus maremotos -
somos escravos da terra
que também é dona do ar.

Passeando por uma laranja
eu passei mais de uma vida
repetindo o globo terrestre
- a geografia e a ambrosia -
os jogos cor de jacinto
e um cheiro branco de mulher
como as flores da farinha.

Nada se consegue voando
para se escapar deste globo
que te aprisionou ao nascer.
E há que confessar esperando
que o amor e o entendimento
vêm de baixo, se levantam
e crescem dentro de nós
como cebolas , azinheiras,
como tartarugas ou flores,
como países, como raças,
como caminhos e destinos.

Neruda, Pablo. O coração amarelo/Neftali Ricardo Reyes; tradução Olga Savary - Porto Alegre: L&PM, 2010.

3 de jun. de 2013

Turmalina












A turmalina apresenta uma grande variedade de cores. Geralmente as ricas em ferro vão desde o preto ou preto-azulado ao castanho escuro; aquelas ricas em magnésio são castanhas a amarelas e as turmalinas ricas em lítio apresentam-se praticamente em todas as cores do arco-íris, azul, verde, vermelho, amarelo ou cor-de-rosa etc. Muito raramente são incolores. Os cristais bicoloridos e multicoloridos são relativamente comuns, refletindo variações da composição do fluido durante a cristalização. Os cristais podem ser verdes numa extremidade e cor-de-rosa na outra ou verdes no exterior com interior cor-de-rosa (este último tipo é por vezes chamado turmalina melancia).


2 de jun. de 2013

Irei eu se ele for de Catarina Nunes de Almeida

Museo Nazionale Tarquinese, Tarquinia, Italy - 300  a. C.
Irei eu se ele for
na cavalgada.

Irei eu a galope em meus pés
veloz por entre as avezinhas
do fundo das águas-furtadas
em águas de lábios furtadas
veloz e espessa como a torrente
de um parto.

Irei eu em todas as minhas mãos
pégasos e ventanias
o corpo preso por um frio gentil
o corpo a tilintar de sonhos.

Serei eu o que ele for
na cavalgada.

Irei eu sem música sem mesa posta
dar-lhe prato verde
onde caibamos os dois dar-lhe
este emudecimento este abatimento cardíaco
da floresta.

Almeida, Catarina Nunes de, Bailias, Porto: Deriva Editores, 2010

1 de jun. de 2013

Espera de Sophia de Mello Breyner Andresen


Vieira da Silva 

Deito-me tarde 
Espero por uma espécie de silêncio 
Que nunca chega cedo 
Espero a atenção a concentração da hora tardia 
Ardente e nua 
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho 
É então que se vê o desenho do vazio 
É então que se vê subitamente 
A nossa própria mão poisada sobre a mesa 
É então que se vê o passar do silêncio 
Navegação antiquíssima e solene 

Geografia (1967)

31 de mai. de 2013

ESPELHO DE DUAS FACES de ANTÓNIO GEDEÃO


Ajuda-me a esquecer as tuas faltas
e a ignorar os teus crimes
para melhor te amar.
Dá-me a febre em que te exaltas
e o que nos olhos exprimes
quando não sabes falar.

Espelho de duas faces, plana e curva:
és, e não és.
Imagem dupla, ora límpida, ora turva,
numa te afirmas, noutra te negas, em ambas te crês.

Queria sentir-te em outros sentidos.
Queria ver-te sem olhos e ouvir-te sem ouvidos.
E queria as tuas mãos numa aldeia fraterna.
Essas mãos que ainda ontem, de manhã, aturdidas,
com duas varas secas e folhas ressequidas
arrepiaram de luz as sombras da caverna. 

in "POESIA COMPLETA" (Ed. João Sá da Costa, 1996)

30 de mai. de 2013

John Tenniel (1820 - 1914) - ilustrações de Alice no País das Maravilhas







Lição de gramática de Berta Piñan

Como se diz em ouolof a palavra fronteira, a palavra
pátria? E em soniké, como designareis o desamparo?
Se quiserdes dizer em berbere, por exemplo, "eu tive uma casa
num arrabalde de Rabat", poreis a frase nesta ordem? Como
se conjugam em bambara os verbos que conduzem ao norte,
que adjectivos se devem acrescentar à palavra mar, à palavra morte?
Se tiverdes de partir, a palavra adeus será um substantivo?
Como se pronuncia em diakhanké a palavra exílio? Há que
juntar os lábios? Doem? Que pronomes usais para aquele que espera
na praia, para o que regressa sem nada? Quando apontais para além, no sentido
de casa, que advérbio escolheis? Como se diz na vossa, na nossa língua
a palavra futuro?

29 de mai. de 2013

Tarapada Ray


O irmão do meu bisavô tinha um passatempo peculiar -

Costumava coleccionar penas

de diferentes pássaros

de diferentes cores, de diferentes sítios.

O seu quarto, o corredor, a escada

Estavam cheios de milhares de penas coloridas e descoloridas.


No dia da sua morte

Um pouco antes do sol nascer, de madrugada,

O irmão do meu bisavô

subiu ao telhado da sua casa

E lançou as penas para o ar da manhã.

As penas flutuaram nos raios dourados

do sol nascente.

Algumas cairam por perto.

Outras foram para longe.

Outras ainda voaram até à eternidade, pelo céu.


Não, não é possível escrever uma história

sobre este assunto

Mas algumas dessas penas continuam a voar

pelo céu.



(Versã a partir da tradução inglesa do autor reproduzida em This same sky, selecção de Naomi Shihab Nye, Aladdin Paperbaks, Nova Iorque, 1996, p.56).

27 de mai. de 2013

Joaninhas




A joaninha é símbolo de amizade por equilibrar os jardins e, assim, trabalhar em harmonia com a natureza. Ladybug em inglês, Coccinelle em francês, Marienkäfer em alemão, Mariquita em espanhol.
Em inglês a joaninha é chamada de Ladybug, Ladybird ou Ladybeetle. Dizem que o nome tem origem na Idade Média, quando pulgões e outras pragas atacaram as plantações, e os agricultores rezaram para a Virgem Maria, pedindo por ajuda. Joaninhas surgiram, destruíram as pragas e as plantações foram salvas. O povo passou a chamar as joaninhas de "Besouros de Nossa Senhora" (beetles of Our Lady).
Na cultura chinesa, as joaninhas representam sorte. A lenda diz que se uma joaninha pousar em uma pessoa, o amor verdadeiro irá aparecer em seu caminho. O número de pintas desta joaninha indica quantos meses irá levar para que esta pessoa encontre este amor.

26 de mai. de 2013

Irene no Céu de Manuel Bandeira



Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...