10 de set. de 2013

À flor da pele :: Livia Garcia Roza


Filho é flor que dá à flor da pele.

Tu de Vladimir Maiakoviski




Entraste.

A sério, olhaste

a estatura,

o bramido

e simplesmente adivinhaste:

uma criança.

Tomaste,

arrancaste-me o coração

simplesmente foste com ele jogar

como uma menina com sua bola.

E todas,

como se vissem um milagre,

senhoras e senhoritas exlamaram:

- A esse amá-lo?

Se se atira em cima,

derruba a gente!

Ela, com certeza, é domadora!

Por certo, saiu duma jaula!

E eu de júbilo

esqueci o jugo.

Louco de alegria

saltava

como em casamento de índio,

tão leve,

tão bem me sentia.

9 de set. de 2013

Vento de Clara Coelho de Carvalho

Louise Richardson

Eu pensava que nunca mais ia amar ninguém, depois de ter o coração partido aos 19.

Mas o Tempo vem e traz a Vida com ele. E a Vida carrega o Amor na ponta da saia


fonte: http://poetetre.wordpress.com/2012/10/03/vento/
.

Turquesa













Turquesa é o nome de uma cor terciária, intermediária entre o ciano e o verde. Tem esse nome em função do mineral homônimo, por sua vez, derivado da palavra francesa turquoise, que significa "oriundo da Turquia"

8 de set. de 2013

Meu alimento de Livia Garcia Roza


O sonho é o meu alimento, e nada me faltará.

Jorge de Lima (União dos Palmares, 23 de abril de 1893 — Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1953)






E o sino da Igrejinha com voz fina de menina

tem dlins-dlins

para o batismo dos pimpolhos.


Para os mortos: devagar – DLIM-DLIM...

é como um choro de menino, compassado

sem

fim.


Dlin-dlins para as manhãs loucas de luz,

para as tardinhas que são como velhinhas

passo tardo, xale preto, corcundinhas...


As andorinhas conhecem esses dlins-dlins

e vêm

ouvi-los no verão.

As ave-marias vêm

ouvi-los ao sol-pôr...

E a estrela Vésper

atrás da torre,

e entre a neblina

ouve quieta: dlim, dlim, dlim...


E há dlins-dlins de esperança,

de venturas de saudades e de fé...


Todo o pulsar da vila:

virgens que morrem, virgens que casam...

Viático...

Novenas...

Comunhões...

E nas missas domingueiras

que alegria, que repiques argentinos

aos namoros das mocinhas...

Casamentos...

Batizados...

Agonias...

Meu deus! Dlins-dlins para os que morrem...

Dlim-dlim

Jorge Mateus de Lima (União dos Palmares, 23 de abril de 1893 — Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1953) foi político, médico, poeta, romancista, biógrafo, ensaísta, tradutor e pintor brasileiro. Inicialmente autor de belíssimos alexandrinos, posteriormente transformou-se em um modernista.

7 de set. de 2013

Sabiá (Chico Buarque - Tom Jobim)







Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De um palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor Talvez possa espantar
As noites que eu não queira
E anunciar o dia

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar

4 de set. de 2013

Rosa infinitamente rosa








MAMOGRAFIA DE MÁRMORE :: Inês Lourenço

John William Waterhouse

Deliciam-me as palavras
dos relatórios médicos, os nomes cheios
de saber oculto e míticos lugares
como a região sacro-lombar ou o tendão de Aquiles.

Numa mamografia de rastreio,
a incidência crânio-caudal seria
um bom título para uma tese teológica.

Alguns poetas falam disso. Pneumotórax
de Manuel Bandeira ou Electrocardiograma
de Nemésio, para não referir os vermelhos de hemoptise
de Pessanha ou as engomadeiras tísicas
de Cesário.

Mas nenhum(a) falou (ou fala)
de mamografia de rastreio. Versos dignos
só os de mamilo róseo desde o tempo
de Safo ou de Penélope. E, de Afrodite
enquanto deusa, só restaram óleos e
mamografias de mármore.

In: Poesia Ilimitada 

3 de set. de 2013

Advertência:: Jenny Joseph

Quando eu for uma mulher velha, usarei roxo
Com um chapéu que não combina e não fica bem em mim.
E eu gastarei a minha pensão com brandy e luvas de verão
E sandálias de cetim e dizer que não temos dinheiro para manteiga.
Eu me sentarei na calçada quando estiver cansada,
E engolirei amostras grátis nas lojas e farei soar alarmes
E passarei minha bengala pelas grades das vias públicas
E compensarei pela sobriedade da minha juventude.
Sairei de chinelos na chuva
E colherei flores nos jardins alheios
E aprenderei a cuspir.

Você pode usar camisas horríveis e engordar
E comer três libras de salsichas de uma só vez
Ou apenas pão e picles por uma semana
E acumular canetas e lápis e porta-copos de cerveja e coisas em caixas.

Mas agora devemos ter roupas que nos mantenham secos
E pagar nosso aluguel e não praguejar nas ruas
E dar um bom exemplo às crianças.
Devemos ter amigos e ler os jornais.

Mas talvez eu devesse praticar um pouquinho agora?
Então as pessoas que me conhecem não ficarão tão chocadas e surpresas
Quando, de repente, eu for velha e começar a usar roxo.
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Warning

When I am an old woman I shall wear purple
With a red hat which doesn't go, and doesn't suit me.
And I shall spend my pension on brandy and summer gloves
And satin sandals, and say we've no money for butter.
I shall sit down on the pavement when I'm tired
And gobble up samples in shops and press alarm bells
And run my stick along the public railings
And make up for the sobriety of my youth.
I shall go out in my slippers in the rain
And pick flowers in other people's gardens
And learn to spit.

You can wear terrible shirts and grow more fat
And eat three pounds of sausages at a go
Or only bread and pickle for a week
And hoard pens and pencils and beermats and things in boxes.

But now we must have clothes that keep us dry
And pay our rent and not swear in the street
And set a good example for the children.
We must have friends to dinner and read the papers.

But maybe I ought to practice a little now?
So people who know me are not too shocked and surprised
When suddenly I am old, and start to wear purple. 

Se alguém :: Fernando Pessoa

Max Ernst

Se alguém bater um dia à tua porta,
Dizendo que é um emissário meu,
Não acredites, nem que seja eu;
Que o meu vaidoso orgulho não comporta
Bater sequer à porta irreal do céu.

Mas se, naturalmente, e sem ouvir
Alguém bater, fores a porta abrir
E encontrares alguém como que à espera
De ousar bater, medita um pouco. Esse era
Meu emissário e eu e o que comporta
O meu orgulho do que desespera.
Abre a quem não bater à tua porta!

Fernando Pessoa - 5/9/1934

2 de set. de 2013

Minha vida é monótona :: Saint-Exupêry


Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens também. E isso me incomoda um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca, como se fosse música. 

in: O PEQUENO PRINCIPE. Agir, 2006.

Clare Caulfield
















Allegro de Tomas Tranströmer


http://independent.academia.edu/LucianoDutra/Papers/1934414/Tomas_Transtromer_Samlade_dikter_-_amostra_de_traducao_do_

1 de set. de 2013

Canto de Ofício :: Mariana Ianelli

Degas 
A cada dia, por ser hoje,
Eu te agradeço.
Por esse quarto à meia luz
E outros mundos,
Por esse gosto de amêndoa
E outros prazeres.

Quem quer que sejas tu
E onde estiveres,
Sob qualquer face
Que me apareças,
Assim é.

Pela incerteza essencial
Sobre mim mesma,
E estas palavras
Desde há pouco sem proveito,
Entranha, mistério, vereda
- Eu agradeço.

A cada noite inaugural
E derradeira,
Que me sustém
Não menos que o suficiente,
Bendito o fruto, o sal, o chão
E este silêncio.

Fundo de ravina o meu lugar,
Se já não creio.
Alto de um monte, se resisto.
E descrendo, resistindo,
Eu agradeço.

Que me possua o antro
Dos meus edifícios,
Como a pedra ordinária
É possuída
Por sóis e luas
Em seu tempo de maré.

Que eu me refaça
De quanto tenha desistido
Como a dizimação de um povo
No testemunho dos vivos.

E que eu envelheça
Par a par com esta casa,
Debaixo do musgo e da poeira,
O corpo palpitando ainda,
Mas num insensível batimento.

Por tudo o que se eleva
Numa onda
Logo se quebrando
Junto à espuma,
Pelo que no adeus se perpetua,
Sim, louvado seja.

Embora muito fique por saber
Das letras e dos números,
E tanto por dizer
Sobre o mal e a loucura,
Embora o rosto penso,
O grito, os pés inúteis.

Quão breve o momento
E quão vasto seu milagre.
Os favores da pele,
O céu de um poema,
A benção do pão e da água.

A benção, apesar
Do irremediável olho cego,
Das almas perseguidas
E do aborto solitário.

Porque aqui se chega,
A este dia e a esta luz
E é tão raro aceitá-lo.
Porque daqui se vai.

O adágio,
A flor do ourives,
O vermelho da China,
Um giro de bailarina,
Graças a ti, todas as artes.

Por esse vinho
E seus quinze outonos.
Pelo descanso da terra.
Por essa terra.

31 de ago. de 2013

Ficas tão rico de antigamente de Cecília Meireles



(...) Ficas tão rico de antigamente, tão vencido por um amor de cancioneiro, por uma ternura conventual, dolorosa – e ao mesmo tempo desejas sorrir, dançar, não pensar nada, ficar por essas praças, por esses jardins que são a imagem da vida e por onde andam crianças como pequenas flores soltas, com laços no cabelo, como felizes borboletas aprisionadas. Ficas extasiado.

fonte: Crônicas de viagem. Nova Fronteira, 1999.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...