Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
11 de ago. de 2014
EM CELEBRAÇÃO AO MEU ÚTERO :: ANNE SEXTON (1928-974)
Sandro Botticelli
Todos em mim são um pássaro.
Bato todas as minhas asas.
Queriam extirpar você
mas não vão.
Disseram que você estava infinitamente vazio
mas não está.
Disseram que você estava doente e morrendo
mas estavam enganados.
Você canta feito uma menininha.
Você não está rasgado.
Doce fardo,
em celebração à mulher que sou
e à alma da mulher que sou,
e à criatura central e seu deleite
eu canto para você. Ouso viver.
Olá, espírito. Olá, taça.
Firme, invólucro. Invólucro que contém.
Olá, solo dos campos.
Bem-vindas, raízes.
Cada célula tem uma vida.
Há bastante aqui para satisfazer uma nação.
É suficiente que o populacho possua coisas assim.
Qualquer pessoa, qualquer comunidade diria,
"O bom esse ano é que podemos plantar de novo
e pensar adiante na colheita.
A ferrugem foi prevista e extirpada".
Muitas mulheres estão cantando isso juntas:
uma está numa fábrica de sapatos, praguejando contra a máquina,
uma está no aquário, cuidando de uma foca,
uma está inerte ao volante de seu Ford,
uma está num guichê de pedágio, arrecadando,
uma está amarrando o laço num novilho no Arizona,
uma está montada sobre um violoncelo na Rússia,
uma está mexendo as panelas no fogo no Egito,
uma está pintando da cor da lua as paredes do quarto,
uma está morrendo mas se lembra do café da manhã,
uma está se alongando no tatame na Tailândia,
uma está limpando a bunda do filho,
uma está olhando pela janela do trem
no meio de Wyoming e uma está
em qualquer lugar e outras estão em todo lugar e todas
parecem estar cantando, embora muitas não saibam
cantar uma nota sequer.
Doce fardo,
em celebração à mulher que sou,
que eu arraste um cachecol de três metros,
que eu rufe os tambores pelas meninas de dezenove anos,
que eu carregue tigelas para a oferenda
(se é esse meu papel).
Que eu estude o tecido cardiovascular,
que eu examine a distância angular dos meteoros,
que eu sugue o talo das flores
(se é esse meu papel).
Que eu faça certas figuras tribais
(se é esse meu papel).
Para essa coisa é que o corpo precisa
que eu cante
pelo jantar
pelos beijos,
pelo correto
sim.
.........
Tudo em mim é um pássaro.
Adejo com todas as minhas asas.
Queriam extirpar-te
mas não o farão.
Diziam que estavas incomensuravelmente vazio
mas não estás.
Diziam que estavas doente prestes a morrer
mas estavam errados.
Cantas como uma colegial
Tu não estás desfeito.
Doce peso,
em celebração da mulher que sou
e da alma da mulher que sou
e da criatura central e do seu prazer
canto para ti. Atrevo-me a viver.
Olá, espírito. Olá, taça.
Fixar, cobrir. Cobre o que contém.
Olá, terra dos campos.
Bem-vindas, raízes.
Cada célula tem uma vida.
Há aqui bastantes para satisfazer uma nação.
Chega que a populaça possua estes bens.
Qualquer pessoa, qualquer grupo diria:
Está tudo tão bem este ano que podemos plantar de novo
e pensar noutra colheita.
Uma praga tinha sido prevista e foi eliminada.
Por isso muitas mulheres cantam em uníssono:
uma numa fábrica de sapatos amaldiçoando a máquina,
uma no aquário cuidando da foca,
uma aborrecida ao volante do seu FORD,
uma cobradora na portagem,
uma no Arizona enlaçando um bezerro,
uma na Rússia com uma perna de cada lado do violoncelo,
uma trocando panelas num fogão no Egipto,
uma pintando da cor da lua as paredes do quarto,
uma no seu leito de morte mas recordando um pequeno almoço,
uma na Tailândia deitada na esteira,
uma limpando o rabo ao seu bebé,
uma olhando pela janela do comboio,
no meio do Wyomming e uma está
em qualquer lado e algumas estão em todo o lado e todas
parecem estar cantando, embora haja quem
não possa cantar uma nota sequer.
Doce peso
em celebração da mulher que sou
deixa-me levar uma echarpe de três metros,
deixa-me tocar o tambor pelas que têm dezanove anos,
deixa-me levar taças para oferecer
(se é isso o que me toca).
deixa-me estudar o tecido cardiovascular,
deixa-me calcular a distância angular dos meteoros,
deixa-me chupar o pecíolo das flores
(se é isso o que me toca).
Deixa-me imitar certas figuras tribais
(se é isso o que me toca).
Pois o corpo precisa disso,
que me deixes cantar
para a ceia,
para o beijo,
para a correcta
afirmação.
Tradução de Jorge Sousa Braga
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IN CELEBRATION OF MY UTERUS
Everyone in me is a bird.
I am beating all my wings.
They wanted to cut you out
but they will not.
They said you were immeasurably empty
but you are not.
They said you were sick unto dying
but they were wrong.
You are singing like a school girl.
You are not torn.
Sweet weight,
in celebration of the woman I am
and of the soul of the woman I am
and of the central creature and its delight
I sing for you. I dare to live.
Hello, spirit. Hello, cup.
Fasten, cover. Cover that does contain.
Hello to the soil of the fields.
Welcome, roots.
Each cell has a life.
There is enough here to please a nation.
It is enough that the populace own these goods.
Any person, any commonwealth would say of it,
“It is good this year that we may plant again
and think forward to a harvest.
A blight had been forecast and has been cast out.”
Many women are singing together of this:
one is in a shoe factory cursing the machine,
one is at the aquarium tending a seal,
one is dull at the wheel of her Ford,
one is at the toll gate collecting,
one is tying the cord of a calf in Arizona,
one is straddling a cello in Russia,
one is shifting pots on the stove in Egypt,
one is painting her bedroom walls moon color,
one is dying but remembering a breakfast,
one is stretching on her mat in Thailand,
one is wiping the ass of her child,
one is staring out the window of a train
in the middle of Wyoming and one is
anywhere and some are everywhere and all
seem to be singing, although some can not
sing a note.
Sweet weight,
in celebration of the woman I am
let me carry a ten-foot scarf,
let me drum for the nineteen-year-olds,
let me carry bowls for the offering
(if that is my part).
Let me study the cardiovascular tissue,
let me examine the angular distance of meteors,
let me suck on the stems of flowers
(if that is my part).
Let me make certain tribal figures
(if that is my part).
For this thing the body needs
let me sing
for the supper,
for the kissing,
for the correct
yes.
10 de ago. de 2014
Diego não conhecia o mar :: Eduardo Hughes Galeano
fernando simon
Diego não conhecia o mar.O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos.
E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!
* * *
Diego no conocía la mar. El padre, Santiago Kovadloff, lo llevó a descubrirla.
Viajaron al sur.
Ella, la mar, estaba más allá de los altos médanos, esperando.
Cuando el niño y su padre alcanzaron por fin aquellas cumbres de arena, después de mucho caminar, la mar estalló ante sus ojos. Y fue tanta la inmensidad de la mar, y tanto su fulgor, que el niño quedó mudo de hermosura.
Y cuando por fin consiguió hablar, temblando, tartamudeando, pidió a su padre:
-¡Ayúdame a mirar!
9 de ago. de 2014
Quando eu ficar sozinha :: Clarice Lispector
Zhang Xiaogang
Quando eu ficar sozinha, estarei seguindo o destino de todas as mulheres. Sempre me restará amar. Escrever é alguma coisa extremamente forte mas que pode me trair e me abandonar: posso um dia sentir que já escrevi o que é meu lote neste mundo e que eu devo aprender também a parar. Em escrever eu não tenho nenhuma garantia. Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer. Amar não acaba. É como se o mundo estivesse a minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 101-102
8 de ago. de 2014
De amor mesmo amor::Grande Sertão: veredas - Guimarães Rosa
Margarida Aguadé
Aquele lugar, o ar. Primeiro, fiquei sabendo que gostava de Diadorim – de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade. Me a mim, foi de repente, que aquilo se esclareceu: falei comigo.
Não tive assombro, não achei ruim, não me reprovei – na hora. Melhor alembro. Eu estava sozinho, num repartimento dum rancho, rancho velho de tropeiro, eu estava deitado numa esteira de taquara. Ao perto de mim, minhas armas. Com aquelas, reluzentes nos canos, de cuidadas tão bem, eu mandava a morte em outros, com a distância de tantas braças. Como é que, dum mesmo jeito, se podia mandar o amor? O rancho era na bordada-mata. De tarde, como estava sendo, esfriava um pouco, por pejo de vento – o que vem da Serra do Espinhaço – um vento com todas almas. Arrepio que fuxicava as folhagens ali, e ia, lá adiante longe, na baixada do rio, balançar esfiapado o pendão branco das canabravas. Por lá, nas beiras, cantava era o joão-pobre, pardo, banhador. Me deu saudade de algum buritizal, na ida duma vereda em capim tem-te que verde, termo da chapada.
Saudades, dessas que respondem ao vento; saudade dos Gerais. O senhor vê: o remôo do vento nas palmas dos buritis todos, quando é ameaço de tempestade. Alguém esquece isso? O vento é verde. Aí, no intervalo, o senhor pega o silêncio põe no colo. Eu sou donde eu nasci. Sou de outros lugares. Mas, lá na Guararavacã, eu estava bem. O gado ainda pastava, meu vizinho, cheiro de boi sempre alegria faz. Os quem-quem, aos casais, corriam, catavam, permeio às reses, no liso do campo claro. Mas, nas árvores, pica-pau bate e grita. E escutei o barulho, vindo do dentro do mato, de um macuco – sempre solerte. Era mês de macuco ainda passear solitário – macho e fémea desemparelhados, cada um por si. E o macuco vinha andando, sarandando, macucando: aquilo ele ciscava no chão, feito galinha de casa. Eu ri – “Vigia este, Diadorim!” – eu disse; pensei que Diadorim estivesse em voz de alcance. Ele não estava. O macuco me olhou, de cabecinha alta. Ele tinha vindo quase endireito em mim, por pouco entrou no rancho. Me olhou, rolou os olhos.
Aquele pássaro procurava o quê? Vinha me pôr quebrantos. Eu podia dar nele um tiro certeiro. Mas retardei. Não dei. Peguei só num pé de espora, joguei no lado donde ele. Ele deu um susto,
trazendo as asas para diante, feito quisesse esconder a cabeça, cambalhota fosse virar. Daí, caminhou primeiro até de costas, fugiu-se, entrou outra vez no mato, vero, foi caçar poleiro para o bom adormecer.
O nome de Diadorim, que eu tinha falado, permaneceu em mim. Me abracei com ele. Mel se sente é todo lambente – “Diadorim, meu amor...” Como era que eu podia dizer aquilo?
In: Grande Sertão: Veredas. Editora Nova Aguilar, 1994. p. 408
7 de ago. de 2014
Utopia :: José Afonso
Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria
Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu desafio
Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?
6 de ago. de 2014
Uvaia, uvalha ou uvaieira (Eugenia uvalha)
A floração ocorre entre os meses de Agosto e Dezembro, frutificando entre Setembro e Janeiro. A uvaia é utilizada em projetos de reflorestamento (áreas degradadas, preservação permanente e plantios mistos) e paisagismo (ornamental e pomar doméstico). É típica de florestas ombrófilas densas, florestas estacionais semideciduais, mata ciliar e cerrado.
A árvore tem de seis a 13 metros de altura e geralmente tem um tronco único ou bifurcado, com no máximo de 50 centímetros de diâmetro.
A uvaia tem alto teor de vitamina C (cerca de quatro vezes mais do que a laranja). Tem a polpa muito delicada, com a casca bem fina, de um amarelo-ouro ligeiramente aveludado. O aroma é suave e muito agradável. Um dos grandes problemas desse fruto é que amassa, oxida e resseca com facilidade, por isso não é muito encontrada em supermercados.
A uvaia é utilizada em projetos de reflorestamento (áreas degradadas, preservação permanente e plantios mistos) e paisagismo (ornamental e pomar doméstico). Sua madeira é empregada apenas localmente para moirões, estacas, postes e lenha.
Seus frutos são comestíveis e muito apreciados para o consumo na forma de sucos, razão pela qual é largamente cultivada em pomares domésticos. São também avidamente consumidos por várias espécies de pássaros, o que a torna bastante recomendável para reflorestamentos heterogêneos destinados à recomposição de áreas degradadas de preservação permanente.
Uvaia
Nome científico:Eugenia pyriformis Cabess. Família: Myrtaceae. Utilização: madeira utilizada para moirões, cercas e lenha. Seus frutos são comestíveis e servem de alimento para diversas espécies de aves. Coleta de sementes: diretamente da árvore quando começar a queda espontânea dos frutos ou recolhê-los do chão. Época de coleta de sementes: dezembro a janeiro. Fruto: amarelo, arredondado, contendo duas sementes em seu interior, possuindo aproximadamente quatro centímetros de diâmetro. Flor: branca. Crescimento da muda: médio. Germinação: normal. Plantio: mata ciliar, área aberta.
fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Uvaia
Então acham que o passado :: Milan Kundera
Milan Kundera in: A vida está em outro lugar. Cia de Bolso, 2012.
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