13 de set. de 2015

ABRIL :: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Vincent van Gogh

Vinhas descendo ao longo das estradas, 
Mais leve do que a dança 
Como seguindo o sonho que balança 
Através das ramagens inspiradas. 

E o jardim tremeu, 
Pálido de esperança. 



In : Dia do mar, 1947 


12 de set. de 2015

Viajar para mim nunca foi turismo :: Cecília Meireles

Cada lugar onde chego é uma surpresa e uma maneira diferente de ver homens e coisas. Viajar para mim nunca foi turismo. Jamais tirei fotografia de país exótico. Viagem é alongamento de horizonte humano. [...] Tenho, nos lugares mais diferentes, amigos à minha espera. Você
já reparou que, entre centenas, em cada país, nós temos sempre aquela pessoa que, sem mesmo saber, espera por nós e, quando nos encontra, é para sempre? Por isso é que eu gosto tanto de viajar, visitar terras que ainda não vi e conhecer aquele amigo desconhecido que nem sabe
que eu existo, mas que é meu irmão antes de o ser 
In: BLOCH, Pedro. Cecília Meireles. Revista Manchete, Rio de Janeiro, n. 630, 16/05/1964, p. 37

11 de set. de 2015

Yuri Pimenov (1903-1977)





























A Ordem Das Árvores :: Tulipa Ruiz


Naquele curió mora um pessegueiro
Em todo rouxinol tem sempre um jasmineiro
Todo bem-te-vi carrega uma paineira
Tem sempre um colibri que gosta de jatobá

Beija-flor é casa de ipê

Cada andorinha é lotada de pinheiro
E o joão-de-barro adora o eucalipto

A ordem das árvores não altera o passarinho

Naquele pessegueiro mora um curió
Em todo jasmineiro tem sempre um rouxinol
Toda paineira carrega um bem-te-vi
Tem sempre um jatobá que gosta de colibri

Beija-flor é casa de ipê

Cada pinheiro é lotado de andorinha
E o joão-de-barro adora o eucalipto

A ordem das árvores não altera o passarinho

10 de set. de 2015

TRADUZIR-SE :: Ferreira Gullar (pseudônimo de José Ribamar Ferreira) (São Luís, 10 de setembro de 1930)

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Fajar Domingo























9 de set. de 2015

Louvor do lixo :: Adília Lopes (Lisboa, 1960)


(quem não viu Sevilha não viu maravilha)

É preciso desentropiar
a casa
todos os dias
para adiar o Kaos
a poetisa é a mulher-a-dias
arruma o poema
como arruma a casa
que o terramoto ameaça
a entropia de cada dia
nos dai hoje
o pó e o amor
como o poema
são feitos
no dia a dia
o pão come-se
ou deita-se fora
embrulhado
(uma pomba
pode visitar o lixo)
o poema desentropia
o pó deposita-se no poema
o poema cantava o amor
graças ao amor
e ao poema
o puzzle que eu era
resolveu-se
mas é preciso agradecer o pó
o pó que torna o livro
ilegível como o tigre
o amor não se gasta
os livros sim
a mesa cai
à passagem do cão
e o puzzle fica por fazer
no chão

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...