Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
15 de out. de 2015
14 de out. de 2015
ANOITECER :: Carlos Drummond de Andrade
Van Gogh
A Dolores
É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.
É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo.
É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz — morte — mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.
Hora de delicadeza,
agasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.
In: A Rosa do Povo, 1945
13 de out. de 2015
Eu ébrio ::Adriano Wintter
todo vinho
suave da noite
quebrou
sua taça
infinita de estrelas
e acordou
solarmente na rua
com bandos de aves
no terno azul
12 de out. de 2015
Minhas vidas passadas :: Luiz Ruffato
Sou daquelas pessoas que guardam lembranças bastante remotas. Algumas, tão distanciadas, que vejo-me incapaz de identificar com exatidão em que circunstância ocorreram – se é que ocorreram. Sim, porque a memória é uma narrativa concebida a partir de recordações evocadas por cheiros, imagens, barulhos, gostos ou sensações que impregnam a pele. Ao longo da nossa história vivenciamos tantas experiências, e tão diversas, que tornaria impossível acumulá-las como sucederam. Então, para não sobrecarregarmo-nos, penduramos esses acontecimentos em fios tênues que, aos poucos, rompem-se, convertendo-se em vestígios esparramados às nossas costas.
A realidade não deixa marcas no corpo, mas impressões fugidias na mente, pois a experiência é sempre subjetiva. Por exemplo: embora filhos da mesma mãe e do mesmo pai, minha irmã e eu descrevemos personagens diferentes como pai e mãe, porque nos relacionamos com eles de maneira diversa. Além disso, a memória atualiza-se: sucedidos que tiveram determinado significado num momento ganham outra relevância no momento seguinte, porque aquele que fui não é este que sou agora. Mais ou menos como quando nos deparamos com um bom livro, cuja apreensão transmuda-se a cada nova leitura. As palavras não se modificam, mas altera-se nosso entendimento do mundo na medida em que escoa o tempo.
Como conservamos dos episódios somente fragmentos, não hesitamos em incorporar lembranças alheias para compor nossas próprias recordações. Relatos de parentes sobre nossa infância, histórias entreouvidas de amigos a respeito de suas famílias, cenas assistidas em filmes, passagens de romances, nossa imaginação, tudo serve para preencher os hiatos e dar sentido à narrativa, que, partindo da invocação de um evento concreto situado no passado, desenvolve-se como fabulação. Se selecionamos os fatos que permanecem arquivados em chaves sensoriais, se o presente contamina o passado, se incorporamos ao nosso os relatos alheios, podemos concluir que a memória, assentada em reconstruções, não contabiliza reminiscências individuais, mas experiências subjetivas. O que fomos ontem existe apenas no que somos hoje – o passado é uma invenção projetada desde o futuro, eternizado no agora.
Apenas duas fotografias cristalizaram meu rosto na infância. O retrato mais antigo exibe um rosto triste ilustrando um corpo franzino revestido de roupas pobres: calção de tecido ordinário, blusa de flanela mal enjambrada, chinelos de dedo gastos. Tenho cinco anos, estou em frente a uma casa longe do meu bairro, ao lado de um casal que desconheço, imerso na tarde fria para sempre perdida. O outro retrato revela duas crianças, uma delas, enfiada na melhor roupa domingueira, exibe os mesmos olhos melancólicos, as mesmas pernas finas, a mesma desolação. Tenho seis anos, estou num estúdio, porque é aniversário do meu colega, Teodorico – como fazíamos anos na mesma data, a mãe dele, de pena, ajuntou-me ao flagrante.
Que passado reconstruo quando avoco o instante dessas fotografias? Estou lá, admito: reconheço-me, mas estranho-me, décadas me separam de mim mesmo. Aquela criança que existiu em mim subsiste no adulto apenas como hipótese. Cada período da minha vida engendrou um indivíduo distinto, que, embora alicerçado em bases comuns, edificou sua própria história. Para reconhecer-me no que fui, reconstituo-me com o manancial de que sou estruturado hoje. Por isso, cada recordação dos dias antigos é a lembrança de uma das minhas várias vidas passadas.
fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/01/13/opinion
A realidade não deixa marcas no corpo, mas impressões fugidias na mente, pois a experiência é sempre subjetiva. Por exemplo: embora filhos da mesma mãe e do mesmo pai, minha irmã e eu descrevemos personagens diferentes como pai e mãe, porque nos relacionamos com eles de maneira diversa. Além disso, a memória atualiza-se: sucedidos que tiveram determinado significado num momento ganham outra relevância no momento seguinte, porque aquele que fui não é este que sou agora. Mais ou menos como quando nos deparamos com um bom livro, cuja apreensão transmuda-se a cada nova leitura. As palavras não se modificam, mas altera-se nosso entendimento do mundo na medida em que escoa o tempo.
Como conservamos dos episódios somente fragmentos, não hesitamos em incorporar lembranças alheias para compor nossas próprias recordações. Relatos de parentes sobre nossa infância, histórias entreouvidas de amigos a respeito de suas famílias, cenas assistidas em filmes, passagens de romances, nossa imaginação, tudo serve para preencher os hiatos e dar sentido à narrativa, que, partindo da invocação de um evento concreto situado no passado, desenvolve-se como fabulação. Se selecionamos os fatos que permanecem arquivados em chaves sensoriais, se o presente contamina o passado, se incorporamos ao nosso os relatos alheios, podemos concluir que a memória, assentada em reconstruções, não contabiliza reminiscências individuais, mas experiências subjetivas. O que fomos ontem existe apenas no que somos hoje – o passado é uma invenção projetada desde o futuro, eternizado no agora.
Apenas duas fotografias cristalizaram meu rosto na infância. O retrato mais antigo exibe um rosto triste ilustrando um corpo franzino revestido de roupas pobres: calção de tecido ordinário, blusa de flanela mal enjambrada, chinelos de dedo gastos. Tenho cinco anos, estou em frente a uma casa longe do meu bairro, ao lado de um casal que desconheço, imerso na tarde fria para sempre perdida. O outro retrato revela duas crianças, uma delas, enfiada na melhor roupa domingueira, exibe os mesmos olhos melancólicos, as mesmas pernas finas, a mesma desolação. Tenho seis anos, estou num estúdio, porque é aniversário do meu colega, Teodorico – como fazíamos anos na mesma data, a mãe dele, de pena, ajuntou-me ao flagrante.
Que passado reconstruo quando avoco o instante dessas fotografias? Estou lá, admito: reconheço-me, mas estranho-me, décadas me separam de mim mesmo. Aquela criança que existiu em mim subsiste no adulto apenas como hipótese. Cada período da minha vida engendrou um indivíduo distinto, que, embora alicerçado em bases comuns, edificou sua própria história. Para reconhecer-me no que fui, reconstituo-me com o manancial de que sou estruturado hoje. Por isso, cada recordação dos dias antigos é a lembrança de uma das minhas várias vidas passadas.
fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/01/13/opinion
11 de out. de 2015
10 de out. de 2015
9 de out. de 2015
A Tempestade do Destino :: Haruki Murakami
Camille Corot
Por vezes o destino é como uma pequena tempestade de areia que não pára de mudar de direcção. Tu mudas de rumo, mas a tempestade de areia vai atrás de ti. Voltas a mudar de direcção, mas a tempestade persegue-te, seguindo no teu encalço. Isto acontece uma vez e outra e outra, como uma espécie de dança maldita com a morte ao amanhecer. Porquê? Porque esta tempestade não é uma coisa que tenha surgido do nada, sem nada que ver contigo. Esta tempestade és tu. Algo que está dentro de ti. Por isso, só te resta deixares-te levar, mergulhar na tempestade, fechando os olhos e tapando os ouvidos para não deixar entrar a areia e, passo a passo, atravessá-la de uma ponta a outra. Aqui não há lugar para o sol nem para a lua; a orientação e a noção de tempo são coisas que não fazem sentido. Existe apenas areia branca e fina, como ossos pulverizados, a rodopiar em direcção ao céu. É uma tempestade de areia assim que deves imaginar.
(...) E não há maneira de escapar à violência da tempestade, a essa tempestade metafísica, simbólica. Não te iludas: por mais metafísica e simbólica que seja, rasgar-te-á a carne como mil navalhas de barba. O sangue de muita gente correrá, e o teu juntamente com ele. Um sangue vermelho, quente. Ficarás com as mãos cheias de sangue, do teu sangue e do sangue dos outros.
E quando a tempestade tiver passado, mal te lembrarás de ter conseguido atravessá-la, de ter conseguido sobreviver. Nem sequer terás a certeza de a tormenta ter realmente chegado ao fim. Mas uma coisa é certa. Quando saíres da tempestade já não serás a mesma pessoa. Só assim as tempestades fazem sentido.
in: Kafka à Beira-Mar. Casa das Letras, 2006.
8 de out. de 2015
Três sugestões simples para se conhecer mais profundamente um território novo :: Ana Estaregui
Bernhard Edmaier
1. observar com atenção em vista aérea os desenhos formados por seus campos de cultivo (perceber se configuram polígonos, quantos lados possuem, se são regulares ou assimétricos, se possuem forma livre e quantos e quais são os nomes dos tons dessa vegetação)2. saber como s dá a relação que seus habitantes estabelecem com o rio.
3. descobrir quais os sons mais frágeis de seu idioma e procurar saber quais nuances não possuem correspondência de tradução com a sua língua mãe.
7 de out. de 2015
Gergelim, Sesamum indicum
Sesamum indicum - Köhler–s Medizinal-Pflanzen-129.jpg
Classificação científica
Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Lamiales
Família: Pedaliaceae
Género: Sesamum
Espécie: S. indicum
Nome binomial
Sesamum indicum
L.
O gergelim, também conhecido como sésamo, é uma planta anual herbácea, gamopétala, originária do Oriente, pertencente à família das pedaliáceas (Sesamum indicum), com propriedades medicinais, de flores alvas, róseas ou vermelhas, hermafroditas, dispostas nas axilas das folhas, e cujo fruto é cápsula oblonga, pubescente, com sementes oleaginosas, pequenas, amarelas, alvas ou pretas, arredondadas e levemente comprimidas.
É cultivada na Ásia tropical por causa de suas sementes, que fornecem até 50% de óleo (ou azeite) confeccionado de sementes cruas e aquele de sementes previamente torradas resultam em dois produtos distintos, sendo o último mais utilizado como condimento em pratos orientais.
As sementes de gergelim são ricas em manganês, cobre e cálcio (90 mg de cálcio por colher de sopa para sementes integrais (não descascadas) e 10 mg para sementes descascadas), e contém vitamina B1 e vitamina E. Elas contêm um poderoso antioxidante, que também é anticancerígeno.[carece de fontes] Elas também contêm fitoesteróis, que bloqueiam a produção de colesterol. Os nutrientes do gergelim são melhores absorvidos se triturados antes do consumo.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
6 de out. de 2015
CARTA PARA JOSEFA, MINHA AVÓ :: JOSÉ SARAMAGO
Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira, sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo.
És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!
É isto que eu não entendo, mas a culpa não é tua.
Carta para Josefa, minha avó, publicada por José Saramago, em 14 de Março de 1968, no jornal lisboeta A Capital.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo.
És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!
É isto que eu não entendo, mas a culpa não é tua.
Carta para Josefa, minha avó, publicada por José Saramago, em 14 de Março de 1968, no jornal lisboeta A Capital.
A turma :: Manoel de Barros
A gente foi criado no ermo igual ser pedra.
Nossa voz tinha nível de fonte.
A gente passeava nas origens. Bernardo conversava pedrinhas
com as rãs de tarde.
Sebastião fez um martelo de pregar água
na parede.
A gente não sabia botar comportamento
nas palavras.
Para nós obedecer a desordem das falas
Infantis gerava mais poesia do que obedecer
as regras gramaticais.
Bernardo fez um ferro de engomar gelo.
Eu gostava das águas indormidas.
A gente queria encontrar a raiz das
palavras.
Vimos um afeto de aves no olhar de
Bernardo.
Logo vimos um sapo com olhar de árvore!
Ele queria mudar a Natureza?
Vimos depois um lagarto de olhos garços beijar as pernas da Manhã!
Ele queria mudar a Natureza?
Mas o que nós queríamos é que a nossa
palavra poemasse.
5 de out. de 2015
Neomarica (iridácea )
Sinonímia: Marica candida, Trimezia candida
Nomes Populares: Íris-da-praia, Íris-caminhante, Planta-dos-apóstolos, Doze-apóstolos, Falsa-íris, Lírio-roxo-das-pedreiras, Lírio-roxo-das-pedras, Íris
Família: Iridaceae
Categoria: Bulbosas, Flores, Flores Perenes
Clima: Equatorial, Mediterrâneo, Oceânico, Subtropical, Tropical
Origem: América do Sul, Brasil
Altura: 0.4 a 0.6 metros, 0.6 a 0.9 metros
Luminosidade: Meia Sombra, Sol Pleno, Sombra
Ciclo de Vida: Perene
fonte: jardineiro.net
Eu não possuo o meu corpo como posso eu possuir com ele? Fernando Pessoa (Bernardo Soares)
Eu não possuo o meu corpo como posso eu possuir com ele? Eu não possuo a minha alma — como posso possuir com ela? Não compreendo o meu espírito como através dele compreender?
As nossas sensações passam — como possuí-las pois — ou o que elas mostram muito menos. Possui alguém um rio que corre, pertence a alguém o vento que passa?
Não possuímos nem um corpo nem uma verdade — nem sequer uma ilusão. Somos fantasmas de mentiras, sombras de ilusões e a minha vida é vã por fora e por dentro.
Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer — eu sou eu?
Mas sei que o que eu sinto, sinto-o eu.
Quando outro possui esse corpo, possui nele o mesmo que eu? Não. Possui outra sensação.
Possuímos nós alguma coisa? Se nós não sabemos o que somos, como sabemos nós o que possuímos?
s.d.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982. p. 271.
As nossas sensações passam — como possuí-las pois — ou o que elas mostram muito menos. Possui alguém um rio que corre, pertence a alguém o vento que passa?
Não possuímos nem um corpo nem uma verdade — nem sequer uma ilusão. Somos fantasmas de mentiras, sombras de ilusões e a minha vida é vã por fora e por dentro.
Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer — eu sou eu?
Mas sei que o que eu sinto, sinto-o eu.
Quando outro possui esse corpo, possui nele o mesmo que eu? Não. Possui outra sensação.
Possuímos nós alguma coisa? Se nós não sabemos o que somos, como sabemos nós o que possuímos?
s.d.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982. p. 271.
4 de out. de 2015
Parto :: Susana Giraudo
Paul Gauguin, 1890
Corpo de terra
Lúbrico
Fecundo.
A pele madura do verde
estremece.
Empurra,
Afasta de si, força que expele e derrama.
Explode em gritos de júbilo amarelo.
... E foi o inumerável milagre
de pequenos rostos
que procuram
a luz.
UM DEUS :: Ronald Polito (Juiz de Fora, 5 de abril de 1961)
Jacqueline McNally
dê-me um minuto
um cajado
um rosto
rotinas para retinas já
então fustigadas
uma cama um dorso
dê-me uma foice
o último terremoto
um touro
o protonauta de neverland
dê-me um sopro
In: Revista Cult, n. 194, ano 17, setembro 2014, p. 13.
Desapego ou desprendimento? Ana Vieira
Desapego ou desprendimento?
(...) pedem-me à distância que escreva algo sobre desapego. Perguntam-me se me sinto desapegada. Se pratico o desapego. Se consigo.
Francamente, nem tento. Não posso. Dentro de mim vive um apego a tudo o que amo. Um apego que (tento) não me machuque quando decide insinuar-se por entre os muitos laços do ego, segredando-me que, se amo, e se me apego, terei. Bobagem. Apenas serei. Tento apegar-me dentro dos domínios da luz, e que essa luz envolva os demais com todas as vibrações que posso enviar de longe porque, afinal, estou apegada - e, por isso, trago o outro dentro de mim a cada instante, faz parte das fibras da minha alma.
A raiz primeira de desapego (antes da junção com o prefixo des-, que significa sempre o negativo daquilo que se diz depois), é apego; este, por sua vez, deriva da palavra pegar - picare em latim: trazer consigo, ter em si e (claro) pegar. Portanto: pratico o apego porque ele me faz trazer comigo tudo aquilo que amo. Graças a esse "a" agregado, o que estava bom fica melhor ainda: trago quem amo junto em mim. A toda hora, a todo momento, em todo lugar. E porque não quero desapegar-me, o que amo cria casa em mim. Habita-me. Entranha-se. Elabora-me. Decifra-me. Quem se apega, chega mais perto do centro.
O impulso de desapegar-se, neste poder etimológico que lhe outorgo, encontra-se de braços dados com a decisão (que vejo ao meu redor com frequência) de não se entregar, de manter a individualidade, de não se perder no outro, manter o controle, ser dono de seus atos. Mas sem entrega, sem comunhão de indivíduos, sem o se perder - como se achar, e como achar o outro?!
A esse amigo querido que de longe se pergunta sobre o desapego, o que posso oferecer é o meu desprendimento. O mesmo des- que negativa, junto ao prehendere latino. Prender significa também pegar, mas com uma pequena imensa diferença: prehendere é agarrar. E agarrar guarda dentro de si, escondida entre duas distraídas letras, uma garra. Uma coisa é pegar algo que chega à sua mão. Outra, diferente, é agarrar. É ser presa. É estar-se preso.
Pego o amor que me dão, e me apego. Quero apegar-me. É uma decisão, esse apego, porque amo o que amo e mantenho-o perto e dentro comigo. Amor não é agarrável. Amor é liberdade em expansão. É tempo fora do tempo. Espaço fora do espaço. Se tento agarrar, ele escapa. Amor só sobrevive ao apego. É o lugar mágico onde se nutre, cresce, transborda - amor é coisa que precisa de transbordamento, sejam lágrimas nos olhos, sejam bênçãos no mundo.
Agarrar responde ainda por ações polares: aprisionar e afeiçoar-se. Se uma palavra pode, ao mesmo tempo, aprisionar e criar afeição, é melhor procurar outro caminho. Apegar-se sem as garras longas que prendem. Por isso, pratico o desprendimento. Deixo solto o que pertence a todos. Deixo solto o que pertence ao outro. Deixo solto o que pertence a mim. Mas dentro, neste lugar onde entram aqueles de passos leves e olhar atento, vivem apegados a mim todos os afetos do mundo.
(...) pedem-me à distância que escreva algo sobre desapego. Perguntam-me se me sinto desapegada. Se pratico o desapego. Se consigo.
Francamente, nem tento. Não posso. Dentro de mim vive um apego a tudo o que amo. Um apego que (tento) não me machuque quando decide insinuar-se por entre os muitos laços do ego, segredando-me que, se amo, e se me apego, terei. Bobagem. Apenas serei. Tento apegar-me dentro dos domínios da luz, e que essa luz envolva os demais com todas as vibrações que posso enviar de longe porque, afinal, estou apegada - e, por isso, trago o outro dentro de mim a cada instante, faz parte das fibras da minha alma.
A raiz primeira de desapego (antes da junção com o prefixo des-, que significa sempre o negativo daquilo que se diz depois), é apego; este, por sua vez, deriva da palavra pegar - picare em latim: trazer consigo, ter em si e (claro) pegar. Portanto: pratico o apego porque ele me faz trazer comigo tudo aquilo que amo. Graças a esse "a" agregado, o que estava bom fica melhor ainda: trago quem amo junto em mim. A toda hora, a todo momento, em todo lugar. E porque não quero desapegar-me, o que amo cria casa em mim. Habita-me. Entranha-se. Elabora-me. Decifra-me. Quem se apega, chega mais perto do centro.
O impulso de desapegar-se, neste poder etimológico que lhe outorgo, encontra-se de braços dados com a decisão (que vejo ao meu redor com frequência) de não se entregar, de manter a individualidade, de não se perder no outro, manter o controle, ser dono de seus atos. Mas sem entrega, sem comunhão de indivíduos, sem o se perder - como se achar, e como achar o outro?!
A esse amigo querido que de longe se pergunta sobre o desapego, o que posso oferecer é o meu desprendimento. O mesmo des- que negativa, junto ao prehendere latino. Prender significa também pegar, mas com uma pequena imensa diferença: prehendere é agarrar. E agarrar guarda dentro de si, escondida entre duas distraídas letras, uma garra. Uma coisa é pegar algo que chega à sua mão. Outra, diferente, é agarrar. É ser presa. É estar-se preso.
Pego o amor que me dão, e me apego. Quero apegar-me. É uma decisão, esse apego, porque amo o que amo e mantenho-o perto e dentro comigo. Amor não é agarrável. Amor é liberdade em expansão. É tempo fora do tempo. Espaço fora do espaço. Se tento agarrar, ele escapa. Amor só sobrevive ao apego. É o lugar mágico onde se nutre, cresce, transborda - amor é coisa que precisa de transbordamento, sejam lágrimas nos olhos, sejam bênçãos no mundo.
Agarrar responde ainda por ações polares: aprisionar e afeiçoar-se. Se uma palavra pode, ao mesmo tempo, aprisionar e criar afeição, é melhor procurar outro caminho. Apegar-se sem as garras longas que prendem. Por isso, pratico o desprendimento. Deixo solto o que pertence a todos. Deixo solto o que pertence ao outro. Deixo solto o que pertence a mim. Mas dentro, neste lugar onde entram aqueles de passos leves e olhar atento, vivem apegados a mim todos os afetos do mundo.
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