Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
4 de dez. de 2015
3 de dez. de 2015
CANÇÃO DA INFÂNCIA :: Peter Handke
Frederick Morgan
Quando a criança era criança,
andava balançando os braços,
queria que o riacho fosse um rio,
que o rio fosse uma torrente
e que essa poça fosse o mar.
Quando a criança era criança,
não sabia que era criança,
tudo lhe parecia ter alma,
e todas as almas eram uma.
Quando a criança era criança,
não tinha opinião a respeito de nada,
não tinha nenhum costume,
sentava-se sempre de pernas cruzadas,
saía correndo,
tinha um redemoinho no cabelo
e não fazia poses na hora da fotografia.
Quando a criança era uma criança
era a época destas perguntas:
Por que eu sou eu e não você?
Por que estou aqui, e por que não lá?
Quando foi que o tempo
começou, e onde é que o espaço termina?
Um lugar na vida sob o sol não é apenas um sonho?
Aquilo que eu vejo e ouço e cheiro
não é só a aparência de um mundo diante de um mundo?
Existe de fato o Mal e as pessoas
que são realmente más?
Como pode ser que eu, que sou eu,
antes de ser eu mesmo não era eu,
e que algum dia, eu, que sou eu,
não serei mais quem eu sou?
Quando uma criança era uma criança,
Mastigava espinafre, ervilhas, bolinhos de arroz, e couve-flor cozida,
e comia tudo isto não somente porque precisava comer.
Quando uma criança era uma criança,
Uma vez acordou numa cama estranha,
e agora faz isso de novo e de novo.
Muitas pessoas, então, pareciam lindas
e agora só algumas parecem, com alguma sorte.
Visualizava uma clara imagem do Paraíso,
e agora no máximo consegue só imaginá-lo,
não podia conceber o vazio absoluto,
que hoje estremece no seu pensamento.
Quando uma criança era uma criança,
brincava com entusiasmo,
e agora tem tanta excitação como tinha,
porém só quando pensa em trabalho.
Quando uma criança era uma criança,
Era suficiente comer uma maçã, uma laranja, pão,
E agora é a mesma coisa.
Quando uma criança era criança,
amoras enchiam sua mão como somente as amoras conseguem,
e também fazem agora,
Avelãs frescas machucavam sua língua,
parecido com o que fazem agora,
tinha, em cada cume de montanha,
a busca por uma montanha ainda mais alta,e em cada cidade,
a busca por uma cidade ainda maior,
e ainda é assim,
alcançava cerejas nos galhos mais altos das árvores
como, com algum orgulho, ainda consegue fazer hoje,
tinha uma timidez na frente de estranhos,
como ainda tem.
Esperava a primeira neve,
Como ainda espera até agora.
Quando a criança era criança,
Arremessou um bastão como se fosse uma lança contra uma árvore,
E ela ainda está lá, chacoalhando, até hoje.
2 de dez. de 2015
Lágrimas :: Fábio Oliveira
Fornasetti
Gotas de não se sabe o quê.
De fome, de dor, de sede?
Do que o outro diz.
Gotas de capricho,
Infância desabrochando,
Olhar de mãe.
Sal escorrendo na face
De aflição, angústia, medo:
Vida que não se conhece,
Caminho que se segue.
Gotas de alegria,
Gozo de plenitude,
Prazer de se encontrar
No emaranhado da vida.
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