Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
27 de jul. de 2016
26 de jul. de 2016
25 de jul. de 2016
Sozinha :: Tamara kamenszain (Buenos Aires em 1947 )
Klee
Agora que enfim estou desvelada
como que pra comprovar que algo cresci
sei que não só o sorriso daquele homem
como também seus gestos
e que não só esses gestos
como também suas palavras
tudo me alcança posso caminhar
acrobata cambaleante porém segura
pela corda bamba da minha própria casa
Agora que enfim estou desvelada
como que pra comprovar que algo cresci
sei que não só o sorriso daquele homem
como também seus gestos
e que não só esses gestos
como também suas palavras
tudo me alcança posso caminhar
acrobata cambaleante porém segura
pela corda bamba da minha própria casa
(trad. guilherme gontijo flores)
Sola
Ahora que por fin estoy desvelada
como para comprobar que algo crecí
sé que no solo la sonrisa de aquel hombre
sino también sus gestos
y que no solo ésos gestos
sino también sus palabras
todo me alcanza puedo caminar
acróbata tambaleante pero segura
por la cuerda floja de mi propia casa
como para comprobar que algo crecí
sé que no solo la sonrisa de aquel hombre
sino también sus gestos
y que no solo ésos gestos
sino también sus palabras
todo me alcanza puedo caminar
acróbata tambaleante pero segura
por la cuerda floja de mi propia casa
24 de jul. de 2016
23 de jul. de 2016
WALT WHITMAN :: Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
Onde não sou o primeiro, prefiro não ser nada, não estar lá,
Onde não posso agir o primeiro, prefiro só ver agir os outros.
Onde não posso mandar, antes quero nem obedecer.
Excessivo na ânsia de tudo, tão excessivo que nem falo,
E não falo, porque não tento.
«Ou Tudo ou Nada» tem um sentido pessoal para mim.
Mas ser universal — não o posso, porque sou particular.
Não posso ser todos, porque sou Um, um só, só eu Não posso ser o primeiro em qualquer coisa, porque não há o primeiro.
Prefiro por isso o nada de ser co-primeiro em ser nada.
Quando é que parte o último comboio, Walt?
Quero deixar esta cidade, a Terra,
Quero emergir de vez deste país, Eu,
Deixar o mundo com o que se comprova falido,
Como um caixeiro viajante que vende navios a habitantes do interior.
O fim a motores partidos!
Que foi todo o meu ser? Uma grande ânsia inútil —
Estéril realização com um destino impossível —
Máquina de louco para realizar o motu continuo,
Teorema de absurdo para a quadratura do círculo,
Travessia a nado do Atlântico, falando na margem de cá
Antes da entrada na água, só com eles e o cálculo,
Atirar de pedras à lua
Ânsia absurda do encontro dos paralelos Deus-vida.
Megalomania dos nervos,
Ânsia de elasticidade do corpo duro,
Raiva de meu concreto ser por não ser o auge-eixo
O carro da sensualidade de entusiasmo abstracto
O vácuo dinâmico do mundo!
Vamo-nos embora de Ser.
Larguemos de vez, definitivamente, a aldeia-Vida
O arrabalde-Mundo de Deus
E entremos na cidade à aventura, ao rasgo
Ao auge, loucamente ao Ir...
Larguemos de vez.
Quando parte, Walt, o último comboio p'ra aí?
Que Deus fui para as minhas saudades serem estas ânsias?
Talvez partindo regresse. Talvez acabando, chegue,
Quem sabe? Qualquer hora é a hora. Partamos,
Vamos! A estada tarda. Partir é ter ido.
Partamos para onde se fique.
Ó estrada para não-haver-estradas!
Término no Não-Parar!
s.d.
«Saudação a Walt Whitman». Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. - 24f.
Onde não posso agir o primeiro, prefiro só ver agir os outros.
Onde não posso mandar, antes quero nem obedecer.
Excessivo na ânsia de tudo, tão excessivo que nem falo,
E não falo, porque não tento.
«Ou Tudo ou Nada» tem um sentido pessoal para mim.
Mas ser universal — não o posso, porque sou particular.
Não posso ser todos, porque sou Um, um só, só eu Não posso ser o primeiro em qualquer coisa, porque não há o primeiro.
Prefiro por isso o nada de ser co-primeiro em ser nada.
Quando é que parte o último comboio, Walt?
Quero deixar esta cidade, a Terra,
Quero emergir de vez deste país, Eu,
Deixar o mundo com o que se comprova falido,
Como um caixeiro viajante que vende navios a habitantes do interior.
O fim a motores partidos!
Que foi todo o meu ser? Uma grande ânsia inútil —
Estéril realização com um destino impossível —
Máquina de louco para realizar o motu continuo,
Teorema de absurdo para a quadratura do círculo,
Travessia a nado do Atlântico, falando na margem de cá
Antes da entrada na água, só com eles e o cálculo,
Atirar de pedras à lua
Ânsia absurda do encontro dos paralelos Deus-vida.
Megalomania dos nervos,
Ânsia de elasticidade do corpo duro,
Raiva de meu concreto ser por não ser o auge-eixo
O carro da sensualidade de entusiasmo abstracto
O vácuo dinâmico do mundo!
Vamo-nos embora de Ser.
Larguemos de vez, definitivamente, a aldeia-Vida
O arrabalde-Mundo de Deus
E entremos na cidade à aventura, ao rasgo
Ao auge, loucamente ao Ir...
Larguemos de vez.
Quando parte, Walt, o último comboio p'ra aí?
Que Deus fui para as minhas saudades serem estas ânsias?
Talvez partindo regresse. Talvez acabando, chegue,
Quem sabe? Qualquer hora é a hora. Partamos,
Vamos! A estada tarda. Partir é ter ido.
Partamos para onde se fique.
Ó estrada para não-haver-estradas!
Término no Não-Parar!
s.d.
«Saudação a Walt Whitman». Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. - 24f.
22 de jul. de 2016
Crença :: Shaul Tchernichovski (1875-1943)
Ria, ria mesmo de meus sonhos!
O que sonho, real um dia vai ser!
Ria da minha crença no ser humano
da crença que tenho em você.
Ainda exige liberdade a minha alma
que não se troca por um bezerro de ouro
Porque eu ainda acredito no homem
e em sua alma de força e destemor.
E no futuro, em que ainda acredito
Embora distante, sei que virá
quando as nações todas se abençoem
Finalmente o mundo a paz preencherá.
Tradução: Rafael Leal
21 de jul. de 2016
Que pena. Éramos tão boa invenção :: Yehuda Amichai
Amputaram
Tuas coxas de meus quadris.
Que me conste
São todos cirurgiões. Todos eles.
Desmontaram-nos
Um do outro.
Que me conste
São todos engenheiros. Todos eles.
Que pena. Éramos tão boa
e carinhosa invenção.
Um avião feito de homem e mulher
asas e tudo mais.
Pairávamos um pouco sobre a terra.
Chegamos até mesmo a voar um pouquinho.
20 de jul. de 2016
Pelas longas noites que passou desperta :: Robert Louis Stevenson
tendo tão pouco em retribuição
Pelo seu cafuné tão confortável
em que eu viajava pela imaginação
Por todos os livrinhos que você me leu
E por me confortar quando doeu
Por toda sua compaixão, todo o seu tédio,
Nos dias tristes e nos dias de bonança
Minha segunda mamãe, primeira esposa
O anjo da minha vida de criança
pequena e doente, cresci e revigorei
Toma, babá, esse livro para você!
Tomara, D´us, tomara que todos que leiam
possam encontrar uma querida babá ou enfermeira
e toda criança que gostar dessas rimas
aconchegada no sofá do lado da lareira
que possa ouvir como alguém que te diz
o que fez minha infância tão feliz!
A Child's Garden of Verses) Tradução: Rafael Leal
19 de jul. de 2016
FRAGMENTOS :: Vladimir Vladimirovitch Maiakovski (em russo: Владимир Владимирович Маяковский; Baghdati, Império Russo, 19 de julho de 1893 - Moscou, Rússia, 14 de abril de 1930),
1
Me quer ? Não me quer ? As mãos torcidas
os dedos
despedaçados um a um extraio
assim tira a sorte enquanto
no ar de maio
caem as pétalas das margaridas
Que a tesoura e a navalha revelem as cãs e
que a prata dos anos tinja seu perdão
penso
e espero que eu jamais alcance
a impudente idade do bom senso
2
Passa da uma
você deve estar na cama
Você talvez
sinta o mesmo no seu quarto
Não tenho pressa
Para que acordar-te
com o
relâmpago
de mais um telegrama
3
O mar se vai
o mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano
4
Passa de uma você deve estar na cama
À noite a Via Láctea é um Oka de prata
Não tenho pressa para que acordar-te
com relâmpago de mais um telegrama
como se diz o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites inútil o apanhado
da mútua do mútua quota de dano
Vê como tudo agora emudeceu
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu
em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos a história do universo
5
Sei o pulso das palavras a sirene das palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros
Mas as que arrancam caixões da treva
e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro
Às vezes as relegam inauditas inéditas
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia
Sei o pulso das palavras parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios alma carcaça.
tradução de Augusto de Campos
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