21 de ago. de 2016

Cada palavra dita é a voz de um morto :: Fernando Pessoa


Cada palavra dita é a voz de um morto.
Aniquilou-se quem se não velou
Quem na voz, não em si, viveu absorto.
Se ser Homem é pouco, e grande só
Em dar voz ao valor das nossas penas
E ao que de sonho e nosso fica em nós
Do universo que por nós roçou
Se é maior ser um Deus, que diz apenas
Com a vida o que o Homem com a voz:
Maior ainda é ser como o Destino
Que tem o silêncio por seu hino
E cuja face nunca se mostrou.

Poema inédito de Fernando Pessoa foi encontrado em um  "livro de autógrafos" com um manuscrito de do poeta na última página. O caderno foi comprado pelo advogado brasileiro José Paulo Cavalcanti Filho, direto de  alfarrabista português.


19 de ago. de 2016

Antepassados :: Tamara Kamenszain (1947, Buenos Aires, Argentina)



Aonde vão?
Vou com eles descendo de meus filhos
até onde queiram chegar astros circulantes
se na hora do nascimento calcularam ascendente
não o abandonem mais.
Do Mar Negro até o Estreito
naturalizam-se comigo de mim procedem
meninos de sobrenome decomposto
viajando para ser argentinos
imigrantes por vomitar no convés
dando voltas eles nos voltam
como vinil arranhado dos beatles
da Rússia para cá
e daqui para a URSS que foi
donos de um deserto que avança bisavós do nada.

( tradução de carlito azevedo & paloma vidal)
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Antepasados
Adónde van? Me voy con ellos desciendo de mis hijos hasto donde quieran llegar astros rodantes si a la hora del nacimiento calcularon ascendiente no lo abandonen más. Desde el Mar Negro hasta el Estrecho se naturalizan conmigo de mí vienen chicos de apellido descompuesto viajando para ser argentinos inmigrantes por vomitar en cubierta dados vuelta nos vuelven a nosotros como vinilo rayado de beatles de Rusia para acá y de aquí a la URSS que fue dueños de un desierto que avanza bisabuelos de la nada.

16 de ago. de 2016

15 de ago. de 2016

BASTA :: Juan Gelman



basta
nada quero mais da morte
nada quero mais da dor ou sombras basta
meu coração é esplêndido como uma palavra

meu coração se tornou belo como o sol
que sai voa canta meu coração
é desde cedo um passarinho
e depois é o teu nome

teu nome se eleva todas as manhãs
esquenta o mundo e declina
solitário em meu coração
sol em meu coração.

Tradução de Antonio Miranda

14 de ago. de 2016

Infância :: Carlos Drummond de Andrade

Ferdinand Hodler

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

Pai e Filho - Miriam Schapiro


O gato e o pássaro :: Jacques Prévert

O gato e o pássaro Uma cidade escuta desolada O canto de um pássaro ferido É o único pássaro da cidade E foi o único gato da cidade Que o de...