14 de jan. de 2019

Não há dor que dure para sempre! :: Chico Buarque de Holanda

Minha mãe sempre diz: Não há dor que dure para sempre!
Tudo é vário. Temporário. Efêmero. Nunca somos, sempre estamos!
E apesar de saber de tudo isso. Por que algumas dores duram tanto?
Por que alguns sentimentos (diga-se de passagem os mais ridículos) demoram tanto a passar?
Por que olhar pra ele reaviva esperanças perdidas e suscitas lágrimas quentes até então contidas?
Por que o cérebro ainda não inculcou no coração que esquecer faz bem a saúde?
Por que tudo não pode ser como um bonito filme francês?

Leite Derramado 


13 de jan. de 2019

Carta a Ute, desaparecida na noite de ontem :: Roberto Taddei

Querida Ute,

Desisti de buscar no passado qualquer justificativa para explicar
como vamos vivendo sem poesia nesse país esses dias

Poderia me esforçar para dizer como foram feitas as escolhas
da minha geração e as minhas e separar as reativas das reacionárias

Mas você sabe muito bem que as histórias são mentirosas
e eu faria papel de palhaço aqui

A verdade é que não somos nós quem decidimos as coisas, Ute.
Fazemos apenas na medida em que nos restam os espaços para tanto

E é sobre isso que escrevo,
É o que tentei dizer ontem mas você
tendo estado o tempo todo sob efeito de entorpecentes
não teve disposição para ouvir.

Ainda assim é preciso falar sobre essa condição inevitável do poeta contemporâneo
É nos espaços que está a poesia, ou que se forma a poesia, talvez.

Como se forma a poesia é questão da qual trataremos outro dia
Falo dos espaços, Ute. Não de apartamentos ou quartos, com janelas e vistas amplas
para rios e praias, montanhas ou esquinas com quatro ou cinco cantos
Mas os espaços entre as coisas, especificamente entre os seres,
que é o espaço que se transfigura em tempo, Ute.

E tempo é poesia,
E é também silêncio. 

10 de jan. de 2019

Em todos os jardins :: Sophia Mello Breyner

Alfredo Volpi 

Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como um beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...