11 de abr. de 2019

Wassily Kandinsky, (1866, Moscou, Russia—1944, Neuilly-sur-Seine, França)







Por delicadeza :: Sophia de Mello Breyner Andresen

Uemura Shōen

Bailarina fui
Mas nunca dançei
Em frente das grades
Só três passos dei

Tão breve o começo
Tão cedo negado
Dançei no avesso
Do tempo bailado

Dançarina fui
Mas nunca bailei
Deixei-me ficar
Na prisão do rei

Onde o mar aberto
E o tempo lavado?
Perdi-me tão perto
Do jardim buscado

Bailarina fui
Mas nunca bailei
Minha vida toda
Como cega errei

Minha vida atada
Nunca a desatei
Como Rimbaud disse
Também eu direi:

«Juventude ociosa
Por tudo iludida
Por delicadeza
Perdi minha vida»

in O Nome das Coisas, 1977

2 de abr. de 2019

Um corpo :: Ana Suy

O que fazer com um corpo?
Sobreviver!
Respirar, comer, excretar
Doer, parar de doer, voltar a doer
Parar de doer, doer
Nomear uma dor que não dói
Como prazer

O que fazer com um corpo?
Dançar!
Rodar, saltar, fazer-um com o som
Doer, esquecer que dói, lembrar de novo
Parar de doer, doer
Descobrir que o que doía antes não dói mais e chamar isso
De alegria

O que fazer com um corpo?
Amar!
Desejar, beijar, abraçar
Se perder no corpo do outro, se angustiar com a perda de si, desejar não mais amar
Doer, doer mais ainda, doer um pouco menos, doer muito menos
E descobrir que se dói menos
A dois

O que fazer com um corpo?
Escrever!
Escorrer letras pelos dedos, doar caminhos às palavras, deixar cair as pontuações
Permitir-se guiar pela dor, descobrir que a dor tem fim, querer retornar à dor para escrever
Entender que a vontade de retornar à dor já é uma dor, por si só
Descobrir que não é um corpo que escreve, mas é algo que se escreve em
Um corpo.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...