10 de jun. de 2019

As Palavras de Eugénio de Andrade (1923-2005)

Toyota Hokkei

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?


3 de jun. de 2019

Yara Tupynambá Gordilho Santos (Montes Claros MG 1932)









































Narciso :: Antonio Cicero

john-william-waterhouse
Narciso é filho de uma flor aquática
e de um rio meândrico. É líquido,
cristalizado de forma precária
e preciosa, trazendo o sigilo
de sua origem no semblante vívido,
conquanto reflexivo. Ousaria
defini-lo como aquele em que a vida
mesma se retrata. É pois fatídico
que, logo ao se encontrar, ele se perca
e, ao se conhecer, também se esqueça,
se está na confluência da verdade
e da miragem, quando as verdes margens
da fonte emolduram sua imagem fluida
e fugaz de água sobre água cerúlea.



In: Guardar. Rio de Janeiro: Record, 1996.