20 de jan. de 2020

Brinquedos de Miriti










Os Brinquedos de Miriti, uma fibra leve da palmeira também conhecida como Buriti e chamada de isopor da Amazônia, são fabricados há 200 anos no Pará. 
Nascidos da espetacular capacidade de adaptação do caboclo brasileiro à natureza que o circunda, os Brinquedos de Miriti são a expressão da sensibilidade e da representação ingênua do universo ribeirinho da região de Abaetetuba, cidade vizinha de Belém.

11 de jan. de 2020

Paz de Agustina Bessa-Luís

Oscar Niemeyer
A paz não tem figura nem desejo absoluto; 
viver em paz não é viver; 
(...) a paz é um absurdo, 
como a realidade concreta é um absurdo 
que é preciso recriar para 
que se torne afecto do homem, 
obra sua. 

Agustina Bessa-Luís


6 de jan. de 2020

Helena Kolody


Quem é essa
que me olha
de tão longe,
com olhos que foram meus?

in Poemas do Amor Impossível, 2002 

30 de dez. de 2019

Anotação :: SZYMBORSKA, Wisława

A vida – única possibilidade
para se cobrir de folhas,
tomar fôlego na areia,
voar com asas;

ser um cão
ou acariciar seu pelo quente;

diferenciar a dor
de tudo que não é ela;

imiscuir-se nos acontecimentos,
perder-se nas paisagens,
procurar o menor dentre os erros.

Ocasião excepcional
para lembrar por um momento
do que se falava
junto à lâmpada apagada;

e uma vez pelo menos         
tropeçar numa pedra,
molhar-se em alguma chuva,
perder as chaves na grama
e seguir com a vista uma fagulha ao vento;

e incessantemente não saber
algo de importante.

In:_____. Um amor feliz. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

22 de dez. de 2019

Moça deitada na grama:: Carlos Drummond de Andrade

A moça estava deitada na grama.
Eu vi e achei lindo. Fiquei repetindo para meu deleite pessoal: “Moça deitada na grama. Deitada na grama. Na grama”. Pois o espetáculo me embevecia. Não é qualquer coisa que me embevece, a esta altura da vida. A moça, o estar deitada na grama, àquela hora da tarde, enquanto os carros passavam e cada ocupante ia ao seu compromisso, à sua alegria ou à sua amargura, a moça e sua posição me embeveceram.
Não tinha nada de exibicionista, era a própria descontração, o encontro do corpo com a tranqüilidade, fruída em estado de pureza. Quem quisesse reparar, reparasse; não estava ligando nem desafiando costumes nem nada. Simplesmente deitada na grama, olhos cerrados, mãos na testa, vestido azul, sapatos brancos, pulseira, dois anéis, elegante, composta. De pernas, mostrava o normal. Não era imagem erótica.
Dormia? Não. Pequenos movimentos indicavam que permanecia consciente, mas eram tão pequenos que se percebia seu bem-estar inalterável, sua intenção de continuar assim à sombra dos edifícios, no gramado.
Resolvi parar um pouco, encantado. Queria ver ainda por algum tempo a escultura da moça, plantada no parque como estátua de Henry Moore, uma estátua sem obrigação de ser imóvel. E que arfava docemente. Ah, o arfar da moça, que lhe erguia com leveza o busto, lembrando o sangue de circular nas artérias silenciosas, tão vivo; e tão calmo, como se também ele quisesse descansar na grama, curtir para sempre aquele instante de felicidade.
Eis se aproxima um guarda, inclina-se, toca no ombro da moça. De leve. Ela abre os olhos, sorri bem-disposta:
– Quer deitar também? Aproveita a tarde, tão gostosa.
Ele se mostra embaraçado, fala aos pedaços:
– Não, moça… me desculpe. É o seguinte. A senhora… quer fazer o favor de levantar?
– Levantar por quê? Está tão bom aqui.
– A senhora não pode ficar aí assim não. Levante, estou lhe pedindo.
– Por que hei de levantar? Minha posição é cômoda, eu estou bem aqui. Olhe ali adiante aquele homem, ele também está deitado na grama.
– Aquele homem é diferente, a senhora não percebe?
– Percebo que é homem, e daí? Homem pode, mulher não?
– Bom, poder ninguém pode, é proibido, mas sendo homem, além disso mindingo
– Ah, compreendo agora. Sendo homem e mindingo, tem direito a deitar no gramado, mas sendo mulher, tendo profissão liberal, pagando imposto de renda, predial, lixo, sindicato, etc., nada feito. É isso que o senhor quer dizer?
– Deus me livre, moça. Quem sou eu para dizer uma coisa dessas? Só que é a primeira vez, e eu tenho dez anos de serviço, que vejo uma dona como a senhora, bem-vestida, bem-apessoada, assim espichada na grama. Com a devida licença, achei que não ficava bem imitar os homens, os mindingos, que a gente tem pena e deixa por aí…
– Faça de conta que eu também sou mindinga – e a moça abriu para ele um sorriso especial.
– Para o bem da senhora, não convém se arriscar desse jeito.
– Eu acho que não estou me arriscando nada, pois tem o senhor aí me garantindo.
– Obrigado. Eu garanto até certo ponto, mas basta a gente virar as costas, vem aí um elemento e furta o seu reloginho, a sua bolsa, as suas coisas.
– Sei me defender, meu santo. Tenho o meu cursinho de caratê.
– Tá certo, mas não deve de facilitar. A senhora se levante, em nome da lei.
– Espere aí. Ou todos se levantam ou eu continuo deitada em nome da lei da igualdade.
– Essa lei eu não conheço, dona. Não posso conhecer todas as leis. Essa que a senhora fala, eu acho que não pegou.
– Mas deve pegar. É preciso que pegue, mais cedo ou mais tarde.
– Não vai levantar?
– Não.
Ele coçou a cabeça. Agarrar a moça era violência, ela ia reagir, juntava povo, criava caso. Afinal, não estava fazendo nada de imoral nem subversivo. Por outro lado, não pegava bem moça deitada na grama – ele devia ter na mente a idéia de moça vestida de gaze, aérea, meio arcanjo, nunca deitável no chão de grama, como qualquer vagabundo fedorento.
– A senhora não devia me fazer uma coisa dessas.
– Fazer o quê?
– Me expor nesta situação.
– Eu não fiz nada, estava numa boa oriental, o senhor chega e…
– É muito difícil lidar com mulheres, elas têm resposta para tudo.
– Vamos fazer uma coisa. O senhor faz que não me viu, vai andando, eu saio daqui a pouco. Só mais dez minutos, para não parecer que estou cedendo a um ato de força.
– Pode ficar o tempo que quiser – decidiu ele. – A senhora falou numa tal lei da igualdade, então vamos cumprir. Só que aquele malandro ali adiante tem de se mandar urgente, eu vou lá dar um susto nele, já gozou demais da lei da igualdade, agora chega!

Carlos Drummond de Andrade, Moça deitada na grama. Rio de Janeiro, Record, 1987. P. 9-12.

19 de dez. de 2019

O Maior Trem do Mundo:: Carlos Drummond de Andrade

Anna Cunha

O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão
O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.

Fonte: 58ª edição do jornal “O Cometa Itabirano.

12 de dez. de 2019

A vida na hora :: SZYMBORSKA, Wislawa.

A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.

Não sei o papel que desempenho.      
Só sei que é meu, impermutável.

De que se trata a peça
devo adivinhar já em cena.

Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.

Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado –
eis os efeitos deploráveis desta urgência.

Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira antes
ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avizinha a sexta com um roteiro que não conheço.

Isto é justo – pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear nos bastidores).

É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.



In:_____. Poemas. Org. e tradução de Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...