12 de nov. de 2021

Canção para Amazônia:: Nando Reis e Carlos Rennó

Maior floresta tropical da Terra

A toda hora sofre um duro golpe.

Contra trator, corrente, motosserra,

A bela flora clama em vão: “Me poupe!”

Porém tem uma gente surda e cega

Para a beleza e o valor da mata,

Embora o mundo grite que já chega

Pois é a vida que o desmate mata.

Mais vasta ainda todavia é a devastação e o trauma:

Focos de fogo nos sufocam fauna, flora e até a alma.

Amazônia!

Razão de tanta insânia e tanta insônia!

Amazônia!

Objeto de omissão e ação errônea!

Amazônia!

É sem igual, sem plano B nem clone a

Amazônia!

Desmonte pra desmate e desvario

Liberam a floresta no Brasil

Pro agrobiz e pra mineração,

Pra hidrelétrica, pra exploração.

Recompensando o crime ambiental,

Desregulando o clima mundial,

Negam ciência, incêndio e derrubada.

Negando, vão passando a boiada.

Que ignorância, repugnância, a cada lance, a cada vídeo!

Que grande bioecoetnogenomatrisuicídio!

Amazônia!

Abaixo o (des) governo que abandone a

Amazônia!

Não mais a soja, o pasto que seccione a

Amazônia!

Não mais a carne, o prato que pressione a

Amazônia!

Dos povos da floresta sob pressão,

O indígena, seu grande guardião,

Em comunhão com ela há milênios,

Nos últimos e trágicos decênios

Vem vendo a mata sendo ameaçada

E cada terra deles atacada

Por levas de peões de poderosos

Com planos de riqueza horrorosos.

É invasão!, destruição!, ódio a quem são seus empecilhos!

Eles não pensam no amanhã nem do planeta nem dos próprios filhos!

Amazônia!

Abaixo o madeireiro que detone a

Amazônia!

Abaixo o garimpeiro que infeccione a

Amazônia!

Abaixo o grileiro que fraciona a

Amazônia!

Mais valiosa que qualquer minério,

Tragada pela mata que transpira,

A água que evapora sobe e vira

De veio subterrâneo a rio aéreo.

Mais volumosos do que o Amazonas,

Os rios voadores distribuem

Seus límpidos vapores que afluem

Ao Centro-Sul, chegando noutras zonas.

Então como é que na floresta mais chuvosa o fogo avança,

E ardendo em chamas nela queima de futuro uma esperança?

Amazônia!

Não mais um mandatário que intencione a

Amazônia,

Nem mais um empresário que ambicione a

Amazônia

Pra mais um ciclo de nação-colônia.

Amazônia!

Visão monumental que maravilha

Obra da natureza que exubera

De cores, seres, cheiros, som, de vida

Tão pródiga, tão pura, tão diversa

A fábrica de chuva mais prolixa

A máquina do mundo mais complexa

O doceanoverdeparaíso

O coração pulsante do planeta

Quinze mil árvores contudo agora estão indo pro chão.

Quinze mil vidas derrubadas só durante o tempo desta canção!...

... Amazônia...

Que nem desmatamento desmorone a

Amazônia!

E nem desmandamento deixe insone a

Amazônia!

E nem o aquecimento desfuncione a

Amazônia!

O que o índio viu, previu, falou,

Também o cientista comprovou.

Desmate aumenta, o clima seco aquece

A mata, o céu e a Terra, que estarrece.

Esse é o recado deles, lá no fundo:

Salve-se a selva ou não se salva o mundo!

Pra não torná-los um inferno, um forno,

Salve a Amazônia do ponto sem retorno!

Será que ainda tá em tempo ou o timing disso já perdemos?

Pois, evitemos pelo menos os eventos mais extremos.

Amazônia...

Quando afinal o homem dimensione a

Amazônia,

Que venha a ter valido a nossa insônia

– Amazônia –,

Enquanto nos encante e emocione a...

Amazônia!

Salve a Amazônia!

Salve-se a selva ou não se salva o mundo!


1 de nov. de 2021

Jorge Luis Borges: o Remorso (El remordimiento)

Cometi o pior dos pecados

Que um homem pode cometer. Não fui

Feliz. Que os glaciares do esquecimento

Me arrastem e me percam, desapiedados.

Meus pais me engendraram para o jogo

Arriscado e formoso da vida,

Para a terra, a água, o ar, o fogo.

Defraudei-os. Não fui feliz. Cumprida

Não foi sua jovem vontade. Minha mente

Se aplicou às simétricas porfias

Da arte, que entretece naderias.

Legaram-me coragem. Não fui valente.

Não me abandona. Sempre está a meu lado

A sombra de ter sido um desgraçado

BORGES, Jorge Luís. "La moneda de hierro". In: Obras completas II: 1975-1985. Buenos Aires, 1989.


El remordimiento

He cometido el peor de los pecados

Que un hombre puede cometer. No he sido

Feliz. Que los glaciares del olvido

Me arrastren y me pierdan, despiadados.

Mis padres me engendraron para el juego

Arriesgado y hermoso de la vida,

Para la tierra, el agua, el aire, el fuego.

Los defraudé. No fui feliz. Cumplida

No fue su joven voluntad. Mi mente

Se aplicó a las simétricas porfías

Del arte, que entreteje naderías.

Me legaron valor. No fui valiente.

No me abandona. Siempre está a mi lado

La sombra de haber sido un desdichado.





21 de out. de 2021

Exausto de Adélia Prado


Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.

18 de out. de 2021

Ao pé de sua criança :: Pablo Neruda

Helene Schjerfbeck

O pé da criança ainda não sabe que é pé,

e quer ser borboleta ou maçã.


Mas depois os vidros e as pedras,

as ruas, as escadas,

e os caminhos de terra dura

vão ensinando ao pé que não pode voar,

que não pode ser fruta redonda num ramo.


Então o pé da criança

foi derrotado, caiu

na batalha,

foi prisioneiro,

condenado a viver num sapato.


Pouco a pouco sem luz

foi conhecendo o mundo à sua maneira,

sem conhecer o outro pé, encerrado,

explorando a vida como um cego.

............

El pie del niño aún no sabe que es pie,

y quiere ser mariposa o manzana.


Pero luego los vidrios y las piedras,

las calles, las escaleras,

y los caminos de la tierra dura

van enseñando al pie que no puede volar,

que no puede ser fruto redondo en una rama.

El pie del niño entonces

fue derrotado, cayó

en la batalla,

fue prisionero,

condenado a vivir en un zapato.


Poco a poco sin luz

fue conociendo el mundo a su manera,

sin conocer el otro pie, encerrado,

explorando la vida como un ciego.


Aquellas suaves uñas

de cuarzo, de racimo,

se endurecieron, se mudaron

en opaca substancia, en cuerno duro,

y los pequeños pétalos del niño

se aplastaron, se desequilibraron,

tomaron formas de reptil sin ojos,

cabezas triangulares de gusano.

Y luego encallecieron,

se cubrieron

con mínimos volcanes de la muerte,

inaceptables endurecimientos.


Pero este ciego anduvo

sin tregua, sin parar

hora tras hora,

el pie y el otro pie,

ahora de hombre

o de mujer,

arriba,

abajo,

por los campos, las minas,

los almacenes y los ministerios,

atrás,

afuera, adentro,

adelante,

este pie trabajó con su zapato,

apenas tuvo tiempo

de estar desnudo en el amor o el sueño,

caminó, caminaron

hasta que el hombre entero se detuvo.


Y entonces a la tierra

bajó y no supo nada,

porque allí todo y todo estaba oscuro,

no supo que había dejado de ser pie,

si lo enterraban para que volara

o para que pudiera

ser manzana.


5 de out. de 2021

Destino de poeta :: Octavio Paz

Palavras? Sim, de ar

e perdidas no ar.

Deixa que eu me perca entre palavras,

deixa que eu seja o ar entre esses lábios,

um sopro erramundo sem contornos,

breve aroma que no ar se desvanece.


Também a luz em si mesma se perde.

PAZ, Octavio; CAMPOS, Haroldo. Transblanco (em torno a Blanco de Octavio Paz. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.

..................................

 ¿Palabras? Sí, de aire,

y em el aire perdidas.

Déjame que me pierda entre palavras,

déjame ser el aire en unos labios,

un soplo vagabundo sin contornos,

breve aroma que el aire desvanece.


También la luz en sí misma se pierde.



Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...