Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
- Enxerto de terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo ser alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera das obscuras.
In: Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais, 1965
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
2 de fev. de 2008
1 de jan. de 2008
Humildade :: Cecília Meireles
Varre o chão de cócoras.
Humilde.
Vergada.
Adolescente anciã.
Na palha, no pó
seu velho sári inscreve
mensagens ao sol
com o tênue galão dourado.
Prata nas narinas,
nas orelhas,
nos dedos,
nos pulsos.
Pulseiras nos pés.
Uma pobreza resplandecente.
Toda negra:
frágil escultura de carvão.
Toda negra:
e cheia de centelhas.
Varre seu próprio rastro.
Apanha as folhas do jardim
aos punhados,
primeiro;
uma
por
uma
por fim.
Depois desaparece,
tímida,
como um pássaro numa árvore.
Recolhe à sombra
suas luzes:
ouro,
prata,
azul.
E seu negrume.
O dia entrando em noite.
A vida sendo morte.
O som virando silêncio.
in: Poesia Completa. Poemas Escritos na Índia
17 de jun. de 2007
Amizade :: Kafka
Entre muitas outras coisas,
tu eras para mim uma janela
através da qual podia ver as ruas.
Sozinho não o podia fazer.
Kafka em carta para um amigo
2 de jun. de 2007
1 de jun. de 2007
Raduan Nassar (27 de novembro de 1935, Pindorama, SP )
“... rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando aberto para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é.”
Lavoura Arcaica
31 de mai. de 2007
Turista Acidental :: Affonso Romano de Sant'Anna
Fui fotografado à minha revelia,
em frente a um templo egípcio
no Metropolitan Museum de Nova York.
À minha revelia,de novo, fotografado fui
na 5a.Avenida às três e meia da tarde.
Assim, um sem- número de vezes
em frente ao Coliseu,
nas ruínas de Machu Pichu,
perto da Torre de Londres,
junto à Catedral de Colônia,
sobre as pedras da Acrópole ,em Atenas,
nas mesquitas de Istambul
e, evidente, em Juiz de Fora.
Guardado estou
em álbuns
japoneses, italianos,americanos,alemães, franceses
argentinos, senegaleses,
disperso
desatento
como se aquele corpo
não fosse meu.
Quando mostram as fotos aos parentes e vizinhos
sou pedra-porta-árvore-sombra-paisagem.
Ninguém, reunindo as fotos, perguntará:
-Quem é este constante figurante
no flagrante do alheio instante?
Disperso-dispersivo estou.
Que álbum conterá a unidade perdida
revelada do negativo
perambulante que sou?
em frente a um templo egípcio
no Metropolitan Museum de Nova York.
À minha revelia,de novo, fotografado fui
na 5a.Avenida às três e meia da tarde.
Assim, um sem- número de vezes
em frente ao Coliseu,
nas ruínas de Machu Pichu,
perto da Torre de Londres,
junto à Catedral de Colônia,
sobre as pedras da Acrópole ,em Atenas,
nas mesquitas de Istambul
e, evidente, em Juiz de Fora.
Guardado estou
em álbuns
japoneses, italianos,americanos,alemães, franceses
argentinos, senegaleses,
disperso
desatento
como se aquele corpo
não fosse meu.
Quando mostram as fotos aos parentes e vizinhos
sou pedra-porta-árvore-sombra-paisagem.
Ninguém, reunindo as fotos, perguntará:
-Quem é este constante figurante
no flagrante do alheio instante?
Disperso-dispersivo estou.
Que álbum conterá a unidade perdida
revelada do negativo
perambulante que sou?
24 de mai. de 2007
ME TENS EM TUAS MÃOS:: JAIME SABINES (1926-1999) Tuxtla Gutiérrez, México
Me tens em tuas mãos
e me lês tal como um livro.
Sabes o que ignoro
e me dizes coisas que não me digo.
Aprendo em ti mais que em mim mesmo.
És como um milagre de todas as horas,
como uma dor sem lugar.
Se não fosses mulher serias meu amigo.
Às vezes quero falar-te de mulheres
que a um lado teu persigo.
És como o perdão
e eu sou como teu filho.
Que bons olhos tens quando estás comigo?
Que distante te colocas e que ausente
quando à solidão te sacrifico!
Doce como teu nome, como um figo,
me esperas em teu amor até que arrimo.
És como minha casa,
és como minha morte, meu amor.
ME TIENES EN TUS MANOS
Me tienes en tus manos
y me lees lo mismo que un libro.
Sabes lo que yo ignoro
y me dices las cosas que no me digo.
Me aprendo en ti más que en mi mismo.
Eres como un milagro de todas horas,
como un dolor sin sitio.
Si no fueras mujer fueras mi amigo.
A veces quiero hablarte de mujeres
que a un lado tuyo persigo.
Eres como el perdón
y yo soy como tu hijo.
¿Qué buenos ojos tienes cuando estás conmigo?
¡Qué distante te haces y qué ausente
cuando a la soledad te sacrifico!
Dulce como tu nombre, como un higo,
me esperas en tu amor hasta que arribo.
Tú eres como mi casa,
eres como mi muerte, amor mío.
e me lês tal como um livro.
Sabes o que ignoro
e me dizes coisas que não me digo.
Aprendo em ti mais que em mim mesmo.
És como um milagre de todas as horas,
como uma dor sem lugar.
Se não fosses mulher serias meu amigo.
Às vezes quero falar-te de mulheres
que a um lado teu persigo.
És como o perdão
e eu sou como teu filho.
Que bons olhos tens quando estás comigo?
Que distante te colocas e que ausente
quando à solidão te sacrifico!
Doce como teu nome, como um figo,
me esperas em teu amor até que arrimo.
És como minha casa,
és como minha morte, meu amor.
ME TIENES EN TUS MANOS
Me tienes en tus manos
y me lees lo mismo que un libro.
Sabes lo que yo ignoro
y me dices las cosas que no me digo.
Me aprendo en ti más que en mi mismo.
Eres como un milagro de todas horas,
como un dolor sin sitio.
Si no fueras mujer fueras mi amigo.
A veces quiero hablarte de mujeres
que a un lado tuyo persigo.
Eres como el perdón
y yo soy como tu hijo.
¿Qué buenos ojos tienes cuando estás conmigo?
¡Qué distante te haces y qué ausente
cuando a la soledad te sacrifico!
Dulce como tu nombre, como un higo,
me esperas en tu amor hasta que arribo.
Tú eres como mi casa,
eres como mi muerte, amor mío.
20 de mai. de 2007
Às vezes tenho ideias, felizes :: (Álvaro de Campos) Fernando Pessoa.
Às vezes tenho ideias, felizes,
Ideias subitamente felizes, em ideias
E nas palavras em que naturalmente se despejam...
Depois de escrever, leio...
Porque escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...
18-12-1934
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
19 de mai. de 2007
18 de mai. de 2007
Paralelepípedro :: Pedro Américo
pedregulho entre pedreiras
rolando penhasco abaixo
cresci pedra por ladeiras
açudes, roças e rios
fui trempe para fogueiras
sofri febres, calafrios
senti no couro chibatas
meus ais viraram assobios
sonhei sonhos em cascatas
neles cacei capivaras
vivi com nefelibatas
habitando nuvens raras
caí que nem bendengó
amassando algumas caras
mas hoje sou pedra-mó
Amor que serena, termina? Juan Gelman (1930 - 2014)
Amor que serena, termina?
começa? que nova
velhice o espera para viver?
qual fulgor? amor surgindo
de si mesmo a si mesmo sendo
também memória de si
comendo
de si, que velha
sombra chupará sua nuca? Oh pestes
que visitaram meu país
atacaram se foram
alheias como o vento
Tradução de Eric Nepomuceno. Record, 2001.
13 de mai. de 2007
Negócio :: Noemi Jaffe
Sabe quando você se espreme, comprime a barriga e se afina ao máximo para passar por um lugar bem apertado? então. nessas horas você raspa nos lugares ou pessoas que ocupam o espaço por onde você precisa passar. você é obrigado a adotar uma postura, uma largura, uma posição no espaço a que não está habituado. você não está nem aqui nem lá, mas num espaço intermediário, mais difícil, complicado, mas com algo de desafiador, divertido, delicado. então. é isso aí o negócio.
9 de mai. de 2007
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