20 de nov. de 2012

Primavera se abrindo de Clarice Lispector

Jill Brooks 
Na primavera do ano passado ganhei de uma grande amiga uma planta, prímula, tão misteriosa que no seu mistério está contida a explicação inexplicável de uma presença divina: o segredo do cosmos.
Essa planta , que aparentemente nada tem de singular, é dona do segredo da natureza.
Quando se aproxima a primavera, suas folhas morrem e em lugar delas nascem várias flores fechadas. A cor é roxo-violeta e branco, e mesmo fechadas têm um perfume feminino e masculino que é extremamente estonteador.
O segredo destas flores fechadas é que exatamente no primeiro dia da primavera elas se abrem e se dão ao mundo. Como? Mas como sabe essa modesta planta que a primavera acaba de se iniciar? E as flores se abrem de repente. A gente está sentada perto, olhando distraída, e eis que elas vagarosamente vão se abrindo se entregando à nova estação, sob nossos olhos espantados. E a primavera então se instala. ‘Cresci como a vinha de frutas de agradável odor e minhas flores são frutos de glória e abundância.’ “(Eclesiástico 24:33).
In: Aprendendo a viver.  Rocco, 2003. 

19 de nov. de 2012

Amiga de Livia Garcia Roza



Tenho uma amiga dentro da caixinha de madrepérola na mesa-de-cabeceira.
Sempre que estou triste ela levanta a tampa e dança.

18 de nov. de 2012

Antes do nome de Adélia Prado


Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o 'de', o 'aliás',
o 'o', o 'porém' e o 'que', esta incompreensível
muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infreqüentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

17 de nov. de 2012

Canção na Plenitude - Lya Luft

Julie Paschkis

Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)
O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
buscar te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

LUFT, Lya. Secreta Mirada. SP: Editora Mandarim, 1997.

16 de nov. de 2012

Dolores de Adélia Prado


Hoje me deu tristeza,
sofri três tipos de medo
acrescido do fato irreversível:
não sou mais jovem.
Discuti política, feminismo,
a pertinência da reforma penal,
mas ao fim dos assuntos
tirava do bolso meu caquinho de espelho
e enchia os olhos de lágrimas:
não sou mais jovem.
As ciências não me deram socorro,
não tenho por definitivo consolo
o respeito dos moços.
Fui no Livro Sagrado
buscar perdão pra minha carne soberba
e lá estava escrito:
"Foi pela fé que também Sara, apesar da idade avançada,
se tornou capaz de ter uma descendência..."
Se alguém me fixasse, insisti ainda,
num quadro, numa poesia...
e fossem objetos de beleza os meus músculos frouxos...
Mas não quero. Exijo a sorte comum das mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso e no entanto
sustentam os pilares do mundo, porque mesmo viúvas dignas
não recusam casamento, antes acham sexo agradável,
condição para a normal alegria de amarrar uma tira no cabelo
e varrer a casa de manhã.

Uma tal esperança imploro a Deus.

"Adélia Prado - Poesia Reunida", Editora Siciliano, 1991. pág. 194.

15 de nov. de 2012

14 de nov. de 2012

Biblioteconomia de Mario de Andrade



O contato com os livros e manuscritos dessas idades que irreverentemente costumamos chamar de “passado”, será que nos deixa o ser mais antigo?... Parece. Positivamente não é a mesma coisa a gente ler Matias Aires* numa edição primeira ou numa reimpressão contemporânea. A transposição moderna conterá sempre a mesma substância, e mesmo nas raríssimas edições honestas, a substância estará enriquecida de comentários, correções, esclarecimentos. Mas o importante é que não são apenas os dados da verdade que um livro pode nos fornecer. Quem julgar assim, sabe ler pelo meio.

O livro não é apenas uma dádiva à compreensão; é, deve ser principalmente, um fenômeno de cultura. Quem lê indiferentemente um escrito numa edição do tempo ou noutra moderna, numa edição mal impressa ou noutra tipograficamente perfeita, num bom como num mau papel, esse é um egoísta, cortado em meio em sua humanidade. Lê porquê sabe ler, e apenas. O livro lido apenas para se saber o teor do escrito é sempre singularmente subversivo da humanidade que trazemos em nós. O fenômeno mais característico desse individualismo errado, a gente encontra nos estudantes que, na infinita maioria, são pervertidos pelos seus livros de estudo. Não que todos os livros escolares sejam ruins, os rapazes é que ainda não aprenderam a ler. Lêem para saber a verdade que está nos livros, e apenas. O resultado são essas almas imperialistas, tão freqüentes nos ginásios, vivendo em decretos desamorosos, incapazes de distinguir, comendo, dormindo, respirando afirmações. O estudante pernóstico, corrigindo os erros do pai!

Nas civilizações contemporâneas mais energicamente respeitosas do homem, as universidades, os livreiros, se esforçam para apresentar o livro, não apenas como um repositório de verdades, mas como um fenômeno duma totalidade muito mais fecunda que isso. Pela boniteza da impressão, pela generosidade do papel, pelo conselho encantador das gravuras, os bons livros modernos não querem nos obrigar apenas a saber a vida, mas a gostar dela porém.

Ora, já de muito, bem que venho matutando em que talvez a verdade menos deva ser um objeto de conhecimento, que de contemplação... Não será essa diferença fundamental que separa o encanto maravilhoso de Platão, da secura sem beijos de Aristóteles, no entanto bem mais verdadeiro?... Não será esse engano das nossas civilizações, que torna tão rasteiras, monetárias,dogmáticas,em oposição às grandes civilizações da Ásia, bem mais gostosas e subtis?

E cheguei como certo esforço adonde pressentia que desejava chegar: o livro antigo, o manuscrito original, pela sua venerabilidade, pelo esforço de acomodação à leitura, pela exigência permanente de controle do que diz, não nos deixa nunca na psicologia individualista de quem aprende, mas no êxtase amplíssimo, difuso, contagioso da contemplação. Ele nos reverte à nossa antiguidade.

Deixem que eu diga, mas nas civilizações novatas que nem as desta América, os seres tão profundamente imorais, no sentido em que a moral é uma exigência derivada aos poucos do ser tanto indivíduo como social. Não nos custa a nós, americanos, aceitar religiões, filosofias, e mesmo importar civilizações aparentemente complexas. O nosso dicionário vai de A para Z, direitinhamente. Tem F tem L e tem R: Fé, Lei, Rei. O que não nos é possível importar é a precedência orgânica dessa Fé, dessa Lei e desse Rei, nascidos de outras experiências. Nós existimos pouco, demasiado pouco. Nós existimos em desordem É que nos falta antiguidade, nos falta tradição inconsciente, nos falta essa experiência por assim dizer fisológica da nossa moralidade que, só por si, torna a palavra “passado” duma incompetência larvar.

Isso nem o ótimo livro moderno conseguirá nos fornecer. O livro antigo é moral, com a subtil prevalência de não ser de uma moral ensinada (que é sempre pelo menos duvidosa) mas uma moral vivida. É um banho inconsciente de antiguidade. E si na mão do bibliófilo o livro mais antigo é uma volúpia incomparável, estou que devemos arrancá-lo dessas mãos pecaminosas e bota-lo nas mãos rápidas do moço. Convém tomar os moços mais lentos, e iniciar no Brasil o combate às velocidades do espírito. Que abundância de meninos-prodígios transfere a vida agora da beca difícil dos clérigos pro quépi chamariz dos generais... Vivo meio sufocando.

Eu desconfio que ninguém achará razão nestas palavras, quando o que me intitula é a Biblioteconomia. Mas para mim foram os pensamentos sossegados que pensei e quis dizer. Para mim, que envelheço rápido, o pensamento como a vista já não vão preciosamente perdendo aquele dom de precisão categórica, que define as idéias como as coisas nos seus limites curtos. De-fato a Biblioteconomia, é dentre as artes aplicadas, uma das mais afirmativas. Diante desse mundo misteriosíssimo que é o livro, a Biblioteconomia parece desamar a contemplação, pois categoriza a ficha. É engano quase de analfabeto imaginar tal desamor; e não foi senão por um velho hábito biblioteconômico que, faz pouco, me fichei na categoria dos envelhecidos, o que posso jurar ser pelo menos uma precipitação.

Isso é a grandeza admirável da Biblioteconomia! Ela torna perfeitamente acháveis os livros como os seres, e alimpa a escolha dos estudiosos de toda suja confusão. Este o seu mérito grave e primeiro. Fichando o livro, isto é, escolhendo em seu mistério confuso uma verdade, pouco importa qual, que o define, a Biblioteconomia torna a verdade utilizável, quero dizer: não o objeto definitivo do conhecimento, pois que houve arbitrariedade, mas um valor humano, fecundo e caridoso de contemplação. E pelo próprio hábito de fichar, de examinar o livro em todos os seus aspectos e desdobrá-lo em todas as suas ofertas, a Biblioteconomia rallenta os seres e acode aos perigos do tempo, tornando para nós completo o livro, derrubando os quépis e escovando as becas. (original de 1937)

*( São Paulo, 27 de março de 17051763)
in: Os filhos da Candinha, 1943. Martins: INL : Ministerio da Educação, 1976.

13 de nov. de 2012

Aonde fica a saída? de Lewis Carroll


Utagawa


“Aonde fica a saída?", perguntou Alice ao gato que ria. 
”Depende”, respondeu o gato. 
”De quê?”, replicou Alice; 
”Depende de para onde você quer ir...”

in: Alice no País das Maravilhas

Magenta











O magenta é uma cor-pigmento primária e cor-luz secundária, resultado da mistura das luzes azul e vermelha. Sua cor complementar é o verde. Ao contrário das demais cores, esta cor não está em uma única faixa de ondas no espectro; a luz magenta tem ondas tanto de vermelho quanto de azul na mesma quantidade.
A cor é chamada também de fúchsia ou fúcsia, devido à planta com o mesmo nome. Fúchsia é usado como nome alternativo para a cor magenta eléctrica. A cor é por vezes não muito corretamente chamada de rosa brilhante ou rosa vívido.
Esta cor também é conhecida como "carmim", "rosa-choque" ou "fuchsia". É uma cor geralmente relacionada à sensualidade e ao sexo feminino. Segundo David Landes o nome deriva da cor do sangue derramado na batalha travada na cidade de mesmo nome, na Itália, em 1859.

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

12 de nov. de 2012

Gosto das palavras de Eugénio de Andrade


Gosto das palavras que sabem a terra, a água,
aos frutos de fogo do Verão,
aos barcos ao vento;
gosto das palavras lisas como seixos,
rugosas como o pão de centeio.
Palavras que cheiram a feno e a poeira,
a barro e a limão, a resina
e a sol .


in "Rosto Precário", Editora Limiar, 1ª edição, Setembro, 1979

11 de nov. de 2012

O vestido de Adélia Prado


No armário do meu quarto 
escondo de tempo e traça meu vestido 
estampado em fundo preto.

É de seda macia desenhada em campânulas
vermelhas à ponta de longas hastes delicadas. 
Eu o quis com paixão e o vesti como um rito, 
meu vestido de amante.

Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido. 
É só tocá-lo, volatiza-se a memória guardada: 
eu estou no cinema e deixo que segurem minha mão. 
De tempo e traça meu vestido me guarda.

10 de nov. de 2012

Mussaenda-rosa, Mussaenda-arbustiva, Mussaenda-rosa-arbustiva









 


Mussaenda L. é um género botânico pertencente à família Rubiaceae.

Espécies:

Mussaenda alicia

Mussaenda erythrophylla

Mussaenda frondosa

Mussaenda incana

Mussaenda philippica

Arbusto vigoroso de textura semi-lenhosa, e de aparência compacta.

CLIMA: Pouco tolerante ao frio, é uma planta indicada para regiões tropicais.

FLORES: Produz muitas na primavera e verão, inflorescências, com flores pequenas, discretas e amarelas e sépalas grandes de cor rósea e salmão, branco, vermelho, amarelo.

Pode ser cultivada em vasos, isolada ou em grupos no jardim. Seu porte pode atingir 2 a 3 metros.

A mussaenda aprecia solos ricos em matéria orgânica e irrigados regularmente. Deve ser cultivada a pleno sol. Multiplica-se por estacas postas a enraizar em locais protegidos.

Pobreza de Clarice Lispector


Fernand Pelez


Fernand Pelez
Fernand Pelez


Fernand Pelez

Porque na pobreza de corpo e espírito eu toco na santidade, eu que quero sentir o sopro do meu além. Para ser mais do que eu, pois tão pouco sou.



9 de nov. de 2012

Jasmim-manga, Árvore-pagode, Frangipane, Jasmim-de-caiena, Jasmim-de-São-José, Jasmim-do-Pará, Plumélia, Plumeria rubra








Sonetos que não são de Hilda Hilst

Henri Rousseau - Sonho


Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

8 de nov. de 2012

laranja, amarelo, arancio, giallo,taronja, groc, orange, jaune, aurei, flavi, portocaliu, galben













Canção da alma caiada de Antonio Cicero



Aprendi desde criança

Que é melhor me calar

E dançar conforme a dança

Do que jamais ousar

Mas às vezes pressinto

Que não me enquadro na lei:

Minto sobre o que sinto

E esqueço tudo o que sei.

Só comigo ouso lutar,

Sem me poder vencer:

Tento afogar no mar

O fogo em que quero arder.

De dia caio minh'alma

Só à noite caio em mim

por isso me falta calma

e vivo inquieto assim.

7 de nov. de 2012

Mulheres de Débora Siqueira Bueno

Burne Jones

Muitas mulheres juntas 

fazem alarido, 

segredos e risos 

são compartilhados, 

cochichando ao ouvido 

todos os detalhes. 

Juntas, mulheres contam 

amores vividos, 

feridas sofridas, 

pequenos pecados, 

casos engraçados. 

Tanta autonomia 

e tanto falar, 

parecem bastar-se, 

muito satisfeitas. 


Quando silenciam 

e vem a acalmia, 

surge um vazio – 

não é de tristeza, 

nem do que é perdido 

no ir e vir da vida. 

Quando aquietam, 

percebem a falta 

de deitar no ombro 

de um companheiro 

que só com seus braços 

lhes vista o corpo. 


É então que surge 

o recolhimento – 

se voltam pra dentro, 

buscam aquele homem 

que deita ao seu lado, 

ou vive encantado 

em recanto oculto 

de sua memória. 


A chave 

da porta secreta 

que leva ao espelho 

que as fez mulheres 

(quem por uma vez 

nele se enxergou, 

muito bem sabe) 

nunca é perdida.


Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...