23 de jan. de 2013

Nova poética de Manuel Bandeira


Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito,
Saí um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama: 
É a vida

O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.

Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.


22 de jan. de 2013

O poema que tomou o lugar de uma montanha de Wallace Stevens


Ei-lo, palavra por palavra,
O poema que tomou o lugar de uma montanha.
Ele respirava no seu oxigênio,
Mesmo quando o livro jazia voltado sobre o pó da mesa.
Recordava-lhe o quanto tinha precisado
De um destino para o seu próprio rumo,
Como tinha reordenado os pinheiros,
Movido as pedras e escolhido um caminho por entre as nuvens,
Pela perspectiva que mais lhe convinha
Onde se acharia inteiro numa inexplicada inteireza:
A exata rocha onde as suas inexatidões,
Descobririam, por fim, a vista para a qual tinham avançado,
Onde poderia deitar-se, fitando o mar lá em baixo,
E reconhecer a sua única e solitária casa.


21 de jan. de 2013

Poesia de Livia Garcia Roza

foto: Roberto Kusterle

Poesia é voar para dentro.


Quando os meus olhos de Mario Quintana



Grupo Matizes 

Quando os meus olhos de manhã se abriram, 
Fecham-se de novo, deslumbrados: 
Uns peixes, em reflexos doirados, 
Voavam na luz: dentro da luz sumiram-se 

Rua em rua, acenderam-se os telhados.
Num claro riso as tabuletas riram.
E até no canto onde os deixei guardados
Os meus sapatos velhos refloriram.

Quase que eu saio voando céu em fora!
Evitemos, Senhor, esse prodígio... 
As famílias, que haviam de dizer?

Nenhum milagre é permitido agora...
E lá se iria o resto de prestígio
Que no meu bairro eu inda possa ter!...


20 de jan. de 2013

Las Simples Cosas de Armando Tejada Gómez e César Isella


Uno se despide
incensiblemente de pequeñas cosas
lo mismo que un arbol
que en tiempo de otoño se queda sin hojas
que al fin la tristeza es la muerte lenta de las simples cosas
esas cosas simples que quedan doliendo en el corazón

Uno vuelve siempre a los mismos sitios donde amo la vida
y entonces comprende como estan de ausentes las cosas queridas
por eso muchacha no partas ahora soñando el regreso
que el amor es simple y a las cosas simples las debora el tiempo
demorate a ti, en la luz solar de este medio dia
donde encontraras con el pan al sol la mesa tendida
por eso muchacha no partas ahora soñando el regreso
que el amor es simple y a las cosas simples las debora el tiempo

Uno vuelve siempre a los viejos sitios donde amo la vida...

http://www.youtube.com/watch?v=Gks8Dq0-YVQ

Claridade de Livia Garcia Roza

Jana Joana Vitche


Em cada escrito procuro uma claridade.


Tomasz Gudzowaty, fotógrafo polonês








O fotógrafo polonês Tomasz Gudzowaty registrou um treinamento de kung fu de monges budistas do famoso templo Shaolin, na China.
Momentos de meditação, equilíbrio e força foram captados pelas lentes de Gudzowaty.
Para os budistas, o templo Shaolin é o berço da tradição religiosa Chan, linha que busca cultivar a mente e o espírito através da meditação profunda.
O monastério foi fechado durante Revolução Cultural do governo Mao Tsé-Tung. Mas na década de 80, o templo foi reaberto como um centro de treinamento de Kung Fu e também tornou-se atração turística.
Em 2010, o templo entrou na lista de Patrimônios da Humanidade pela Unesco.

19 de jan. de 2013

Copo de leite









Vida Sempre de Casimiro de Brito



Entre a vida e a morte há apenas 
o simples fenómeno 
de uma subtil transformação. A morte 
não é morte da vida. 
A morte não é inação, inutilidade. 
A morte é apenas a face obscura, 
mínima, em gestação 
de uma viagem que não cessa de ser. Aventura 
prolongada 
desde o porão do tempo. Projectando-se 
nas naves inconcebíveis do futuro. 

A morte não é morte da vida: apenas 
novas formas de vida. Nova 
utilidade. Outro papel a desempenhar 
no palco velocíssimo do mundo. Novo ser-se (comércio 
do pó) e não se pertencer. 
Nova claridade, respiração, naufrágio 
na maquina incomparável do universo. 

Casimiro de Brito, in "Solidão Imperfeita"

18 de jan. de 2013

Soneto à maneira de Camões de Sophia de Mello Breyner Andresen

imagem: Vilhelm Hammershoi   Femme dan un interieur -1905

Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é meu tormento.

Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês - pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.

Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.

in Coral, 1950

17 de jan. de 2013

At the heart of it all de Rui Pires Cabral


Amigo, a longa noite sempre acaba
e por vezes é tão triste acordar e perceber
que juntos fizemos o solitário caminho
para o escuro de cada um. Como nos apela
essa travessia incerta pelo avesso de um desesperado
desejo de viver. Ao início há outro modo de encanto

que, uma vez esgotado, de novo se refaz:
sofreremos em comum o nosso tempo na cidade
e tudo o que dele pudermos compartir: a música,
a esquiva beleza de um verso, o sentimento
das coisas que entretanto perdemos
ou nunca chegámos a ter. Mas tu bem sabes

que a última canção desemboca fatalmente
no silêncio mais cruel – o que trazemos connosco
e não podemos sanar. Abre por fim a janela,
repudia outra vez o cansado mundo e o dia
que gastámos de antemão nessa funda vontade
de não estar, nada ser, nada sentir.


Rui Pires Cabral, Longe da Aldeia, Averno, 2005.

16 de jan. de 2013

Olivier Föllmi, fotografia









« La photographie n'est pas un but mais un moyen pour m'impliquer dans l'harmonie du monde. »  Olivier Föllmi, né en 1958 à Saint-Julien-en-Genevois, França.

15 de jan. de 2013

A primeira vez de Livia Garcia Roza




A primeira vez que você me viu disse que meu interior devia ser de um azul lindíssimo onde deviam brincar borboletas, esquilos gatos e passarinhos, onde nasciam e floresciam flores silvestres, onde o sol de verão brilhava e às vezes ofuscava, e o vento era brisa e vendaval, e as chuvas eram rápidas e limpas.... Aí seu celular tocou e você foi embora. Correndo.

Orquídea Sandália de Venus", "Sapatinho", Pafiopédilo




















Não: não digas nada! de Fernando Pessos

Não: não digas nada! 
Supor o que dirá 
A tua boca velada 
É ouvi-lo já 

É ouvi-lo melhor 
Do que o dirias. 
O que és não vem à flor 
Das frases e dos dias. 

És melhor do que tu. 
Não digas nada: sê! 
Graça do corpo nu 
Que invisível se vê. 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

14 de jan. de 2013

Sonho de Adélia Prado


Eu tive um sonho esta noite que não quero esquecer,
por isso o escrevo tal qual se deu:
era que me arrumava pra uma festa onde eu ia falar.
O meu cabelo limpo refletia vermelhos,
o meu vestido era num tom de azul, cheio de panos, lindo,
o meu corpo era jovem, as minhas pernas gostavam
do contato da seda. Falava-se, ria-se, preparava-se.
Todo movimento era de espera e aguardos, sendo
que depois de vestida, vesti por cima um casaco
e colhi do próprio sonho, pois de parte alguma
eu a vira brotar, uma sempre viva amarela,
que me encantou por seu miolo azul, um azul
de céu limpo sem as reverberações, de um azul
sem o "z", que o "z" nesta palavra tisna.
Não digo azul, digo bleu, a ideia exata
de sua maciez. Pus a flor no casaco
que só para isto existiu, assim como o sonho inteiro.
Eu sonhei uma cor.
Agora, sei.

13 de jan. de 2013

Neves Torres, pintor naif











Neves Torres - 1932, Conselheiro Pena – MG
Viveu a sua infância em pequenas cidades do interior de Minas: Conselheiro Pena, Mantena, morando também na zona rural.
Em 1949, mudou-se para Mutum – MG. Trabalhou como mecânico, motorista, tratorista até comprar um pequeno sítio. Nesse sítio como lavrador, plantava café e cultura de subsistência. Lembranças dessa fase da sua vida, estão hoje retratadas em sua obra.
Em 1963 ficou viúvo e deixou o sítio, voltando a morar com os filhos em Mutum, onde voltou a trabalhar como tratorista.
Trabalhou vários anos em fazendas da região até decidir mudar para Vitória- ES. Morando em Vitória, trabalhou com serralheria por um período e depois, voltou ao ofício de tratorista. Nessa profissão, ficou até se aposentar.
Depois de se aposentar, procurou uma atividade nova para se distrair. Num grupo de amigos, algumas pessoas faziam pintura em tecido. Resolveu experimentar e pintou alguns panos de prato.
Um dia comentou com seu filho que tinha vontade de pintar tela. Seu filho se propôs a ensiná-lo, e depois de pintar dois quadros com seu filho, começou a pintar sozinho, em 2007. E desde o início mostrou uma maneira muito pessoal de pintar.
Em 2008, enviou seus trabalhos para a Bienal Naif de Piracicaba e na sua primeira participação foi um dos artistas selecionados, tendo seu trabalho no catálogo da Bienal.
Dois anos mais tarde, 2010, participou novamente da Bienal Naif e desta vez recebeu o prêmio de aquisição.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...