13 de dez. de 2016

Estou Tonto :: Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

Estou tonto, 
Tonto de tanto dormir ou de tanto pensar, 
Ou de ambas as coisas. 
O que sei é que estou tonto 
E não sei bem se me devo levantar da cadeira 
Ou como me levantar dela. 
Fiquemos nisto: estou tonto.

Afinal 
Que vida fiz eu da vida? 
Nada. 
Tudo interstícios, 
Tudo aproximações, 
Tudo função do irregular e do absurdo, 
Tudo nada. 
É por isso que estou tonto ...

Agora 
Todas as manhãs me levanto 
Tonto ...

Sim, verdadeiramente tonto... 
Sem saber em mim e meu nome, 
Sem saber onde estou, 
Sem saber o que fui, 
Sem saber nada.

Mas se isto é assim, é assim. 
Deixo-me estar na cadeira, 
Estou tonto. 
Bem, estou tonto. 
Fico sentado 
E tonto, 
Sim, tonto, 
Tonto... 
Tonto.


10 de dez. de 2016

Clarice Lispector


Solidão é ter apenas o destino humano.

A Paixão segundo G. H



Registrada como Chaya Pinkhasovna Lispector (em russo Хая Пинхасовна Лиспектор), Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920 na aldeia de Chechelnyk, região da Podólia, então parte da República Popular da Ucrânia e hoje parte da moderna Ucrânia.

6 de dez. de 2016

Desato :: Viviane Mosé

É preciso fritar o arroz bastante antes de jogar água fervendo. 
E não pode mexer jamais depois de a água ser posta. 
O alho deve fritar no óleo junto com o arroz.

Coisas que eu sei e que não. Eu sei muitas coisas. 
Faxina por exemplo. Sei limpar uma casa de tal modo 
Que não sobra um canto que não tenha sido tocado 
Por minhas mãos. 
Depois vou sujando. Com muito gosto. 
Deixo peças na sala e louças sujas na pia. 
Não na mesma hora mas um pouco 
Bastante depois volto limpando. 
Assim me faço. 
Nos objetos que me acompanham. 

Gosto de andar nas ruas e comprar coisas 
Que vão se arrumando em torno de mim. 
Tenho muitas coisas, quero dizer, tenho muitas camadas. 
Uma camada de livros outra de sapatos. 
Tem a camada de plantas. E toalhas de rosto. 
Tenho camadas de cosméticos e de adereços. 
Uma camada de nomes e de coisas que vejo. 
Tudo ordenado ao meu redor. Em forma de corpo. 
Um corpo que me sustenta quando o meu próprio me falta. 

Cadeiras são meus ossos. Sapatos são meus braços. 
Torneiras em meus poros. Paredes como roupas de inverno. 
(Quando toca música em minha casa sai do umbigo) 

Descanso recostada nas paredes da casa 
Que me guardam como um abraço. 
Me abraço quando me derramo na sala. 
E na cozinha. Em geral adormeço no quarto. 

Tudo em minha casa tem existência. 
Todas as coisas significo. 
Com os olhos. Ou com as mãos. 
Minha casa tem silêncios 
Que às vezes ouço. Em meu corpo 
Tem silêncios maiores ainda. 
Que às vezes ouço. E faço poemas. 
Faço poemas dos silêncios que ouço. 

5 de dez. de 2016

O Novo Colosso :: Emma Lazarus 1849-1887

Não como o gigante bronzeado de grega fama,
Com pernas abertas e conquistadoras a abarcar a terra
Aqui nos nossos portões banhados pelo mar e dourados pelo sol, se erguerá
Uma mulher poderosa, com uma tocha cuja chama
É o relâmpago aprisionado e seu nome
Mãe dos Exílios. Do farol de sua mão
Brilha um acolhedor abraço universal; Os seus suaves olhos
Comandam o porto unido por pontes que enquadram cidades gémeas.
 “Mantenham antigas terras sua pompa histórica!” grita ela
Com lábios silenciosos “Dai-me os seus fatigados, os seus pobres,
As suas massas encurraladas ansiosas por respirar liberdade
O miserável refugo das suas costas apinhadas.
Mandai-me os sem abrigo, os arremessados pelas tempestades,
Pois eu ergo o meu farol junto ao portal dourado.”.


o poema "O Novo Colosso" está gravado em uma placa de bronze presa no pedestal da Estátua da Liberdade.

O trenzinho do caipira :: Ferreira Gullar Ferreira Gullar - pseudônimo de José Ribamar Ferreira (10 de setembro de 1930, São Luís, Maranhão - 4 de dezembro de 2016)


Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo mar
Cantando pela serra o luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar...


Lá vai o trem com o menino

Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo mar
Cantando pela serra o luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar..

2 de dez. de 2016

O Unicórnio :: Anne Morrow Lindbergh


O Unicórnio está imóvel,
contemplando,
resignado;
impassível, menos por seu chifre;
continua vivo em seu chifre;
horizontalmente, 
preso;
perpendicularmente,
livre.
Como prisioneiro,
que contempla o céu à noite
e desdenha da prisão imposta
por grades e muros,
observando a imensa liberdade
da noite estrelada,
e encontra ali a sua felicidade:
então, o unicórnio
está livre.
O que é liberdade?
Aqui vive o Unicórnio,
cativo:
mas livre.

imagem: O unicórnio em cativeiro
1495-1505
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...