22 de jul. de 2012

Friedensreich Hundertwasser





Friedrich Stowasser (Viena, 15 de dezembro de 1928 — a bordo do RMS Queen Elizabeth 2, 19 de fevereiro de2000) no oceano Pacífico, próximo da Nova Zelândia) foi um artista austríaco de muitos talentos. Sua áreas de conhecimento foram a pintura e a arquitetura, sendo de grande influência na arquitetura orgânica moderna.

21 de jul. de 2012

Diadorim

Arlindo Daibert Amaral (Juiz de Fora, 1952 - São Paulo, 1993) 

Projeção estereográfica






Em geometria, com aplicações em cartografia, a projeção estereográfica é um tipo de projeção em que a superfície de uma esfera é representada sobre um plano tangente a ela, utilizando-se como origem um ponto diametralmente oposto ao ponto de tangência daquele plano com a esfera.

fonte: Wikipédia

20 de jul. de 2012

Dez chamamentos ao amigo de Hilda Hilst

Não é apenas um vago, modulado sentimento
O que me faz cantar enormemente
A memória de nós. É mais. É como um sopro
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso
É como se a despedida se fizesse o gozo
De saber
Que há no teu todo e no meu, um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus.
Não é apenas vaidade de querer
Que aos cinqüenta
Tua alma e teu corpo se enterneçam
Da graça, da justeza do poema. É mais.
E por isso perdoa todo esse amor de mim
E me perdoa de ti a indiferença.

19 de jul. de 2012

Lótus




Solidão: a crônica sem destino de Roberto da Matta


A solidão tem muito com a vida e muito com a morte. Os mortos estão sós e são abandonados. Devem estar dormindo profundamente, como disse Manuel Bandeira. Por algum tempo eles detêm toda a nossa atenção, mas são em seguida abandonados. E esquecidos.
São entregues, sob o brilho das nossas lágrimas, a si mesmos e ao cosmos cuja totalidade não temos condições de abranger. Ao nos aproximarmos deles desmentimos radicalmente a boutade segundo a qual "de perto ninguém é normal", porque eles não são mais ninguém e são agora de todos. Viram memórias, tornam-se lembranças e saudade. Saudades cheias de luz. Uma luz fugidia e opaca. Todos os segundos e dias de suas vidas são especiais, como disse o Thornton Wilder de "Nossa cidade". Sua normalidade impressiona pelo silêncio e pela mais completa perfeição. O sono profundo é um pedaço do seu mistério.
Aliás, não há condenação mais ambígua do que a morte, exceto o exílio (ou a morte social), que, como revelou o magnífico historiador Fustel de Coulanges, era pior do que a morte entre os antigos romanos. E talvez seja assim entre nós, igualmente romanos quando damos mais importância às relações do que às pessoas, e não o contrário.
Entre os fatos maiores da morte e, para além dela, do morto amado que leva um pedaço do nosso coração senão toda a nossa alma ou uma de nossas pernas, jaz um mistério: para onde foi aquela vitalidade que tem como centro a necessidade de falar, trocar, cantar, escrever, construir e comunicar? De dizer como foi, como acontece nas grandes aventuras, experiências e viagens? Como é horrível para nós, vivos e predestinados a ser, um dia, esse morto, o mutismo inviolável dessa experiência que transforma a pessoa em mais uma estrela.
Espantoso como a morte — a mais importante experiência humana — seja, por isso mesmo, a única que jamais pode ser socialmente compartilhada. Dai a sua tremenda negação em toda as culturas e sociedades, em todas as crenças e ideologias.
"Força", dizem os amigos nos olhando de esguelha e já pedindo licença para sair de perto. "Foi desta para melhor", dizem outros consolando e negando veementemente o fato de que estamos todos condenados a algo pior do que o inferno, pois sofremos sem saber por que. Temos uma descabida consciência das ferramentas do sofrimento — rejeição, injustiça, ódio, descaso, inveja, esquecimento, para não falar das mais variadas formas de doença, agressão e acidentes em suas mais temíveis combinações —, mas não nos é dado conhecer os fins. As causas e os motivos que levaram de nossa humilde esfera de vida um ente querido que, afinal de contas, importava mais para nós do que para todos os outros. Essa pessoa que tinha mais valor do que todas as barras de ouro e era mais amada do que todos os poderosos somados juntos. Assaltados, como a bíblica caravana, por ladrões infames e jamais detidos como o mal de Parkinson, o de Alzheimer e outras enfermidades cujo nome grandioso é sinal de sofrimentos inenarráveis, nos deparamos com a inconsistência entre o poder da doença e a fragilidade do doente tão tímido, tão pequenino, tão sereno, tão celestial na sua banal, frágil e corajosa inocência humana e o pomposo e estranho nome do funesto atacante. Espantoso descobrir alguém que compartilha de nossa vida, tendo a sua vida afligida por essas doenças impronunciáveis.
A solidão tem um sintoma trivial. Você é testemunho do seu próprio choro e não deseja (porque não precisa) que ninguém lhe veja chorando. O choro do amor é para o outro — quem quer que seja esse outro. O choro da solidão é para dentro e para esse outro que vive em você. É a prova de que somos muitos e que o tão desdenhado corpo é quem tem o duro papel de juntar em si todos esses atores. Temos muitos demônios e anjos interiores, mas um só palco e um só cenário dentro do qual eles podem se manifestar. Na pior situação, o corpo deve surgir uniformizado. Com as emoções mais dispares devidamente orquestradas e reveladas (ou não) por um corpo que é instrumento, ator e palco de tudo que passamos. A alma em frangalhos, o corpo sereno. Ajoelhado, como manda o figurino cristão. Ou o corpo em frangalhos e a alma serena no seu perpetuo dialogo com todos os seus demônios.
Outro dado estranho da solidão é não se sentir sozinho. Parece paradoxal, mas não é. Um torcedor do Fluminense no meio da torcida do Flamengo é a pessoa mais solitária do universo. Se o diálogo que você tem com os seus outros for positivo; se você fala com todas essas estranhas criaturas que estão dentro de você, inclusive e sobretudo com os seus mortos e doentes, a solidão lhe trás uma estranha paz. A paz de Deus é a melhor metáfora para esse sentimento que chega com a vida na sua plenitude. Numa conversa franca com você mesmo como bandido, como covarde, como ignorante, como invejoso, como sovina, como boquirroto, e como renegado. Você apara suas arestas, acerta suas contas e entra em contato com aquela outra letra que segue o "A" (do amor) e o "B" (da bênção). Refiro-me ao "C" que escreve coração e compaixão. Porque sem compaixão, amigos, não há serenidade nem só nem acompanhado. Amém.

18 de jul. de 2012

Barco

foto: Pedro Martinelli

Fada dos dentes



Há uma tradição em Portugal, Brasil, Canadá, em parte do Reino Unido e nos Estados Unidos e noutros países europeus, segundo a qual a "Fada do Dente" viria à noite para trocar o "dente de leite", colocado sob o travesseiro de uma criança, por uma moeda ou um pequeno presente.

Histórias sobre a Fada do Dente circulam desde o início do século XX, embora ninguém saiba sua origem exata. Todavia, trocar "dentes de leite" por presentes é algo que remonta aos vikings, mais de mil anos atrás.

17 de jul. de 2012

Teus olhos de Octavio Paz

Michelangelo

Teus olhos são a pátria do relâmpago e da lágrima, 
silêncio que fala, 
tempestades sem vento, mar sem ondas, 
pássaros presos, douradas feras adormecidas, 
topázios ímpios como a verdade, 
outono numa clareira de bosque onde a luz canta no ombro 
duma árvore e são pássaros todas as folhas, 
praia que a manhã encontra constelada de olhos, 
cesta de frutos de fogo, 
mentira que alimenta, 
espelhos deste mundo, portas do além, 
pulsação tranquila do mar ao meio-dia, 
universo que estremece, 
paisagem solitária. 

Octavio Paz, in "Liberdade sob Palavra" 
Tradução de Luis Pignatelli

16 de jul. de 2012

Beija-flores de Emily Dickinson


As cartas que eu escrevo

A esta não comparo -
Sílabas de Veludo -
Sentenças de Pelúcia,
Fundos de Rubi, cheios,
Lapa, Lábio, a Ti -
Sê qual um Colibri -
Que - me - bebericasse

15 de jul. de 2012

O homem velho de Caetano Veloso



O homem velho deixa a vida e morte para trás
Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais
O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais
O homem velho é o rei dos animais

A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol
As linhas do destino nas mãos a mão apagou
Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock'n'roll
As coisas migram e ele serve de farol

A carne, a arte arde, a tarde cai
No abismo das esquinas
A brisa leve traz o olor fulgaz
Do sexo das meninas

Luz fria, seus cabelos têm tristeza de néon
Belezas, dores e alegrias passam sem um som
Eu vejo o homem velho rindo numa curva do caminho de Hebron
E ao seu olhar tudo que é cor muda de tom

Os filhos, filmes, ditos, livros como um vendaval
Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal
Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual
Já tem coragem de saber que é imortal

14 de jul. de 2012

O conto da ilha desconhecida de José Saramago (parte)

(...)  nem seria preciso dizer o que ele pensou, É bonita, mas o que ela pensou, sim, Vê-se bem que só tem olhos para a ilha desconhecida, aqui está como as pessoas se enganam nos sentidos do olhar, sobretudo ao princípio. Ela entregou-lhe uma vela, disse, Até amanhã, dorme bem, ele quis dizer o mesmo doutra maneira, Que tenhas sonhos felizes, foi a frase que lhe saiu, daqui a pouco, quando lá estiver em baixo, deitado no seu beliche, vir-lhe-ão à ideia outras frases, mais espirituosas, sobretudo mais insinuantes, como se espera que sejam as de um homem quando está a sós com uma mulher. Perguntava-se se já dormiria, se teria tardado a entrar no sono, depois imaginou que andava à procura dela e não a encontrava em nenhum sítio, que estavam perdidos os dois num barco enorme, o sonho é um prestidigitador hábil, muda as proporções das coisas e as suas distâncias, separa ás pessoas, e elas estão juntas, reúne-as, e quase não se vêem uma à outra, a mulher dorme a poucos metros e ele não soube como alcançá-la, quando é tão fácil ir de bombordo a estibordo.(...)

12 de jul. de 2012

Dos Gardenias - Buena Vista Social Club


Dos gardenias para ti
Con ellas quiero decir:
Te quiero, te adoro, mi vida
Ponles toda tu atención
Que seran tu corazón y el mio

Dos gardenias para ti
Que tendrán todo el calor de un beso
De esos besos que te dí
Y que jamás te encontrarán
En el calor de otro querer

A tu lado vivirán y se hablarán
Como cuando estás conmigo
Y hasta creerán que se diran:
Te quiero.

Pero si un atardecer
Las gardenias de mi amor se mueren
Es porque han adivinado
Que tu amor me ha traicionado
Porque existe otro querer.

Livro de Cabeceira


11 de jul. de 2012

É fácil desistir de nossos sonhos de Contardo Calligaris

Leonid Afremov

(...) O fato é que somos complacentes com as expectativas dos outros (que amamos ou não) à condição que elas nos convidem a desistir de nosso desejo. É isso mesmo, a frase que precede não saiu errada: adoramos nos conformar (ou nos resignar) às expectativas que mais nos afastam de nossos sonhos. Aparentemente, preferimos ser o romancista potencial que foi impedido de mostrar seu talento a ser o romancista que tentou e revelou ao mundo que não tinha talento. Desistindo de nossos sonhos, evitamos fracassar nos projetos que mais nos importam.
Em suma, da próxima vez que você se queixar de que seu casal afasta você de seus sonhos, lembre-se: foi você quem o escolheu.
E mais um conselho: se você encontrar alguém disposto a caminhar na chuva do seu lado, não fuja; molhe-se.

fonte: Folha de São Paulo, quinta-feira, 07 de julho de 2011

10 de jul. de 2012

Silêncio


Duermen en mi jardin
las blancas azucenas, los nardos y las rosas,
Mi alma muy triste y pesarosa
a las flores quiere ocultar su amargo dolor.

Yo no quiero que las flores sepan
los tormentos que me da la vida.
Si supieran lo que estoy sufriendo
por mis penas llorarían también.

Silencio, que están durmiendo
los nardos y las azucenas.
No quiero que sepan mis penas
porque si me ven llorando morirán.

Música de Rafael Hernandez e Ibrahim Ferrer

Moça no jardim

imagem: Alice Wellinger

9 de jul. de 2012

Canto de um Povo de um Lugar - Caetano Veloso


Egon Schiele


Todo dia o sol levanta
E a gente canta
Ao sol de todo dia

Fim da tarde a terra cora
E a gente chora
Porque finda a tarde

Quando a noite a lua mansa
E a gente dança
Venerando a noite

Madrugada, céu de estrelas
E a gente dorme
sonhando com elas.

Mosaico


8 de jul. de 2012





"Esta planta é mui tenra e não muito alta, não tem ramos senão umas fôlhas que serão seis ou sete palmos de comprido. A fruita se chama banana. Parecem-se na feição com pepinos e criam-se em cachos. (...) Esta fruta é mui saborosa, e das boas, que há na terra: tem uma pele como de figo (ainda que mais dura) a qual lhe lançam fora quando a querem comer: mas faz dano à saúde e causa fevre a quem se demanda dela" 
In: GANDAVO, Pero de Magalhães, ?-1579 Historia da prouincia sa[n]cta Cruz a que vulgarme[n]te chamam Brasil / feita por Pero Magalhães de Gandauo, dirigida ao muito Illsre s[e]nor Dom Lionis P[ereir]a gouernador que foy de Malaca e das mais partes do Sul na India. - Impresso em Lisboa : na officina de Antonio Gonsaluez : vendense em casa de Ioão lopez liureiro na rua noua, 1576. - 48 f. : il. ; 4º (18 cm)

7 de jul. de 2012

Amor, então de Paulo Leminski



Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.


6 de jul. de 2012

Assim o amor de Sophia de Mello Breyner Andresen

Pot Pourri de Herbert James Draper (1863 – 22 September 1920) 

Assim o amor
Espantando meu olhar com teus cabelos
Espantando meu olhar com teus cavalos
E grandes praias fluidas avenidas 
Tardes que oscilavam demoradas 
E um confuso rumor de obscuras vidas 
E o tempo sentado no limiar dos campos 
Com seu fuso sua faca e seus novelos 
Em vão busquei eterna luz precisa

in Geografia, 1967

4 de jul. de 2012

Onde mora a Felicidade de Fabrício Carpinejar



Aos 106 anos, Felicidade mora sozinha, paga as contas e ainda tem tempo para sonhar e se reinventar. Fotos Tadeu Vilani.


A Felicidade mora na Rua João Goulart, em Santana do Livramento, cidade de 83 mil habitantes, a 487 quilômetros de Porto Alegre, na fronteira com o Uruguai.
Ela tem um rostinho de violeta, de vaso miúdo, o andar curvado e a bondade brilhosa de pele. Calça sapatos pretos com meia calça e seus cabelos grisalhos são espetados.
– Fiquei magrinha, mirrada, terminou o sangue, a carne, sou só osso e olho.
Felicidade Camargo Machado completou 106 anos. Reside sozinha, paga as próprias contas com o dinheirinho da viuvez, varre o pátio, prepara sua comida e não precisa de mais ninguém.
– Quando casei, não podia sair. Ou tinha que cuidar dos filhos ou do marido. Hoje saio de qualquer jeito: não fico mais presa por homem nenhum.
Felicidade não sabe ler nem escrever, mas é de uma sabedoria aforística, como se fosse uma página perdida do Evangelho.
– Já tive tempo de aprender tudo, desaprender tudo e agora estou aprendendo de novo.
Felicidade é a única sobrevivente dos 15 irmãos.
– Semente solitária, a última para fechar plantação.
Felicidade é um anjo que sobreviveu ao inferno. Seu marido Ernesto foi pego em flagrante com mulher casada e assassinado pelo homem traído.
– Perdi o jeito de rir de tanto sofrimento. Vou rir por engano.
Felicidade diz que os pássaros deram para entrar pela janela da sala.
– Até pareço flor com mel.
Felicidade estragou a certidão de nascimento, guarda pedaços colados com manteiga numa tabuinha.
Felicidade passou a vida inteira trabalhando como lavadeira. Atendia 10 famílias na cidade. Suas mãos espumam.
– O tanque de pedra é meu conselheiro.
Ela detesta máquina de lavar, nunca teve, nunca terá. Alimenta manhas de seu ofício. Conserva todas as barras amarelas de sabão no mesmo pote, no aproveitamento total das sobras.
– Quando acaba o fim, posso inventar novo fim com as paredes do sabão no vidro.
Felicidade é do tempo que se lavava roupas no rio. E andava com trouxas na cabeça.
– Gosto de trabalhar à moda de céu aberto. Já andei pelas campanhas sem fim do pago. No Rio Grande tudo é mais fácil de existir.
Felicidade tem forças sigilosas nas veias. Soca, duro, as camisas, esfrega, bate o pano com violência. É uma boxeadora dos botões.
– A limpidez vem do movimento da água.
Felicidade é poeta e nunca leu um livro de poemas.
– Poema é cachorro lambendo meu joelho esfolado.
Felicidade preserva o melhor do dia para ir ao supermercado e conversar com as balconistas. Os estranhos ensinaram a se cuidar mais do que seus familiares.
– As gurias são minhas colegas de escola.
Felicidade existe? Às vezes acho que estou delirando e ela é sonho avulso de uma criança ou uma adolescente extraviada em alguma velhice.
Felicidade mora dentro de uma casa de madeira que fica dentro de uma casa de alvenaria. Ao invés da tradicional reforma, construiu uma casa no interior da outra. A porta antiga da frente abre para o quarto.
– Assim que somos: a infância dentro do adulto.
Felicidade acorda ao meio-dia e se acende de madrugada. Limpa os móveis ouvindo Roberto Carlos. Prefere banho de bacião e o luxo de despejar canecas de água quente no corpo. Aprecia um churrasquinho com bolacha maria e café preto.
Felicidade é esquisita de bonita. Não lembra as pessoas. E não sofre com isso.
– Sorte delas que lembro de mim para poder conversar.
Felicidade põe pinturinha nas mãos para assistir à novela e acenar aos artistas da tela.
Felicidade passeia com sua bolsa de croché pela Praça Internacional.
Felicidade é.
– Estou feliz para ser feliz um dia.

Publicado no jornal Zero Hora 5/12/2011 Porto Alegre, Edição N° 16933

3 de jul. de 2012

Da Vocação






Na vocação para a vida está incluído o amor, inútil disfarçar, amamos a vida. E lutamos por ela dentro e fora de nós mesmos. Principalmente fora, que é preciso um peito de ferro para enfrentar essa luta na qual entra não só fervor mas uma certa dose de cólera, fervor e cólera. Não cortaremos os pulsos, ao contrário, costuraremos com linha dupla todas as feridas abertas. E tem muita ferida porque as pessoas estão bravas demais, até as mulheres, umas santas, lembra?
Costurar as feridas e amar os inimigos que odiar faz mal ao fígado, isso sem falar no perigo da úlcera, lumbago, pé frio. Amar no geral e no particular e quem sabe nos lances desse xadrez-chinês imprevisível. Ousar o risco. Sem chorar, aprendi bem cedo os versos exemplares, não chores que a vida/ é luta renhida. Lutar com aquela expressão de criança que vai caçar borboleta, ah, como brilham os olhos de curiosidade. Sei que as borboletas andam raras mas se sairmos de casa certos de que vamos encontrar alguma… O importante é a intensidade do empenho nessa busca e em outras. Falhando, não culpar Deus, oh! por que Ele me abandonou? Nós é que O abandonamos quando ficamos mornos. Quando a vocação para a vida começa a empalidecer e também nós, os delicados, os esvaídos. Aceitar o desafio da arte. Da loucura. Romper com a falsa harmonia, com o falso equilíbrio e assim, depois da morte – ainda intensos – seremos um fantasminha claro de amor.”

fragmento de  A disciplina do amor, Lygia Fagundes Telles

2 de jul. de 2012

Mistério do Planeta - Novos Baianos


Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso
Jogando meu corpo no mundo
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto
Passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas
Passado, presente
Participo sendo o mistério do planeta
O tríplice mistério do stop
Que passo por e sendo ele
No que fica em cada um
No que sigo o meu caminho
E no ar que fez que assistiu
Abra um parênteses
Não se esqueça
Que independente disso
Eu não passo
De um malandro
De um moleque do Brasil
Que peço e dou esmolas
Mas ando e penso sempre
Com mais de um
Por isso ninguém vê
Minha sacola

1 de jul. de 2012

Trégua de Adélia Prado


Hoje estou velha como quero ficar.
Sem nenhuma estridência.
Dei os desejos todos por memória
e rasa xícara de chá.

29 de jun. de 2012

Os Mistérios do Ofício de Anna Akhmátova

 foto de Renata Alves 
De que servem exércitos de canções
e o encanto das elegias sentimentais? 
Para mim, na poesia, tudo tem de ser desmesurado, 
e não do jeito como todo mundo faz. 

Se vocês soubessem de que lixeira 
saem, desavergonhados, os versos, 
como dente-de-leão que brota ao pé da cerca, 
como a bardana ou o cogumelo. 

Um grito que vem do coração, o cheiro fresco de alcatrão, 
o bolor oculto na parede... 
E, de repente, a poesia soa, calorosa, terna, 
Para a minha e tua alegria. 


Tradução de Lauro Machado Coelho


27 de jun. de 2012

A nossa casa de Florbela Espanca


                         imagem: Matizes 
A nossa casa, Amor, a nossa casa! 
Onde está ela, Amor, que não a vejo? 
Na minha doida fantasia em brasa 
Constrói-a, num instante, o meu desejo! 
Onde está ela, Amor, a nossa casa, 
O bem que neste mundo mais invejo? 
O brando ninho aonde o nosso beijo 
Será mais puro e doce que uma asa? 
Sonho... que eu e tu, dois pobrezinhos, 
Andamos de mãos dadas, nos caminhos 
Duma terra de rosas, num jardim, 
Num país de ilusão que nunca vi... 
E que eu moro - tão bom! - dentro de ti 
E tu, ó meu Amor, dentro de mim...

26 de jun. de 2012

Poeminha de Insatisfação Absoluta de Millôr Fernandes



O que me dói 
É que quando está tudo acabado 
Pronto pronto 
Não há nada acabado 
Nem pronto pronto 
Pintou-me a casa toda 
Está tudo limpado 
O armário fechado 
A roupa arrumada 
Tudo belo, perfeito. 
E no mesmo instante 
Em que aperfeiçoamos a perfeição 
Uma lasca diminuta, tênue, microscópica, 
Não sei onde, 
Está começando 
Na pintura da casa 
E as traças, não sei onde, 
Estão batendo asas 
E a poeira, em geral, está caindo invisível, 
E a ferrugem está comendo não sei quê 
E não há jeito de parar. 

in "Pif-Paf"

25 de jun. de 2012

Libélulas


Supreender-se é Começar a Entender de Ortega y Gasset


Surpreender-se, estranhar, é começar a entender. É o desporto e o luxo específico do intelectual. Por isso o seu gesto gremial consiste em olhar o mundo com os olhos dilatados pela estranheza. Tudo no mundo é estranho e é maravilhoso para um par de pupilas bem abertas.
 in 'A Rebelião das Massas'

24 de jun. de 2012

O Mundo Está tão Cheio de Livros como Falto de Verdades de Antonio Vieira


O mundo está tão cheio de livros, como falto de verdades. E oxalá que nos homens fossem de algum modo tantos os frutos, quantas são sem número nos livros as folhas; mas a desgraça é que, por mais que sejam muitos os notadores dos livros, são muito mais os que no mundo vivem notados; e não basta vermos encadernados os livros, para que deixemos de ver desencadernados os homens. Com efeito, são os livros os suores dos homens ou o engenho dos homens; e está o mundo tão emendado, que já ninguém vive do suor alheio.

Padre Antonio Vieira, in "As Sete Propriedades da Alma"

23 de jun. de 2012

Horizontes de Eternidade de Ludwig Wittgenstein

fotografia: Heinrich Zille 
A morte não é um acontecimento da vida. A morte não pode ser vivida. Caso se compreenda por eternidade não uma duração temporal infinita, mas a intemporalidade, quem vive no presente é quem vive eternamente. A nossa vida é tanto mais sem fim quanto mais o nosso campo de visão não tem limites. 
in 'Tratado Lógico-Filosófico'

22 de jun. de 2012

Táctica y estrategia de Mario Benedetti



Mi táctica es
mirarte
aprender como sos
quererte como sos

mi táctica es
hablarte
y escucharte
construir con palabras
un puente indestructible

mi táctica es
quedarme en tu recuerdo
no sé cómo ni sé
con qué pretexto
pero quedarme en vos

mi táctica es
ser franco
y saber que sos franca
y que no nos vendamos
simulacros
para que entre los dos

no haya telón
ni abismos

mi estrategia es
en cambio
más profunda y más
simple
mi estrategia es
que un día cualquiera
no sé cómo ni sé
con qué pretexto
por fin me necesites.
-------------------

Minha tática é
olhar-te
aprender como tu és
querer-te como tu és

minha tática é
falar-te
e escutar-te
construir com palavras
uma ponte indestrutível

minha tática é
ficar em tua lembrança
não sei como nem sei
com que pretexto
porém ficar em ti

minha tática é
ser franco
e saber que tu és franca
e que não nos vendemos
simulados
para que entre os dois

não haja cortinas
nem abismos

minha estratégia é
em outras palavras
mais profunda e mais
simples
minha estratégia é
que um dia qualquer
não sei como nem sei
com que pretexto
por fim me necessites.

(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)

21 de jun. de 2012

Acalifa, Acalifa-macarrão





Vezes Versus Reveses de Paulo Leminski


um flash back 
um flash back dentro de um flash back
um flash back dentro de um flash back de
um flash back 
um flash back dentro do terceiro flash back
a memória cai dentro da memória 
pedraflor na água lisa
tudo cansa (flash back) 
menos a lembrança da lembrança da lembrança
da lembrança

fonte: do livro La Vie en Close

20 de jun. de 2012

Recomeçar de Livia Garcia Roza


A partir de pequenos outonos, pude recomeçar de novo.


MINHA CIDADE SÃO AS PESSOAS de Fabrício Carpinejar


imagem: Paulo Caruso 

O que faz gostar de uma cidade são as pessoas. A amizade é o ponto turístico que resiste ao tempo.
Minha vontade de conhecer mais as praças, os bares e restaurantes depende de alguém emocionado com sua rotina.
Lugarejos ficam atraentes com o entusiasmo de seus moradores. Nem requer grandes monumentos de Antonio Caringi, façanhas arquitetônicas de Álvaro Siza, desenhos de Oscar Niemeyer, paisagens de Burle Marx, mas o cuidado com as singelezas maravilhosas de seu bairro.
O que me seduz é como o morador desenrola o mapa discreto do seu dia a dia. É quando valoriza as quadras de seu mundo, e tem interesse em mostrar onde é o minimercado em que compra suas urgências, a cafeteria que cura sua ressaca, a floricultura que devolve sua esperança no amor.
O arrebatamento surge mais pela ternura do embrulho do que pelo presente. Papel dobrado com fita reflete o dobro de confiança.
A generosidade torna qualquer local agradável, e repõe a gana de voltar. Carisma de garçons salva restaurantes. Simpatia de manicures salva salões. Paciência de atendentes salva lojas.
Não há maior educação do que a alegria.
Sou influenciável pelos personagens comuns que não se esgotam em acordar cedo e falar bem de seus percursos. Fogem do elogio da lamúria. Retiram milagres das repetições.
Os amigos formam minha cidade. As ruas que passo mereceriam nomes das pessoas que amo. Deveria mudar as placas dos logradouros: nada de políticos e celebridades, mas quem é famoso secretamente em meu silêncio.
(...)

fonte: http://carpinejar.blogspot.com/2012/01/minha-cidade-sao-as-pessoas.html

19 de jun. de 2012

A palavra mágica de Carlos Drummond de Andrade


Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.

18 de jun. de 2012

Projeto de prefácio de Mario Quintana


Sábias agudezas... refinamentos...
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.

Aos Namorados do Brasil :: Carlos Drummond de Andrade

Dai-me, Senhor, assistência técnica para eu falar aos namorados do Brasil. Será que namorado algum escuta alguém? Adianta falar a namorados?...