O mundo globalizado volta-se todo para o futuro. A vida imita a urgência das apostas antecipadas que cria as tais bolhas de não-riqueza do capital financeiro. A tecnologia aponta para a superação de todas as descobertas, que já nascem com os dias contados, fadadas à obsolescência. Chamamos de progresso a essa forma de vida breve das coisas, fruto do trabalho humano que envelhece tão rapidamente quanto elas.
O presente é uma partícula mínima de tempo, cada vez mais comprimida entre o que já foi e o que será. A rigor, pensem bem: o presente não existe. O futuro é um lugar gelado onde não vive ninguém, de onde só nos acenam promessas de velocidade. A depender das tecnociências hoje, no futuro nos deslocaremos ainda mais depressa, nos comunicaremos mais depressa, ganharemos e perderemos dinheiro mais depressa – e tentaremos envelhecer mais devagar.
O passado tornou-se o único terreno seguro onde a imaginação pode armar sua tenda e contemplar o mundo em relativa tranqüilidade. Na vida em retrospecto, todas as nossas escolhas teriam sido corretas. Teríamos sido abolicionistas no século XIX, modernistas nos anos 1920, resistentes antifascistas em 1930-40, opositores firmes contra as duas ditaduras brasileiras. O passado nos poupa da dimensão trágica da escolha.
Mas é no presente que o corpo está vivo. No presente é que se jogam os lances de dados do destino. Ele é tudo o que temos – e nos escapa.
Maria Rita Kelh
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