14 de jan. de 2012

Carta de Clarice Lispector para Andrea Azulay


A Andrea Azulay

Rio, 7 de julho de 1974

Andréa de Azulay que é minha filha espiritual:
Você sabe muita coisa, minha colega. Mas de qualquer jeito vou lhe dar umas dicas para a vida e outras para escrever.
       Sugestões de vida:
       - Você sabe se espreguiçar? É tão bom. Quando você se sentir cansadinha (você nunca se sente cansada porque é uma borboleta alegre) ou quando quiser sentir uma coisa boa para o seu corpinho, então espreguice-se. É assim: espiche os braços e as pernas ao último máximo, tanto quanto puder. Fique assim um momento. Em seguida largue-se de repente, relaxe o corpo como se este fosse um trapo. Você vai ver como é gostoso. A gente ganha um corpo novo.
       - Você gosta de comer coisa boa? Então experimente fios de ovos com creme de leite Nestlé. A gente não tem vontade de acabar nunca.
      - Pergunte ao seu pai e a sua mãe se eles deixam o seguinte: esquente uma colher de sobremesa de vinho tinto, esquente uma xícara de café com açúcar, misture tudo e beba devagarzinho. Dá um gosto bom no coração.
      - Experimente mocotó. Demora a cozinhar e leva tempero. Mande fazer um pirão com o caldo. É forte, é potente, dá força humana. É capaz de você odiar!!!
      Sugestões para escrever:
      - Você não precisa de nada, já sabe quase tudo. Mas vou lhe dar umas idéias:
      - Não descuide da pontuação. Pontuação é a respiração da frase. Uma vírgula pode cortar o fôlego. É melhor não abusar de vírgulas. O ponto de interrogação e o de exclamação use-os quando precisar: são válidos. Cuidado com reticências: só as empregue em caso raro. Como depois de um suspiro. Quanto ao ponto e vírgula, ele é um osso atravessado na garganta da frase. Uma minha amiga, com quem falei a respeito da pontuação, acrescentou que o ponto e vírgula é o soluço da frase. O travessão é muito bom para a gente se apoiar nele. Agora esqueça tudo que eu disse.
     - Cuidado com o “que”, muitos ques numa mesma frase atropela a gente. Você pode tomar a liberdade que eu já tomei, isto é: começar um frase com “que”. Mas esse recurso já foi por demais imitado, eu já não uso mais, só às vezes.
Quando você fizer sucesso fique contentinha mas não contentona. É preciso ter sempre uma simples humildade tanto na vida quanto na literatura.
Afago os seus cabelos.
                                                                                                                                                Clarice

Do livro correspondências Clarice Lispector, organizado por Teresa Montero, editora Rocco

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