A natureza da saudade é
ambígua: associa sentimentos de solidão e tristeza – mas, iluminada pela memória,
ganha contorno e expressão de felicidade. Quando Garrett a definiu como
“delicioso pungir de acerbo espinho”, estava realizando a fusão desses dois
aspectos opostos na fórmula feliz de um verso romântico.
Em geral, vê-se na saudade o
sentimento de separação e distância daquilo que se ama e não se tem. Mas todos
os instantes da nossa vida não vão sendo perda, separação e distância? O nosso
presente, logo que alcança o futuro, já o transforma em passado. A vida é
constante perder. A vida é, pois, uma constante saudade.
Há uma saudade queixosa: a
que desejaria reter, fixar, possuir. Há uma saudade sábia, que deixa as coisas
passarem, como se não passassem. Livrando-as do tempo, salvando a sua essência de eternidade. É a única maneira, aliás, de
lhes dar permanência: imortalizá-las em amor. O verdadeiro amor é,
paradoxalmente, uma saudade constante, sem egoísmo nenhum.
MEIRELES, Cecília. In:
Cecília Meireles / seleção e prefácio Leodegário A. de Azevedo Filho. São
Paulo: Global, 2003. Coleção Melhores Crônicas. p. 144.
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