Meu pai ia embora na hora do almoço. Aí meu avô, homem de poucas palavras, dizia-me: " Varra as aparas de madeira e a serragem. As lixas, guarde-as ali. Depois, se tiver tempo, afie as ferramentas". Eu perguntava: "Mas quando é que vou comer ?"
No fundo, isso não me desagradava, porque eu admirava o trabalho daqueles dois homens, que, entre outras coisas, viviam discutindo. Meu pai dizia: "Já faz um dia que está trabalhando nessa cadeira de cozinha ! Quanto é que vai poder cobrar daquela mulher ?" E meu avô: "É minha obrigação consertá-la". Já naquele tempo, havia conflito de gerações.
Eu ficava um pouco envergonhado. Ali pelos quinze, dezesseis anos, comecei a olhar para as meninas. De vez em quando, meu avô me dizia: "Pegue a bolsa de ferramentas. Vamos consertar uma porta que não fecha mais". Na casa a que devíamos ir, talvez morasse uma garota em quem eu estivesse interessado, e chegar com aquela sacola de ferramentas seria ... Sinceramente, eu tinha vergonha.
Mas as lembranças daqueles anos são muito bonitas. O cheiro da madeira, por exemplo. Quem não o conhece não pode imaginar quanto é bom. O cheiro de madeira misturado ao suor de meu pai e de meu avô, aos impropérios, às cuspidas de vovô, que fumava cachimbo. Acho que aprendi muita coisa com aquelas experiências - certa percepção das coisas simples, certa humildade.
in: Mastroianni, Marcello. Eu me lembro, sim, eu me lembro. DBA, 1999. p. 95.
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