22 de mai. de 2012

Este é o lenço de Marília de Cecilia Meireles



Este é o lenço de Marília, 
pelas suas mãos lavrado, 
nem a ouro nem a prata, 
somente a ponto cruzado. 
Este é o lenço de Marília 
para o Amado. 

Em cada ponta, um raminho, 
preso num laço encarnado; 
no meio, um cesto de flores, 
por dois pombos transportado. 
Não flores de amor-perfeito, 
mas de malogrado! 

Este é o lenço de Marília: 
bem vereis que está manchado: 
será do tempo perdido? 
será do tempo passado? 
Pela ferrugem das horas? 
ou por molhado 
em águas de algum arroio 
singularmente salgado? 

Finos azuis e vermelhos 
do largo lenço quadrado, 
- quem pintou nuvens tão negras 
neste pano delicado, 
sem dó de flores e de asas 
nem do seu recado? 

Este é o lenço de Marília, 
por vento de amor mandado. 
Para viver de suspiros 
foi pela sorte fadado: 
breves suspiros de amante, 
- longos, de degredado! 

Este é o lenço de Marília 
nele vereis retratado 
o destino dos amores 
por um lenço atravessado: 
que o lenço para os adeuses 
e o pranto foi inventado. 

Olhai os ramos de flores 
de cada lado! 
E os tristes pombos, no meio, 
com o seu cestinho parado 
sobre o tempo, sobre as nuvens 
do mau fado! 

Onde está Marília, a bela? 
E Dirceu, com a lira e o gado? 
As altas montanhas duras, 
letra a letra, têm contado 
sua história aos ternos rios, 
que em ouro a têm soletrado... 

E as fontes de longe miram 
as janelas do sobrado. 

Este é o lenço de Marília 
para o Amado. 

Eis o que resta dos sonhos: 
um lenço deixado. 

Pombos e flores, presentes. 
Mas o resto, arrebatado. 

Caiu a folha das árvores, 
muita chuva tem gastado 
pedras onde houvera lágrimas. 
Tudo está mudado. 

Este é o lenço de Marília 
como foi bordado. 
Só nuvens, só muitas nuvens 
vêm pousando, têm pousado 
entre os desenhos tão finos 
de azul e encarnado. 
Conta já século e meio 
de guardado. 

Que amores como este lenço 
têm durado, 
se este mesmo está durando? 
mais que o amor representado?

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