Em Lagos em Agosto o sol cai a direito e há sítios onde até o chão é caiado. O sol é pesado e a
luz leve. Caminho no passeio rente ao muro mas não caibo na sombra. A sombra é uma fita estreita.
Mergulho a mão na sombra como se a mergulhasse na água.
A loja dos barros fica numa pequena rua do outro lado da praça. Fica depois da taberna fresca e
da oficina do ferreiro.
Entro na loja dos barros. A mulher que os vende é pequena e velha, vestida de preto. Está em
frente de mim rodeada de ânforas. A direita e à esquerda o chão e as prateleiras estão cobertos de
louças alinhadas, empilhadas e amontoadas: pratos, bilhas, tigelas, ânforas. Há duas espécies de barro:
barro cor-de-rosa-pálido e barro vermelho-escuro. Barro que desde tempos imemoriais os homens
aprenderam a modelar numa medida humana. Formas que através dos séculos vêm de mão em
mão. A loja onde estou é como uma loja de Creta. Olho as ânforas de barro pálido poisadas em
minha frente no chão. Talvez a arte deste tempo em que vivo me tenha ensinado a olhá-las melhor.
Talvez a arte deste tempo tenha sido uma arte de ascese que serviu para limpar o olhar.
A beleza da ânfora de barro pálido é tão evidente, tão certa que não pode ser descrita. Mas eu
sei que a palavra beleza não é nada, sei que a beleza não existe em si mas é apenas o rosto, a forma,
o sinal de uma verdade da qual ela não pode ser separada. Não falo de uma beleza estética mas sim
de uma beleza poética.