Com
o passar do tempo, e em virtude do processo de minha própria maturação,
percebo, literalmente, que não posso viver de ilusão. Os objetos externos se
impõem, cada vez mais e, com sua autonomia, me fazem perceber as falhas de meus
jogos – e dispositivos – imaginários. Preciso da realidade e dos outros, cada vez
com mais urgência. A negação da realidade, pela qual construí meu sentimento de
completude narcísica, tem que agora ser, por sua vez, negada. A negação dessa
negação é o simbólico. Perco a capacidade de fechar os olhos ao mundo, através
de minhas construções imaginárias mas, abrindo mão delas, vou simbolizá-las, no
mundo exterior segundo as leis que o regem e, acima de tudo, segundo as leis da
linguagem e da cultura. A linguagem, portanto, é a terceira margem do rio,
confluência do sonho e da realidade, núpcias da pulsão e do Logos, que, no
transporte da paixão, engendra o verbo. Há quem pense que, com a dominância do
princípio da realidade, o sonho se acabe. Em verdade, não acaba nunca. O sonho
é centelha que salta do desejo e é através dela que vou acender as fogueiras
através das quais o rosto do mundo se ilumina. O sonho, levado aos ombros da realidade,
que o simboliza, é o projeto profundo do homem e a teleologia da história. O
sonho, vivido, enraizado no real, que o suporta, vai ser a matriz da utopia, o
eixo das grandes transformações que fazem a grandeza do processo civilizatório.
Pellegrino, Hélio. Édipo e Paixão in: Os Sentidos da Paixão . Companhia das Letras, São Paulo, 1986. p. 311-321
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