5 de out. de 2012

Exercer a amizade de Simone Weil


“Aprenda a repelir a amizade, ou melhor, o sonho da amizade. Desejar a amizade é um grande erro. A amizade deve ser uma alegria gratuita como as que oferece a arte, ou a vida. É preciso recusá-la para ser digno de recebê-la: ela é da ordem da graça (“Meu Deus, afastai-vos de mim…”). É dessas coisas que são dadas por acréscimo. Todo sonho de amizade merece ser quebrado. Não é por acaso que você nunca foi amado… Desejar escapar à solidão é uma covardia. A amizade não se busca, não se sonha, não se deseja; ela se exerce (é uma virtude). Abolir toda essa margem de sentimento, impura e confusa. Acabou-se!
Ou melhor (pois não se deve podar em si mesmo com rigor excessivo), tudo o que, na amizade, não se dá como trocas efetivas deve dar-se como pensamentos refletidos. É inútil abster-se da virtude inspiradora da amizade. O que deve ser severamente impedido é sonhar com as satisfações do sentimento. Isso é corrupção. É tão estúpido quanto sonhar com a música ou a pintura. A amizade não se deixa desligar da realidade, e tampouco o belo. Ela constitui um milagre, como o belo. E o milagre consiste simplesmente no fato de que ela existe. (...)
Não se deixe aprisionar por nenhuma afeição. Preserve sua solidão. No dia, se porventura ele chegar, em que uma verdadeira afeição lhe for dada, não haverá oposição entre a solidão interior e a amizade, pelo contrário. É inclusive por esse sinal infalível que você a reconhecerá.”

WEIL, Simone. A gravidade e a graça. São Paulo: Martins Fontes, p.72.

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