16 de fev. de 2013

Semáforos, farmácias, máscaras ou três cenas paulistanas - Sérgio Telles

Sebastião Salgado

Ao parar no semáforo, o carro é imediatamente cercado por um bando de crianças, adolescentes, jovens adultos.
Alguns correm entre os veículos, colocando nos retrovisores pequenos sacos plásticos com balas, bombons ou flanelinhas, acrescidos de um pequeno escrito onde está afirmado que aquilo não é um assalto e sim um trabalho honesto, pelo qual é pedida uma remuneração. Outros, com água e rodos, ameaçadoramente se oferecem para limpar o para-brisa. Os menores não se dão ao trabalho de oferecer serviços supérfluos e não solicitados, vão diretamente ao que interessa e pedem dinheiro, querem moedas e trocados. Uns poucos ainda fazem malabarismos com fogo, a maioria exibindo um sofrível desempenho nesse desempenho.
Vagamente atemorizado, o motorista tenta manter a calma. Pra um diz que não precisa limpar o vidro. Pra outro diz que não tem moedas, está sem trocado. Não, também não quer comprar flanelinha nem balas de hortelã ou de qualquer outro sabor. Pros malabaristas mais esforçados, eventualmente faz um elogio. Procura sorrir para uma das criancinhas de cara suja e cabelo emaranhado.
O medo diminuiu e foi substituído por um estado de preocupação. Olha para as crianças, pros adolescentes, pros jovens adultos, pensando que todos eles deveriam estar em outro lugar, em casa com os pais, na escola, no trabalho.
Sabe o motorista que todos aqueles meninos, rapazes e moças vivem um presente negro, sem poder alimentar nenhuma esperança de um futuro melhor. Estão batalhando a sobrevivência em meio à fria indiferença dos homens, num áspero aprendizado que certamente terá efeitos desastrosos para todos. Sabe que apenas um fio os separa da franca marginalidade.
O motorista é invadido pelo desânimo e aumenta o volume do rádio do carro. A música o distrai até o próximo grande cruzamento, quando tudo recomeça.
fonte: O Estado de S.Paulo - C2 + Música 17/03/12

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