foto de Cartier-Bresson, 1946
Abro as cortinas do meu quarto, deito-me num divã, tudo em volta deixa de existir, ignoro-me a mim mesma: existe somente a página preta e branca que meus olhos percorrem. E eis que me ocorre a surpreendente aventura relatada por alguns sábios taoístas: abandonando em seu leito uma carcaça inerte, eles levantavam voo; durante séculos viajavam de cume em cume, através da terra inteira e até o céu. Quando reecontravam seu corpo, este não envelhecera. Assim vago eu, imóvel, sob outros céus em épocas passadas, e é possível que transcorram séculos antes que me reencontre, a duas ou três horas de distância, neste lugar do qual não saí. Nenhuma experiência é comparável a esta. (…) Somente a leitura, com uma economia extraordinária de meios – apenas um volume em minha mão -, cria relações novas e duráveis entre mim e as coisas.
Fonte: Balanço Final. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990 [1972]. pp. 153-154.
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