10 de jul. de 2013

Carta a Ophélia Queiroz - 9 Out. 1929 de Fernando Pessoa

Ophélia de Queiroz,  amor de Fernando Pessoa (1888/1935).

Bebé fera:
Peço desculpinha de a arreliar. Partiu-se a corda do automóvel velho que trago na cabeça, e o meu juízo, que
já não existia, fez tr-tr-r-r-r-...
Logo a seguir a telefonar-lhe, estou a escrever-lhe, e naturalmente telefonarei outra vez, se lhe não faz mal aos nervos, e naturalmente será, não a qualquer hora, mas à hora em que lhe telefonarei.
Gosta de mim por mim ser mim ou por não? Ou não gosta mesmo sem mim nem não? Ou então?
Todas estas frases, e maneiras de não dizer nada, são sinais de que o ex-Ibis, o extinto Ibis, o Ibis sem concerto nem gostosamente alheio, vai para o Telhal, ou para Rilhafolles, e lhe é feita uma grande manifestação à magnífica ausência.
Preciso cada vez mais de ir para Cascais — Boca do Inferno mas com dentes , cabeça para baixo, e fim, e pronto, e não há mais Ibis nenhum. E assim é que era para esse animal ave esfregar a fisionomia esquisita no chão.
Mas se o Bebé desse um beijinho, o Ibis aguentava a vida um pouco mais. Dá? — Lá está a corda partida -r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-
a valer
9/10/1929
Fernando
9-10-1929
Cartas de Amor. Fernando Pessoa. (Organização, posfácio e notas de David Mourão Ferreira. Preâmbulo e estabelecimento do texto de Maria da Graça Queiroz.) Lisboa: Ática, 1978 (3ª ed. 1994). 
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