3 de out. de 2013

O Cão sem Plumas de João Cabral de Melo Neto



Aquele rio 
é espesso 
como o real mais espesso. 
Espesso 
por sua paisagem espessa, 
onde a fome 
estende seus batalhões de secretas 
e íntimas formigas. 

E espesso 

por sua fábula espessa; 

pelo fluir 

de suas geléias de terra; 

ao parir 

suas ilhas negras de terra. 


Porque é muito mais espessa 

a vida que se desdobra 

em mais vida, 

como uma fruta 

é mais espessa 

que sua flor; 

como a árvore 

é mais espessa 

que sua semente; 
como a flor 
é mais espessa 
que sua árvore, 
etc. etc. 


Espesso, 

porque é mais espessa 

a vida que se luta 

cada dia, 

o dia que se adquire 

cada dia 

(como uma ave 

que vai cada segundo 

conquistando seu vôo).

In Poesias Completas (1940-1965) José Olympio, 3a. ed., 1979

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