7 de mai. de 2014

Mães de hospital :: Jairo Marques

Não há sinônimo melhor para doação do que mães que vivem em hospitais no aguardo incansável e angustiante de chegar o grande dia no qual poderão levar suas crias de volta para casa, mesmo que elas já tenham sua plumagem bem frondosa, mesmo que elas jamais consigam pular amarelinhas de forma independente dali em diante.

Ter o filho novamente em casa após uma internação pode ser mais significativo do que o dia da formatura, o da primeira peça de teatro, o da primeira palavra balbuciada, pois significa uma chance nova de criar outras histórias incríveis e lindas para os porta-retratos e para a literatura de viver.

Mães de hospital não têm coluna, porque são capazes de dormir meses em um sofazinho sinuoso e desconfortável que guarda displicente o leito do filho enfermo. Possuem no organismo o analgésico mais poderoso, aquele que enfrenta e apazigua as dores da incerteza do futuro e de um ligeiro descaso do pessoal que serve as refeições, quando ela tanto esperava para seu pequeno um cuidado particular.

Elas choram pelos cantos para não fazer barulho e não comprometer os corações sensíveis de seus meninos. Ao mesmo tempo, são capazes dos melhores e mais largos sorrisos para os médicos que "prometerem" aquela visita mais longa, mais detalhada e mais otimista.

 Mães de hospital não veem feiura em queimadura ou em má-formação, não sentem arrepios de sangue entrando ou saindo pelas veias - afinal, trata-se da busca da cura, sabem tudo a respeito de erisipela, imunodeficiência, interação medicamentosa e quimioterapia.

A antessala de um centro de cirurgia pode ser mais dramática que os próprios acontecimentos da unidade se lá estiver uma mãe. Ela é capaz de ficar dez, 12 horas em pé, imóvel, para apenas "emanar energias boas" para que a mão do médico não trema, para que a sutura amarre de vez os problemas e os leve para bem longe de seus filhos amados.

 Não existe possibilidades de mães de hospital almejarem o título da melhor mãe do mundo, porque elas só estão interessadas em promover para si o básico: um banho rápido, um telefonema para o filho do meio pedindo a ele que estude e um afago na companheira do quarto 31, cuja menina piorou durante a madrugada.

E elas são firmes diante de choros aterradores vindos da dor de agulha, de dores nos ossos, na pele, na cabeça, no pensamento. O seu papel é passar segurança e confiança em que aquilo será para melhor, em que aquilo irá trazer de volta os momentos felizes das tardes de domingo.

Em mães de hospital, apenas as dores na alma são incontroláveis, mas essas elas teimam em resolver sozinha durante intermináveis insônias ou em um diabo chamado sono vigilante.

Por tudo isso, quando vir uma mãe de hospital, só dê a ela esperança, flores do campo e olhares de ternura. Não queira dar um toque de razão, uma frase de efeito ao coração ou se atreva a julgar o que, a seus olhos, parece "sacrifício".

Todo o esforço valerá a pena se for reconquistado pela mãe o direito de, logo cedinho, dar aqueles abraços de puro chamego e aqueles beijos estalados, meio lambidos e barulhentos, que nunquinha o clima da melhor enfermaria do mundo iria permitir.

Folha de São Paulo. Cotidiano. 07 de maio de 2014.

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