27 de ago. de 2014

DESCULPA-ME A TERNURA :: Ana Luísa Amaral


Henri de Toulouse-Lautrec, 1894


Enternece-me pensar que estás aí
não força de trabalho desigual
nem vida à pressa
mas minha amiga.

Talvez as palavras que te digo
me transpareçam classe,
talvez nem te devesse dizer nada.
Porque és a mão que ampara o meu silêncio,
a minha filha, o meu cansaço
— à custa do teu cansaço, da tua filha,
do teu silêncio.

Não há homens-a-dias neste mundo,
mas tantas como tu,
a segurar nas mãos e no sorriso
algumas como eu.

Entraste há pouco a perguntar
se eu tinha febre
— a louça por lavar nas tuas mãos,
aspirando o cansaço dos meus ombros,
nos teus ombros o cansaço de mim
e o cansaço de ti.

Desculpa os meus silêncios,
o falar-me contigo como mais ninguém,
desculpa o tom sem pressa
— e o meu dinheiro que não chega a nada,
comprando o teu trabalho
(o teu sorriso)

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