16 de fev. de 2015

O habitante:: Mia Couto

(ao meu pai)

Se partiste, não sei. 
Porque estás, 
tanto quanto sempre estiveste.

Essa tua, 
tão nossa, presença 
enche de sombra a casa 
como se criasse, 
dentro de nós, 
uma outra casa.

No silêncio distraído 
de uma varanda 
que foi o teu único castelo, 
ecoam ainda os teus passos
feitos não para caminhar
mas para acariciar o chão.

Nessa varanda te sentas 
nesse tão delicado modo de morrer 
como se nos estivesse ensinando 
um outro modo de viver.

Se o passo é tão celeste
a viagem não conta
senão pelo poema que nos veste.

Os lugares que buscaste
não têm geografia.

São vozes, são fontes,
rios sem vontade de mar,
tempo que escapa da eternidade.

Moras dentro, 
sem deus nem adeus.

fonte: Vagas e lumes. Editorial Caminho, 2014. 

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